sábado, 22 de setembro de 2007

STJ VALORIZA O VÍNCULO SOCIOAFETIVO. ATÉ QUE ENFIM...

STJ cassa acórdão do TJDF para reconhecer validade de paternidade socio afetiva
O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo socio afetivo entre pais e filhos. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça cassou o acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDF) que anulou declaração de paternidade feita por M.S.B. em favor de A.C.M.B., pouco antes de sua morte, por considerar que houve falsidade ideológica do registro civil.

Em outubro de 2001, O. de S.B., irmã de M.S.B., ajuizou ação declaratória de inexistência de parentesco alegando que A.C.M.B. não era sua sobrinha biológica e que o reconhecimento feito antes do falecimento do irmão teria sido simulado, caracterizando falsidade ideológica.
O TJDF julgou o pedido procedente para anular o registro civil e determinar a retirada do sobrenome paterno e a exclusão do nome dos avós paternos. A.C.M.B. interpôs embargos de declaração que foram rejeitados pelo Tribunal.

No recurso especial ajuizado no STJ, A.C.M.B. sustentou que, enquanto o TJDF reconheceu a ausência de paternidade biológica como causa suficiente para a anulação do registro civil, outros Tribunais teriam considerado tal fato irrelevante quando ausentes quaisquer vícios do ato jurídico, como erro, dolo, simulação, coação e fraude, mas presente a filiação socio afetiva.
Observou, ainda, que, com a manutenção do acórdão recorrido, os bens que lhe foram deixados como legítima seriam herdados pela tia.

Acompanhando o voto da relatora, Ministra Nancy Andrighi, a Turma, por unanimidade, entendeu que a ausência de vínculo biológico é fato que, por si só, não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento, já que a relação socio afetiva não pode ser desconhecida pelo Direito.

O voto
Em seu voto, a relatora detalhou a evolução legislativa e jurídica do conceito de filiação e citou jurisprudência e precedentes que permitiram o amplo reconhecimento dos filhos ilegítimos.
Nancy Andrighi reconheceu que o STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconhecimento da filiação nas circunstâncias em que há dissenso familiar, em que a relação socio afetiva desapareceu ou nunca existiu.

“Não se podem impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai socio afetivo. Mas, se o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica”, ressaltou a ministra em seu voto.

De acordo com os autos, mesmo ciente de que não era o pai biológico de A.C.M.B., M.S.B. criou-a como filha desde o seu nascimento, em 1980, e optou por reconhecê-la como tal, muito embora não fosse seu genitor.
Segundo a ministra, o que existe no caso julgado é um pai que quis reconhecer a filha como se sua fosse e uma filha que aceitou tal filiação. “Não houve dissenso entre pai e filha que conviveram, juntamente com a mãe, até o falecimento. Ao contrário, a longa relação de criação se consolidou no reconhecimento de paternidade ora questionada em juízo.”

Para Nancy Andrighi, paternidade socio afetiva e biológica são conceitos diversos e a ausência de uma não afasta a possibilidade de se reconhecer a outra.

Assim, por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso especial para cassar o acórdão recorrido, julgar improcedente a ação declaratória de inexistência de parentesco ajuizada pela tia e inverter os ônus pelo pagamento de todos os gastos decorrentes da atividade processual. O STJ também reformou a decisão do TJDF que impôs à recorrente o pagamento de multa pela interposição de embargos de declaração com intuito procrastinatório. Para o STJ, os embargos tinham nítido caráter de prequestionamento.

Um comentário:

Hell disse...

Digna de aplauso a decisão do STJ por trazer o Direito cada vez mais para a realidade do povo brasileiro. Isso nos dá a sensação reconfortante de que os juízes decidem sim como seres humanos e não meros aplicadores da lei.
Parabéns Prof. Tartuce pelo excelente site!
Hellen Maciel, Sergipe