sexta-feira, 30 de novembro de 2007

STJ. PÍLULAS DE FARINHA.

STJ - Schering vai pagar indenização coletiva de R$ 1 milhão por colocar pílulas de farinha no mercado
O Laboratório Schering do Brasil Química e Farmacêutica Ltda. deverá pagar indenização coletiva no valor de R$ 1 milhão por danos morais causados em decorrência da colocação no mercado do anticoncepcional Microvlar sem princípio ativo, ocasionando a gravidez de diversas consumidoras.
O julgamento foi encerrado ontem (29) pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve a condenação do laboratório. O caso das "pílulas de farinha" – como ficou conhecido o fato, é resultante da fabricação de pílulas para o teste de uma máquina embaladora do laboratório, mas que acabaram chegando ao mercado para consumo – aconteceu em 1998.
O Estado de São Paulo e a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon/SP) ajuizaram ação civil pública em função de o laboratório ter posto no mercado anticoncepcional sem o princípio ativo, o que resultou na gravidez de consumidoras do produto. Na sentença, o juiz condenou o laboratório ao pagamento de compensação por danos morais no valor de R$ 1 milhão.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) manteve a sentença. A empresa farmacêutica, então, interpôs recurso especial no STJ argumentando, em síntese, que os 600 mil comprimidos que chegaram indevidamente ao mercado seriam para testes do maquinário.
Além disso, informou que o laboratório não disponibilizou o produto, e sim os farmacêuticos que venderam o anticoncepcional ao consumidor.
No recurso, o laboratório também alegou ter havido cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da ação. Questionou, ainda, a legitimidade da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo (Procon-SP) para propor ação em defesa de suposto interesse individual homogêneo.
A Schering do Brasil sustentou, ainda, que as gravidezes resultantes do uso dos falsos anticoncepcionais constituíram sentimentos positivos, pois geraram “novas vidas”.
Em seu voto, no qual rechaçou todos os argumentos apresentados pelo laboratório, a ministra Nancy Andrighi destacou que, no tocante às consumidoras, o fundamento da compensação era a quebra de expectativa com relação à eficácia do produto e não a gravidez propriamente dita. A ministra asseverou que o vazamento de placebos manufaturados em razão de testes de maquinário feriu diretamente a necessidade de respeito à segurança dos consumidores e o direito de informação que eles possuem, na medida em que a empresa demorou a avisar os consumidores dos riscos que corriam, muito embora já ciente do vazamento dos placebos.
A ministra ressaltou, também, que as instâncias ordinárias reconheceram que a empresa não tomou cautelas mínimas em face do evidente potencial lesivo contido na fabricação das pílulas de farinha.
Como ficou demonstrado no processo, as embalagens não tinham nenhum sinal característico que as diferenciasse do produto original, e as investigações a respeito da rotina da empresa demonstraram que esta operava com sérias falhas de segurança, tanto no processo de fabricação quanto no descarte de material. Inicialmente, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, votou pelo indeferimento do pedido. Na seqüência, o ministro Castro Filho pediu vista e interrompeu o julgamento. O julgamento prosseguiu e os ministros Ari Pargendler e Humberto Gomes de Barros seguiram a decisão da ministra; dessa forma, foi negado, por unanimidade, o pedido do laboratório.
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=85767

terça-feira, 27 de novembro de 2007

CURSO NA AASP. DIREITO DE FAMÍLIA. 03 a 06 de dezembro.

TEMAS ATUAIS DE DIREITO DE FAMÍLIA
Coordenação
Dr. Flávio Tartuce
Horário
19h
Carga horária
8 horas - aula
Programa
Dia 03/12 - segunda-feira
Tema: Novos Princípios do Direito de Família
Dr. Flávio Tartuce
Dia 04/12 - terça-feira
Tema: Regime de Bens no Código Civil de 2002
Dr. José Fernando Simão
Dia 05/12 - quarta-feira
Tema: Separação e divórcio. Questões teóricas e práticas. A mitigação da culpa. A possibilidade de separação e do divórcio extrajudicial
Dra. Cláudia Stein Vieira
Dia 06/12 - quinta-feira
Tema: Alimentos. Questões materiais e processuais
Des. José Luiz Gavião de Almeida
Local
Associação dos Advogados de São Paulo
Rua Álvares Penteado, 151 - Centro
Taxas de inscrição
Associado: R$ 60,00
Estudante de graduação: R$ 75,00
Não associado: R$ 140,00
Inscrições: www.aasp.org.br.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

INTERESSANTE ARTIGO DE JORGE LUIZ SOUTO MAIOR.

Vôo 3459 da TAM
Jorge Luiz Souto Maior[1]


Saímos de Porto Seguro, rumo a São Paulo, às 12h e 30’, do dia 30 de setembro de 2007. Estamos, como dito pelo piloto, em céu de brigadeiro, a 9.000 metros de altura. Neste momento, para passar o tempo pus-me a pensar na hipótese de um acidente (que belo modo de se passar o tempo em um avião!).
Mas, o que me incomodou nesse pensamento não foi a possibilidade de perder a vida, e sim a lembrança de que os aplicadores do direito, posteriormente, poderiam dar guarida plena à pretensão jurídica de meus sucessores, para recebimento de uma indenização, mas talvez não agissem com a mesma presteza com relação à comissária de bordo, que, gentilmente, durante o vôo, aturou vários de nossos pedidos estranhos e serviu-nos a todos com um belo sorriso no rosto, trazendo tranqüilidade nos momentos de turbulência. É que alguns juristas insistem em dizer que o empregado somente receberá indenização por acidente do trabalho (e no caso das comissárias a questão seria tratada como tal) se provar que o empregador incorreu em dolo ou culpa, enquanto que nas relações jurídicas de natureza civil admite-se, sem qualquer oposição, que a pessoa, física ou jurídica, que expõe outro a risco está obrigada a reparar o dano independentemente da prova de culpa ou de dolo.
Verdade que a Lei 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica) prevê, na alínea “b”, do § 2º., do art. 256, que a responsabilidade objetiva do transportador, devida com relação aos passageiros, estende-se “a seus tripulantes, diretores e empregados que viajarem na aeronave acidentada, sem prejuízo de eventual indenização por acidente de trabalho”. Essa responsabilidade, no entanto, nos termos do art. 246, é limitada ao recebimento da indenização de seguro prevista na própria lei (fixada em a 3.500 Obrigações do Tesouro Nacional – OTN pelo art. 257). Não cuida, portanto, de uma efetiva reparação pelos danos morais e materiais experimentados pela vítima ou seus familiares. E aí é que se situa a indevida diferença: para recebimento de uma indenização que repare de forma mais integral os danos sofridos, ultrapassando-se as amarras do art. 246, os passageiros têm sido angariados com a teoria da responsabilidade objetiva, extraída dos arts. 927, parágrafo único[2], e 932, III[3], do Código Civil, que, neste aspecto, suplantaram a previsão do art. 248 da citada lei, que estabelecia que o valor da indenização legal só não seria aplicado se fosse provado que o dano resultou de dolo ou culpa grave do transportador ou de seus prepostos; enquanto isso a complementação da indenização para os tripulantes tem sido conduzida ao tema acidentário, no qual algumas decisões insistem em vincular a responsabilidade do empregador, mesmo em atividades de risco, ao cometimento de culpa ou dolo, em razão do que consta do inciso XXVIII, do art. 7º., da Constituição Federal.
O efeito concreto disso é exatamente aquele a que antes me referi: meus sucessores receberiam, com maior facilidade, a indenização de ordem material e moral pela minha perda do que os sucessores da comissária de bordo, pois estes teriam que provar que a TAM teve culpa no acidente.
Não se trata, portanto, de uma simples questão de posicionamento a respeito da interpretação de uma norma jurídica. Trata-se de um fato da vida, que merece uma resposta jurídica adequada. O direito não se perfaz em si mesmo. O direito é voltado para a vida e só tem sentido quando seja apto a produzir resultados justos. O direito é antes de tudo o promotor da justiça e não o legitimador das injustiças.
É evidente que a diferença de tratamento entre mim e a comissária de bordo é profundamente injusta e, portanto, um jurista autêntico jamais poderia escorar essa situação, perpetuá-la, legitimá-la, utilizando como seu escudo o ordenamento jurídico.
O elemento culpa, ademais, é de prova bastante difícil. Disso resulta, na maioria das vezes, a completa falta de reparação pelo dano experimentado pelo empregado. O fato é que a responsabilidade pelos acidentes é daquele que obtém proveito econômico da atividade socialmente permitida e que exponha outras pessoas a risco, incluídos, por óbvio, os empregados, que são, ao que consta, pessoas também.
Ninguém contesta o fato de que os passageiros de avião têm direito a indenização independente de avaliação de culpa da empresa aérea. Então, por que essa proteção não valeria também para a comissária de bordo? A sua vida por acaso vale menos que a minha?
Relevante perceber que mesmo do ponto de vista jurídico formal, negar ao empregado a responsabilidade objetiva do empregador (sobretudo em atividades de risco) não tem sentido. Havendo norma expressa neste sentido, no artigo 927, do Código Civil, não aplicá-la nas relações de trabalho equivale a demonstrar o desconhecimento de que as normas jurídicas trabalhistas foram, historicamente, fixadas como garantias de caráter mínimo. Aliás, o artigo 7º da Constituição Federal é claro ao definir que aqueles direitos ali elencados não são exaustivos, pois que se deve a eles ajuntar “outros direitos” que visem a melhoria da condição social dos trabalhadores. Assim, a toda evidência, o art. 927, do Código Civil, não está em conflito com a regra do artigo 7º., inciso XXVIII, da CF[4], quando diz o empregado tem direito a receber indenização por acidente do trabalho quando o empregador incorrer em dolo ou culpa[5]. Enxergar um conflito de normas nessa situação é não conhecer a forma de organização do ordenamento jurídico trabalhista e até mesmo permitir que, no mundo real, a vida da comissária de bordo valha menos do que a minha.
Além disso, insta reler o inciso XXVIII, do art. 7º., da Constituição Federal, pois que ali está clara a fixação da responsabilidade objetiva do empregador pelos acidentes do trabalho. A referida norma não prevê que a responsabilidade do empregador por acidente sofrido pelo seu empregado seja apenas decorrente de ato culposo. O que o dispositivo diz, expressamente, é que os trabalhadores têm direito a um “seguro contra acidentes do trabalho a cargo do empregador”. Ora, o que isso significa? Significa que a Constituição garantiu aos empregados a obtenção de uma reparação, pelo recebimento da indenização do seguro, sem se inquirir a respeito de culpa do empregador (com exclusão, por óbvio, da hipótese de ato doloso do empregado). A responsabilidade objetiva do empregador pelo acidente do trabalho, portanto, é inquestionavelmente fixada na Constituição. Esse seguro não é um seguro social, pois, como diz a Constituição, ele será feito ao encargo do empregador e não da Previdência Social, restando devidos, por óbvio, os benefícios previdenciários decorrentes do afastamento involuntário do trabalho em virtude do acidente. Não tendo efetivado o seguro, o empregador arca com a reparação do dano, obviamente. A indenização devida, pela ausência de seguro, não elimina outra, como diz o texto em análise, que será devida decorrente de culpa ou dolo do empregador. Isto é: se o empregador cumpriu todas as suas obrigações pertinentes a eliminar ou minizar os riscos no meio ambiente do trabalho a sua responsabilidade pode ser limitada ao montante do seguro (desde que a indenização seja compatível com a lesão e leve em consideração também o dano moral) ao contrário de outro que não tenha tido os mesmos cuidados, o que se justifica até mesmo por uma questão isonômica no plano dos empregadores.
Mesmo que não se queira ver isso, o fato é que a Constituição prevê direitos aos trabalhadores de caráter mínimo (como dito expressamente no “caput” do artigo 7º), não sendo próprio ao Direito do Trabalho, portanto, negar a aplicação de normas infraconstitucionais que ampliem a proteção jurídica ao trabalhador, até para que a vida da comissária não valha menos que a de qualquer passageiro.
Importante reparar, ainda, que a norma constitucional em questão insere-se no contexto dos “direitos dos trabalhadores”. Assim, não é devido invocá-la como o “direito do empregador” de só se responsabilizar no caso de culpa ou dolo, ainda mais, repita-se, lembrando-se que o direito fixado para o trabalhador não exclui outro que lhe garanta maior proteção.
Mas, de repente, tudo isso me pareceu sem importância, pois o avião pousou tranqüilamente. Já estamos em terra firme de novo. E, ademais, neste exato momento talvez nem estejam ocorrendo acidentes do trabalho por esse Brasil afora na construção civil, nas fábricas, no trânsito etc.
Além disso, nós que costumamos viajar de avião e que criamos os entendimentos jurídicos não temos com o que nos preocupar, afinal, como consumidores, temos a proteção do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.
A insegurança jurídica da comissária de bordo, dos pilotos, dos pedreiros, dos serventes, das secretárias, dos bancários, dos metroviários, dos trabalhadores em minas de carvão, é um efeito natural das coisas como elas são, que não nos toca do ponto de vista de algo que possamos fazer.
Só não nos percebemos que esse tipo de abertura para a ineficácia das normas de proteção da dignidade humana pode, lá adiante, voltar-se contra nós mesmos. Digo isso já em outro vôo: o 2050, que saiu de São Paulo, no dia 06/10, com destino a Belo Horizonte. Desta feita viajo pela Varig, mas não é a Varig, disse-me a atendente na bilheteria (“check in” para os “modernos”). Agora é a “Nova Varig”. Ela, a atendente, é a mesma. Os aviões são os mesmos. Os pilotos, comissários etc., são os mesmos. Mas a empresa, insistem os juristas, é outra, muito embora a própria atendente, com seu sorriso maroto e com conhecimento de causa, demonstre seu ceticismo quanto a isso.
O fato é que toda a segurança fixada para os familiares dos passageiros de avião, protegidos pela responsabilidade objetiva da empresa aérea, pode nada valer se mais tarde, antes da satisfação plena de seus direitos, a TAM se transforme em Nova TAM, ficando com a velha apenas um avião, também velho, evidentemente.
É como diz a sabedoria popular: “a vida dá voltas”; e “aqui se faz, aqui se paga”.
Pois bem, se os homens do direito nos armam essas ciladas, diante da fala do piloto, “Tripulação, preparar para o pouso...”, só resta pedir: que Deus nos ajude!





[1]. Juiz do trabalho, titular da 3ª. Vara do Trabalho de Jundiaí, SP. Professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP.
[2]. “ Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (grifou-se)
[3]. “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: (....) III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.”

[4].”XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
[5]. Segundo o Enunciado 377, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, realizada em Brasília, em outubro/06: "O art. 7º, inc. XXVIII, da Constituição Federal, não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, quando se tratar de atividade de risco".

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

CURSO IASP-IBDFAM. SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO.


NOVO ARTIGO DO CO-AUTOR SIMÃO. NASCITURO.

INÍCIO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
NATALISTAS X CONCEPCIONISTAS – o embate dos Titãs.

Chegamos ao fim de mais um ano. 2007 termina como um ano fértil para nós civilistas. Os julgados a respeito do novo Código Civil se multiplicam, a doutrina amadurece o debate, novas teorias surgem e certo aspectos começam a ser pacificados.

Não faltam projetos que pretendem alterar ou modificar a atual codificação. Dois deles se revelam bastante expressivos. O primeiro é o projeto 276/07, apresentado pelo Deputado Léo Alcântara, cuja base é o projeto 6960/02, de autoria do deputado Ricardo Fiuza. Trata-se de um grande projeto que pretende alterar mais de 300 artigos do Código Civil e que, certamente, será modificado, conforme nos informa o amigo Mario Delgado, que, por anos, foi assistente parlamentar do falecido deputado.

O segundo projeto que merece destaque é o de número 2285/2007, apresentado pelo deputado Sérgio Barradas Carneiro em outubro de 2007. O projeto, elaborado pelo IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, no ano em que completou 10 anos de existência, recebe o nome de Estatuto das Famílias e pretende revogar na integralidade o livro de Direito de Família do Código Civil de 2002.

Acompanhamos, de perto, ambos os projetos, e, em 2008, certamente informaremos os amigos leitores dos desdobramentos e evoluções das proposições.

Entretanto, o tema que debatemos nas presentes linhas, não é novo, tem um certo cunho filosófico, e é antigo...A pergunta é a seguinte:

Quando se inicia a personalidade jurídica do ser humano?

A reposta passa pela análise do artigo 2º do Código Civil de 2002: “Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

A questão é das mais difíceis, porque a doutrina se divide e diverge de maneira clara. Travou-se verdadeira batalha de Titãs.

Segundo Hesíodo, os titãs eram os 12 filhos dos primitivos senhores do universo, Gaia (a Terra) e Urano (o Céu). Seis eram do sexo masculino - Oceano, Ceo (pai de Leto), Crio, Hipérion, Jápeto (pai de Prometeu) e Cronos - e seis do feminino - Téia, Réia (mãe dos deuses), Têmis (a justiça), Mnemósine (a memória), Febe (a Lua) e Tétis (deusa do mar). Tinham por irmãos os três hecatonquiros, monstros de cem mãos que presidiam os terremotos, e os três Ciclopes, que forjavam os relâmpagos.

Urano iniciou um conflito com os titãs ao encarcerar os hecatonquiros e os ciclopes no Tártaro. Gaia e os filhos revoltaram-se, e Cronos cortou com uma foice os órgãos genitais do pai, atirando-os ao mar. O sangue de Urano, ao cair na terra, gerou os gigantes; da espuma que se formou no mar, nasceu Afrodite. Com a destituição de Urano, os titãs libertaram os outros irmãos e aclamaram rei a Cronos, que desposou Réia e voltou a prender os hecatonquiros e os ciclopes no Tártaro.

Cronos e Réia que produziram descendência mais numerosa: Héstia, Deméter, Hera, Hades, Posêidon e Zeus, a primeira geração de deuses olímpicos. Avisado de que os filhos o destituiriam, Cronos engoliu todos eles exceto Zeus, salvo por um ardil da mãe.

Ao tornar-se adulto, Zeus fez Cronos beber uma poção que o forçou a vomitar os filhos, e uniu-se aos irmãos, os deuses olímpicos na luta contra os titãs nas planícies da Tessália, pela posse do Monte Olimpo. (Emerson Luis de Farias, in http://www.nomismatike.hpg.com.br/Mitologia/Titas.html)

Ultrapassada a questão mitológica, vamos à questão jurídica.

Flávio Tartuce, em excelente trabalho sobre o tema, informa que duas são as principais teorias no tocante ao início da personalidade jurídica do nascituro: a natalista e a concepcionista. Pela teoria natalista, o nascituro não poderia ser considerado pessoa, pois, o Código Civil exigiria o nascimento com vida e o nascituro teria mera expectativa de direitos. São adeptos dessa teoria Silvio Rodrigues, San Tiago Dantas, Caio Mario da Silva Pereira e Sílvio de Salvo Venosa. Pela teoria concepcionista, o nascituro é pessoa humana, tendo seus direitos resguardados pela lei. Seguem a teoria em questão: Rubens Limongi França, Giselda Hironaka, Francisco Amaral, Renan Lotufo e Maria Helena Diniz (“Situação Jurídica do nascituro”, in Questões controvertidas, v. 6, Editora Método, 2007).

Silmara Juny de Abreu Chinelato, estudiosa da questão e bastante conhecedora do tema, é uma das adeptas à teoria concepcionista e muito bem a justifica: “o nascimento com vida apenas consolida o direito patrimonial, aperfeiçoando-o. O nascimento sem vida atua, para a doação e a herança, como condição resolutiva, problema que não se coloca em se tratando de direitos não patrimoniais. De grande relevância, os direitos da personalidade do nascituro, abarcados pela revisão não taxativa do art. 2º. Entre estes, avulta o direito à vida, à integridade física, à honra e à imagem, desenvolvendo-se cada vez mais a indenização de danos pré-natais, entre nós com impulso maior depois dos Estudos de Bioética” (“Estatuto Jurídico do nascituro: o direito brasileiro”, in Questões controvertidas, v. 6, Editora Método, 2007).

O debate é realmente grande, mas, para nós, a teoria concepcionista é a realmente adequada. Lembra Tartuce, na obra mencionada, que a Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05), só permite a utilização de embriões inviáveis, protegendo sua integridade, indicando, claramente, a adoção da teoria concepcionista.

Também o magistério de Euclides de Oliveira “nesse contexto, impõe-se a conclusão de que ao nascituro assiste direito de ser indenizado, tanto material quanto moralmente, de violações a quaisquer desses direitos. Com respeito ao primeiro, que decorre do próprio Direito Natural, não teria sentido a disposição do artigo 4º do Código Civil, se não houvesse proteção integral àquela expectativa do “nascimento com vida”, e nem se justificaria a punição legal do aborto (artigos 124 a 126 do Código Penal). A integridade corporal se insere no mesmo princípio, pois sua violação implica evidente risco à sobrevivência do feto ou ao seu pleno desenvolvimento como ser humano. Os demais direitos se colocam como naturais reflexos dos anteriores. Hipótese de ofensa ao direito de imagem estaria na utilização inautorizada de captação havida por ultra-sonografia. E constituiria violação à honra, por exemplo, a imputação de bastardia ao nascituro”.

E conclui mestre Euclides, presidente do IBDFAM São Paulo: “mostra-se admissível e pertinente, pois, a indenização por danos pré-natais, como na hipótese de pais que transmitam doenças através da concepção (sífilis, AIDS), de médicos ou hospitais que se conduzam inadvertidamente, provocando danos ao feto (por medicação inadequada, omissões no tratamento, transfusão de sangue contaminado etc,...). Estará havendo, em tais circunstâncias, dano à vida ou à saúde do nascituro, passível de reparação dentro do princípio geral da culpa que informa a responsabilidade civil por ato ilícito.” (“Indenização por dano moral ao nascituro”).

Seguindo as lições de Silmara Juny de Abreu Chinelato e Euclides de Oliveira, em mais de uma oportunidade, já se reconheceu o direito à indenização por danos morais em favor do nascituro. Foi noticiado pelos meios de comunicação que “Maria Carolina Loiola da Silva será indenizada por danos morais causados a sua mãe, que sofreu constrangimento ao ser abordada ilegalmente por policiais militares, que a confundiram com bandidos avistados na cidade de Rio Verde (GO). A decisão é da 3ª Câmara Cível do TJ-GO. O fato ocorreu em 10 de novembro de 2001, quando a mãe de Maria Carolina estava com seis meses de gestação. Gilderlândia Loiola Gomes da Silva estava em companhia de outras pessoas em um carro quando o grupo foi abordado em uma barreira policial e não atendeu ao comando de parar. Os policiais estaduais dispararam tiros em direção ao carro. Ao serem abordados, foram tratados de forma vexatória, sendo presos ilegalmente. O Desembargador Rogério Arédio argumentou que toda pessoa tem direito de ter a vida respeitada, ‘desde a concepção’. Ressaltou que o abalo emocional sofrido pela mãe poderia provocar conseqüências ao feto, em razão de que o bebê poderia nascer prematuramente, ter o peso abaixo da média, além de manifestar dificuldades tais, como alimentação irregular, distúrbios de sono e choro excessivo”.

Também, temos o julgamento perante a 10ª Câmara do Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, na ap. 489.775-0/7. Referia-se a empregado que faleceu em acidente do trabalho motivado por negligência da empregadora. O filho, que veio a nascer depois do evento fatal, pleiteou indenização e teve reconhecidos seus direitos nas esferas material e moral, a partir da data do nascimento. Foi unânime a decisão, relatada pelo juiz ADAIL MOREIRA, revisor MARCOS MARTINS e 3º juiz EUCLIDES DE OLIVEIRA, com declaração de voto vencedor.

Emblemática a decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema: “I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum. II - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum. (REsp 399.028/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 26.02.2002, DJ 15.04.2002 p. 232)”.

Dessa forma, partimos para nossas conclusões. Assim como o conflito dos Titãs culminou com a derrota de Cronos e dos titãs, confinados por Zeus no Tártaro. Derrotando os Titãs e Zeus estabeleceu seu domínio como o maior dos deuses, o com conflito jurídico entre natalistas e concepcionistas foi vencido pelos últimos.

O nascituro é pessoa e, nessa qualidade é titular de direitos e merecedor da mais ampla proteção jurídica.

AQUELE JUIZ....

21/11/2007 - 11h01
Conselho irá processar juiz que criticou Lei Maria da Penha
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SILVANA DE FREITAS
da Folha de S.Paulo, em Brasília
O Conselho Nacional de Justiça abriu ontem processo disciplinar contra o juiz de Sete Lagoas (MG) Edilson Rumbelsperger Rodrigues, que qualificou a Lei Maria da Penha de "conjunto de regras diabólicas" em várias sentenças nas quais negou proteção a mulheres vítimas de violência doméstica.
A decisão foi unânime. Os conselheiros entenderam que o juiz excedeu-se na linguagem utilizada nas decisões judiciais.
Se ao final do processo ele for condenado por desvio de conduta, a punição máxima será a aposentadoria compulsória, com remuneração. Rumbelsperger Rodrigues prestou explicações ao CNJ. Disse que fez análise "filosófica" sobre a lei para não se ater a análise puramente jurídico-constitucional e negou intenção de agradar ou ferir alguém.
O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Cesar Asfor Rocha, que integra o CNJ como corregedor-nacional de Justiça, começou a examinar o caso há um mês, depois que a Folha publicou reportagem revelando o teor de uma sentença de 12 de fevereiro último.
"Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas dessa lei absurda, o homem terá de se manter tolo, mole, no sentido de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões", afirmou o juiz.
Ele disse ainda: "A desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (...) O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem!"
A Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006) aumentou no país o rigor nas penas para agressões contra a mulher no lar, além de fornecer instrumentos para ajudar a coibir esse tipo de violência.
A corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais havia arquivado pedido de abertura de processo contra Rumbelsperger Rodrigues afirmando que nenhum juiz pode ser prejudicado por opiniões expressas em sentença.
Ontem, o CNJ aprovou a revisão da decisão do TJ-MG. Os conselheiros disseram que a imunidade do magistrado não é absoluta. "O juiz, como todo agente público, está sujeito aos preceitos éticos, inserindo-se aí a vedação de uso de linguagem excessiva em seu discurso judiciário", afirmou Asfor Rocha.
Na mesma linha, o conselheiro do CNJ e ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho) João Oreste Dalazen afirmou: "Não há direito absoluto para constituir sinal verde à destemperança verbal".
A Folha não conseguiu localizar o juiz no começo da noite de ontem. No fórum de Sete Lagoas e no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ninguém foi encontrado para falar sobre o assunto.

Colaborou FELIPE BÄCHTOLD, da Agência Folha

terça-feira, 13 de novembro de 2007

VI CONGRESSO DE DIREITO DE FAMÍLIA - IBDFAM. BELO HORIZONTE.

Prezados Amigos e Amigas,
Informamos que nos próximos dias 14 a 17 de novembro estaremos em Belo Horizonte, participando do VI Congresso Brasileiro de Direito de Família, do IBDFAM, o maior evento de Direito Privado do Brasil.
Na oportunidade, mais especificamente na tarde do dia 15/11, teremos a honra de apresentar o trabalho científico AS VERDADES PARENTAIS E A AÇÃO VINDICATÓRIA DE FILHO, escolhido pela Comissão Científica do evento.
Também haverá sessão de autógrafos das obras DIREITO CIVIL, Volume 5 (Direito de Família, 2ª Edição) e Volume 6 (Direito das Sucessões), escritas em co-autoria com o Professor José Fernando Simão.
Demais informações podem ser obtidas no site www.ibdfam.com.br.
Abraços e Bom Feriado a todos,
Professor Flávio Tartuce

COMENTÁRIOS À PROVA DE SEGUNDA FASE DA MAGISTRATURA ESTADUAL/SP. DISSERTAÇÃO DE DIREITO CIVIL.

Direito Civil - Dissertação Princípios basilares do Código Civil brasileiro (Lei Nº 10.406, De 10.01.2002). Inovações no Direito de Família em relação ao Código Civil De 1916 (Livro IV, Título I, SubstitutoI, Capítulos I ao XI)
COMENTÁRIOS.
O aluno deveria enfocar os princípios do Código Civil Brasileiro de 2002, apontados por Miguel Reale, em apertada síntese:
a) Princípio da eticidade - valorização da ética e da boa-fé, particularmente da boa-fé objetiva, aquela que está no plano da conduta de lealdade das partes negociais.
b) Princípio da socialidade - valorização do "nós" em detrimento do "eu", ou seja, afastamento do caráter individualista e egoísta da codificação anterior. Assim, todos os institutos civis têm importante funcionalização social: a propriedade, a posse, o contrato, a empresa, a família, a responsabilidade civil.
c) Princípio da operabilidade - facilitação do Direito Privado (simplicidade) e sua efetivação, por meio do sistema de cláusulas gerais (concretude), que são janelas abertas deixadas pelo legislador para preenchimento pelo aplicador do Direito, caso a caso (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Volume 1. Lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 3ª Edição, 2007, p. 100-107).
Quanto às inovações do Código Civil no tocante ao Direito de Família, poderiam ser apontadas as seguintes (arts. 1.511 a 1.590 do CC):
1. Igualdade entre o homem e a mulher, na esteira da Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inc. I, e art. 226 da CF/88). No Código Civil, essa igualdade pode ser retirada do arts. 1.511, 1.565 e 1.566 do CC. Essa igualdade também atinge a capacidade para o casamento (art. 1.517 do CC).
2. Previsão expressa do princípio da não-intervenção, valorizando a autonomia privada no Direito de Família (art. 1.513 do CC).
3. Possibilidade de conversão do casamento religioso em casamento civil (arts. 1.515 e 1.516 do CC), como já previam os arts. 226 e 227 da CF/88.
4. Alteração substancial dos impedimentos matrimoniais, que estavam concentrados no art. 183 do Código Civil de 1916 de forma confusa. Os impedimentos relativos passaram a constituir causas de anulabilidade (art. 1.550 do CC). Os antigos impedimentos impedientes passaram a ser tratados como causas suspensivas do casamento (art. 1.523 do CC).
5. Previsão das hipóteses de dissolução da sociedade conjugal e do casamento nos termos do que já constava da Constituição Federal de 1988 (art. 227) e da Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/1977). O aluno poderia apontar que o Código Civil de 2002 continua a mencionar a culpa como fundamento da separação (arts. 1.572 e 1.573 do CC) e que essa vem sendo mitigada pela jurisprudência. Poderia apontar, também, que há autores que defendem a sua total extinção no tocante às separações judiciais (Maria Berenice Dias, Rodrigo da Cunha Pereira, entre outros).
Em suma, o candidato poderia concluir que as principais inovações, nos capítulos solicitados, não vieram com o Código de 2002, mas sim com a Constituição Federal.
Por fim, seria interessante discorrer sobre a tendência metodológica de se interpretar o Direito de Família a partir de princípios constituicionais, particularmente de acordo com a proteção da dignidade humana (art. 1º, inc. III) e a solidariedade social (art. 3º, inc. I, da CF/88). Sobre o tema: TARTUCE, Flávio. Novos princípios do Direito de Família Brasileiro. Disponível em http://www.flaviotartuce.adv.br. Seção Artigos do Professor. Acesso em 13/11/2007).

Boa sorte a todos!

Professor Flávio Tartuce

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

TJ/MG. CONDENAÇÃO DA SOUZA CRUZ

TJ-MG condena Souza Cruz a indenizar fumante em R$ 200 mil
Danielle Ribeiro
O TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) condenou a indústria de cigarros Souza Cruz a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 200 mil a Rélvia Braga Bittencout. Na ação, ela afirmou que "em razão do vício adquirido, teve vários transtornos como mal estar, dor, lesões e sofrimento causando amputação da perna, além de várias outras doenças".Rélvia, hoje com 58 anos de idade, começou a fumar aos 12 anos, incentivada pela "beleza, glamour e símbolo de hombridade que os fabricantes de cigarro tentavam associar ao uso do produto. Ela afirmou que diante dessa falsa imagem, ilegal e desumana, passou a consumir cada vez mais cigarros na ilusão de que, assim, poderia emergir em seu grupo de convívio social com uma jovem bem sucedida e moderna".Em seu voto, o relator revisor do processo, desembargador Elpídio Donizetti Nunes, afirmou que desde os idos de 1950, a indústria tabaqueira vem desenvolvendo pesquisas que lhe forneceram a certeza de que a nicotina é geradora de dependência físico-química, assim como estudos para sua maior liberação e absorção pelo organismo e inclusive estudos genéticos objetivando desenvolver planta de tabaco hipernicotinado. "Logo, a conclusão inafastável a que se chega é a de que as indústrias do cigarro omitiram dolosamente as informações de que dispunham, com o fito de garantir o sucesso das vendas do produto. Lamentavelmente, elas foram além. Não satisfeitas em esconder da sociedade os malefícios da nicotina, passaram a criar, por meio da publicidade, uma atmosfera socialmente positiva para o consumo da droga. Com propagandas insidiosas e sedutoras, associaram o consumo do cigarro a prestígio perante o grupo social, liberdade, modernidade e sofisticação", afirmou o relator."É por tal razão que não se pode admitir o argumento de que os fumantes agem com livre arbítrio. Se pudessem imaginar que o cigarro contém mais de 40 substâncias tóxicas e que causa doenças como câncer de pulmão, enfisema e impotência sexual, certamente não se habilitariam ao primeiro trago", concluiu o desembargador.Outro ladoA fabricante de cigarros Souza Cruz informou por meio de sua assessoria de imprensa que, por se tratar de decisão por maioria de votos, a empresa irá recorrer ao próprio TJ-MG. Além disso, a Souza Cruz afirma que já foram proferidas 296 decisões rejeitando pretensões semelhantes e 12 em sentido contrário, as quais estão pendentes de recurso. "Todas as 195 decisões definitivas já proferidas pelo Judiciário brasileiro afastaram as pretensões indenizatórias dos fumantes, ex-fumantes ou seus familiares", diz a nota.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

STJ. PRESCRIÇÃO. TEORIA DA ACTIO NATA.

STJ Prazo prescricional para propor ação de indenização é contado a partir do conhecimento do fato
Prazo prescricional para entrar com uma ação de indenização deve ser contado a partir da data da ciência da lesão. Com esse entendimento, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a prescrição, dando provimento a recurso especial em que proprietária de imóvel rural adquirido do Estado do Mato Grosso reclama direitos devido ao fato de a terra ser habitada por índios xavantes antes da alienação do imóvel efetivada pelo estado. O recurso especial foi interposto por L.A.M. e outros contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). A defesa alegou ofensa ao artigo 1º do decreto 20.910/32 e divergência entre o acórdão recorrido e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo tal artigo, prescrevem em cinco anos, contados do ato ou do fato do qual se originaram, as dívidas passivas da União, estados e dos municípios.
A defesa afirmou que não poderia ser reconhecida a prescrição na espécie, porquanto o prazo prescricional não deveria ser contado a partir da transferência da titulação do imóvel aos recorrentes, pois, naquele momento, os autores e seus antepassados não tinham conhecimento de que a área pertencia aos índios.
Alega que a prescrição também não poderia ser contada a partir do momento em que se deu entrada na ação de desapropriação indireta na Justiça Federal, pois, naquela oportunidade, os autores não teriam conhecimento de que os índios habitavam o imóvel antes de sua alienação pelo estado. Diante dessa argumentação, defendeu que o prazo prescricional fosse contado não a partir da emissão do título ou do ajuizamento da ação contra a União, mas sim a partir da sentença prolatada pela Justiça Federal em maio de 1998, que julgou improcedente a ação com base no laudo antropológico, entendendo que os índios já estavam na área desde o século XIX, portanto bem antes da alienação efetivada pelo estado de Mato Grosso.
Ao analisar o recurso, o ministro relator João Otávio Noronha ressaltou a jurisprudência do STJ no sentido de considerar a data da ciência da lesão como o termo inicial do lapso prescricional para propositura da ação de indenização por perdas decorrentes de ato lesivo.
O ministro entendeu que, quando foi prolatada a sentença judicial que julgou improcedente a ação de desapropriação indireta, os autores tiveram ciência inequívoca da lesão ao seu direito de propriedade. Na sentença se reconheceram as terras litigadas como pertencentes aos índios xavantes, tomando, assim, os proprietários conhecimento de que o negócio de compra e venda efetuado era nulo de pleno direito. Dessa forma, caberia aos lesados a ação indenizatória contra quem vendera coisa alheia como própria, no caso, o Estado do Mato Grosso. Desta forma, o ministro ressaltou que, tendo sido a sentença proferida em 11/5/1998, surgiu, a partir daí, o direito dos recorrentes de pedir indenização ao Poder Público pelos prejuízos sofridos.
Assim, iniciando-se a fluência do prazo prescricional de cinco anos na data de 11/5/1998, tem-se que o termo final de tal prazo é maio de 2003. Como a presente ação indenizatória foi proposta em junho de 2000, concluiu que, na espécie, não se encontrava prescrito o direito dos autores deste recurso à indenização por perdas e danos.
O ministro conclui que o acórdão recorrido merece ser reformado para afastar a prescrição, determinando o retorno dos autos às instâncias ordinárias para o prosseguimento do recurso. REsp 661520

JULGADO SOBRE CONTRATO ESTIMATÓRIO.

Contrato de consignação - descumprimento de obrigaçõesContrato de consignação - Devolução de mercadorias - Descumprimento - Rescisão contratual. Em contrato de consignação para revenda, esta não noticiada, não devolvida a mercadoria, ou pago o preço correspondente, não se pode interpretar cláusula que prevê a consolidação da venda das mercadorias contra a consignante, máxime diante da difícil situação financeira enfrentada pela consignada, sob pena de premiar-se o inadimplemento, contra o Princípio da Boa-Fé Objetiva e o indispensável substrato ético, os quais devem nortear todas as relações contratuais, quer na origem como em sua execução. Descumprimento do pacto autorizador de sua rescisão e condenação ao quantum correspondente ao valor das mercadorias como postulado na inicial. Situação em que a sentença de procedência deve ser integralmente mantida. Afastadas as preliminares. Negaram provimento ao Apelo. (TJRS - 10ª Câm. Cível; ACi nº 70018171009-Porto Alegre-RS; Rel. Des. Luiz Ary Vessini de Lima; j. 9/8/2007; v.u).

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

TJ/BA. INTERESSANTE SENTENÇA LIMITANDO OS JUROS.

Processo Número: 0106/07
Autor: Gilmar Araújo das Mercês
Réu: Banco Finasa S.A.


Revisão Contratual. Possibilidade. Contrato de financiamento de veículo com cláusula de alienação fiduciária. Vulnerabilidade científica e fática do consumidor em face do contato de adesão. Onerosidade excessiva. Função social e boa-fé objetiva. Redução dos juros compensatórios a 12% ao ano. Re-equilíbrio contratual.



Dispensado o Relatório. (art. 38, Lei nº 9.099/95).

Em síntese, pretende o autor a revisão de cláusulas constantes em Contrato de Financiamento, de cunho nitidamente adesivo, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), celebrado com o banco Finasa S.A, tendo como objeto a aquisição de um veículo. Segundo o autor, o contrato estabelece a capitalização mensal de juros, correção monetária cumulada com comissão de permanência e juros moratórios e remuneratórios acima do limite legal, onerando excessiva e unilateralmente o contato. Ao final, requereu a revisão do valor da parcela de R$ 564,88 (quinhentos e sessenta e quatro reais e oitenta e oito centavos) para R$ 395,01 (trezentos e noventa e cinco reais e um centavo).

Contestando o pedido, o réu argumentou, preliminarmente, a incompetência do juízo devido o valor da causa e a revogação da medida liminar. No mérito, alegou que não se trata de contrato de adesão, que o devedor encontra-se em mora, defendeu a legalidade da taxa de juros pactuada, a inexistência de onerosidade excessiva, da legalidade da cobrança da comissão de permanência e inexistência de correção. Além disso, impugnou os cálculos apresentados, contestou a alegação de cobrança indevida e repetição do indébito. Ao final, requereu a improcedência da Ação.

De início, indefiro a preliminar de incompetência do juízo em razão do valor da causa, visto que se trata de pedido de revisão de cláusula contratual e o valor indicado na inicial é inferior ao limite de 40 (quarenta) salários mínimos.

I – Do contrato clássico ao contemporâneo

Em excelente texto sobre a reconstrução do conceito de contrato, Roxana Cardoso Brasileiro Borges, professora adjunta de Direito Civil da UFBA e UNEB, professora da UCSal, Doutora em Direito das Relação Sócias pela PUC/SP e Mestre em Instituições Jurídico-Políticas pela UFSC, fez síntese comparativa e extremamente objetiva sobre o conceito clássico de contrato e o conceito contemporâneo.[1]

No antigo conceito de contrato, enquanto acordo de vontade entre interesses opostos, em antagonismo, imperavam os princípios da intangibilidade e do “pacta sunt servanda” e o papel do Estado era simplesmente garantir seu cumprimento, pois que necessariamente justo. Contemporaneamente, no entanto, no novo conceito, prevalece a noção de contrato como vínculo de cooperação e a percepção da necessidade de atuação cooperativa entre os pólos da relação contratual.

Pois bem, desse novo conceito algumas conseqüências jurídicas decorrem de imediato: a proteção da confiança no ambiente contratual, a exigência da boa-fé e a observância da função social do contrato.

Nesse novo conceito, o papel do estado será sempre no sentido de superar, também, a noção de igualdade formal pela igualdade substancial, permitindo aos juízes interferir no contrato e relativizar o “pacta sunt servanda,” aplicando os princípios consagrados na Constituição Federal e no Código Civil.

Completamente fora de moda, consequentemente, o discurso de que a intervenção judicial nos contratos é fator de insegurança jurídica e de um suposto “custo Brasil”, como alardeiam os porta-vozes do empresariado nacional e estrangeiro, pois sobre a suposta segurança jurídica deve prevalecer, sobretudo, a justiça contratual.

A revisão contratual, portanto, não tem o objetivo de ultrapassar a vontade das partes e gerar insegurança ao vínculo contratual, mas re-equilibrar o contrato com a finalidade de preservá-lo, com a possibilidade de satisfação dos interesses legítimos em jogo, buscando, por assim dizer, o cumprimento re-equilibrado.

II – Vulnerabilidade do Consumidor

O artigo 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor, que trata da Política Nacional de Relações de Consumo, reconhece, expressamente, a condição de vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Segundo a doutrina[2], esta vulnerabilidade pode ser classificada da seguinte forma:

a) Técnica – quando o consumidor não possui conhecimentos específicos sobre o objeto que está adquirindo ou sobre o serviço que lhe está sendo prestado;
b) Científica – a falta de conhecimentos jurídicos específicos, contabilidade ou economia;
c) Fática ou sócio-econômica – quando o prestador do bem ou serviço impõe sua superioridade a todos que com ele contrata, fazendo valer sua posição de monopólio fático ou jurídico, por seu grande poder econômico ou em razão da essencialidade do serviço.

Além disso, sabe-se que atualmente a maioria dos contratos de consumo é de “adesão”, onde o banco ou financeira já possui um contrato padrão previamente elaborado, cabendo ao consumidor apenas aceitá-lo em bloco sem discussão, seja em face da sua vulnerabilidade técnica, seja em face da falta de alternativa.

Por fim, o princípio da vulnerabilidade do consumidor não pode ser visto como mera intenção, ou norma programática sem eficácia. Ao contrário, “revela-se como princípio justificador da própria existência de uma lei protetiva destinada a efetivar, também no plano infraconstitucional, os princípios e valores constitucionais, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da isonomia substancial (art. 5º, caput) e da defesa do consumidor (art. 5º, XXXII).”[3]

III - Onerosidade Excessiva

O Código de Defesa do Consumidor, ao definir os direitos básicos do consumidor, artigo 6º, V, permite a modificação de cláusula contratual que estabelece prestação desproporcional ou sua revisão em razão de fato superveniente que a torne excessivamente onerosa.

A interpretação da norma não remete para o antigo conceito da teoria da imprevisão no sentido da exigência da previsibilidade inequívoca do acontecimento, ou seja, basta agora a ocorrência, mesmo na origem, da lesão ou onerosidade excessiva.

“O Código de Defesa do Consumidor assumiu uma postura mais objetiva no que diz respeito à revisão contratual por circunstâncias supervenientes. Basta uma breve análise do artigo que postula tal possibilidade, para perceber que este não menciona qualquer requisito além da excessiva onerosidade presente: não se fala em previsibilidade ou imprevisibilidade, não há questionamentos acerca das intenções subjetivas das partes no momento da contratação.”[4]

Vê-se, portanto, que a onerosidade excessiva pode ser originária, ou seja, desde a formação do contrato, pois a condição de vulnerabilidade do consumidor não lhe permite a compreensão da vantagem manifestamente excessiva em favor do fornecedor do crédito.

Este princípio tem por fundamento, principalmente, a igualdade substancial nas relações contratuais e, por conseqüência, o equilíbrio entre as posições econômicas dos contratantes. Ao contrário do equilíbrio meramente formal, busca-se agora que as prestações em favor de um contratante não lhe acarretem um lucro exagerado em detrimento do empobrecimento do outro contratante.

Assim, “em face da disparidade do poder negocial entre os contratantes, a disciplina contratual procura criar mecanismos de proteção da parte mais fraca, como é o caso do balanceamento das prestações.”[5]

IV - Função Social do Contrato

A nova compreensão do Direito Privado sobrepõe a perspectiva funcional dos institutos jurídicos à análise meramente conceitual e estrutural. Não se indaga mais, simplesmente, à cerca dos elementos estruturais com compõem o conceito do contrato, por exemplo, mas se a sua finalidade está sendo cumprida, pois “na perspectiva funcional, os institutos jurídicos são sempre analisados como instrumentos para a consecução de finalidades consideradas úteis e justas.”[6]

As transformações sofridas pelo Direito Privado em face da aplicação dos princípios constitucionais, de caráter normativo[7], bem como dos princípios estabelecidos no Novo Código Civil, principalmente a “função social do contrato” prevista no artigo 421, do CC, permitem ao Judiciário a intervenção no contrato para restabelecimento do seu equilíbrio.

O antigo princípio do “pacta sunt servanda”, portanto, precisa sofrer as adaptações da principiologia axiológica da CF de 1988 e do CC de 2002, ou seja, os contratos devem visar uma função social e a satisfação dos interesses das partes contratantes, em cooperação.

Assim, quando o contrato satisfaz apenas um lado, prejudicando o outro, o pacto não cumpre sua função social, devendo o Judiciário promover o re-equilíbrio contratual através da revisão das cláusulas prejudiciais a uma das partes.

Na teoria contemporânea do Direito das Obrigações, impõe-se uma mudança radical na leitura da disciplina das obrigações, que não pode mais ser considerada apenas como garantia do credor: “a obrigação não se identifica no direito ou nos direitos do credor; ela configura-se cada vez mais como uma relação de cooperação.... A cooperação, e um determinado modo de ser, substitui a subordinação e o credor se torna titular de obrigações genéricas ou específicas de cooperação ao adimplemento do devedor.” [8]

Mais que isso, o contato não pode mais ser concebido como uma relação jurídica isolada da comunidade social e que só interessa às partes contratantes, como se impermeável às condições sociais que o cerca e que lhe afetam.

III – A Boa-fé objetiva

A boa-fé, entendida como elemento meramente subjetivo, situação ou fato psicológico, deu lugar ao princípio da boa-fé objetiva.
Agora, “o princípio da boa-fé impõe um padrão de conduta a ambos os contratantes, no sentido da recíproca cooperação, com consideração dos interesses um do outro, em vista de se alcançar o efeito prático que justifica a existência jurídica do contrato celebrado.”[9]

Neste sentido, o artigo 51, IV, do CDC, considera nulas as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que sejam incompatíveis com a boa-fé.

Ainda em termos de legislação, o artigo 422, do Código Civil Brasileiro, estabelece que os contraentes são obrigados a guardar os princípios da probidade e da boa-fé.

Em consequência, distanciando-se da subjetividade do antigo conceito, a boa-fé objetiva exige um dever de conduta, de ética, lealdade e de colaboração na execução do contrato.

Não se pode dizer, portanto, que está presente a boa-fé objetiva em um contrato que permite vantagens e lucros exorbitantes a um dos contratantes, resultantes de estipulação de taxas de juros em muito superiores ao razoável de uma economia estabilizada e com baixos índices de inflação.

Por fim, o Juiz não pode se esquivar do seu papel de criação do Direito, pois “a boa fé opera uma delegação ao juiz para, à luz das circunstâncias concretas que qualificam a relação intersubjetiva sub judice, verificar a correspondência do regulamento contratual, expressão da autonomia privada, aos princípios aos quais esta última deve ser funcionalizada. Tal delegação, prevista legislativamente, faz com que determinadas concepções acerca do papel do juiz ainda hoje sustentadas se tornem anacronismos com um sentido claramente retrógrado.”[10]


IV – Os Juros

A Emenda Constitucional nº 40, de fato, revogou o § 3º, artigo 192, da Constituição Federal, que limitava a taxa de juros a 12% ao ano. Aliás, antes mesmo da revogação através de Emenda Constitucional, o STF já havia decidido pela necessidade de regulamentação do artigo. Dessa forma, pode se dizer que o dito § 3º “foi sem nunca ter sido.”

Pois bem, o Código de 1916 estabelecia que a taxa de juros moratórios seria de 6% ao ano quando não convencionada de outra forma pelos contratantes. (cf art. 1.062, do CC de 1916).

Já o novo Código Civil, em seu artigo 406, estabelece que se tais juros serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

A discussão pretoriana e doutrinária atual diverge em relação à aplicação da SELIC ou do Código Tributário Nacional, artigo 161, § 1º:
.
“Se a Lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês.”

O Min. DOMINGOS FRANCIULLI NETTO, do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 215.881-PR, assim se posicionou:

“A Taxa Selic para ser aplicada tanto para fins tributários como para fins de direito privado, deveria ter sido criada por lei, entendendo-se como tal os critérios para a sua exteriorização. Atenta contra o comezinho princípio da segurança jurídica a realização de um negócio jurídico em que o devedor não fica sabendo na data da avença quanto vai pagar a título de juros, pois, não terá bola de cristal para saber o que se passará no mercado de capitais, em períodos subseqüentes ao da realização do negócio, se repisado o aspecto de que os juros são entidades aditivas ao principal e não mera cláusula de readaptação do valor da moeda”.

Arrematou seu voto o ilustre Ministro defendendo a aplicação do CTN:

“a mora referida na segunda parte do art. 406 do CC/2002 somente pode ser composta com os juros previstos no art. 161, §1º, do Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172, de 25/10/66), isto é, 1% ao mês ou 12% ao ano”.

Na mesma linha, o Enunciado nº 20, aprovado na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, sob a coordenação científica do então Ministro Ruy Rosado, do STJ, nos seguintes termos:
20 - Art. 406: a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês.
Por fim, os juros legais e moratórios sobre obrigações inadimplidas depois da vigência do Código Civil de 2002, segundo entendimento deste juízo, é a de 1% ao mês, excluída a aplicação da taxa SELIC, mesmo que momentaneamente estipulada abaixo desse patamar.
Com relação aos juros convencionais, o limite tem sido regulado pelo dos juros legais, uma vez que o Dec. n. 22.626, de 7 de abril de 1933, ainda em vigor, estabelece:
"Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. n. 1.062)."
De outro lado, permitir taxas de juros no patamar do dobro da taxa legal, considerando a estabilidade da economia brasileira e as baixas taxas de inflação, estaríamos permitindo que o capital se transfira da esfera produtiva para a especulativa, tornando mais interessante auferir juros do capital do que investir e produzir, contrariando a função social do instituto de mútuo bancário, bem como indo de encontro aos objetivos constitucionais de "garantir o desenvolvimento nacional" (art. 3°, II, CF) e "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3°, III, CF).
Esta prática tem permitido, por fim, que os bancos apresentem lucros cada vez maiores, disputando recordes de lucratividade e subvertendo a lógica de uma economia que urge desenvolver-se e permitir que a República alcance seu objetivo: “construir uma sociedade livre, justa e solidária,” conforme previsto no artigo 3º, I, da Constituição Federal.
Depreende-se, portanto, que os juros convencionais não podem superar, no caso de uma economia estabilizada e baixos índices de inflação, sob pena de onerosidade excessiva e desequilíbrio contratual, também o patamar de 12% ao ano, sob pena de abusividade por parte do agente financeiro.
V – A Jurisprudência
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, apreciando os pontos em discussão na presente lide, inclusive com relação à capitalização de juros e comissão de permanência, decidiu recentemente:
APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO GARANTIDO COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Sendo o crédito fornecido ao consumidor pessoa física para a sua utilização na aquisição de bens no mercado como destinatário final, o dinheiro funciona como produto, implicando o reconhecimento da instituição bancária/financeira como fornecedora para fins de aplicação do CDC, nos termos do art. 3º, parágrafo 2º, da Lei nº 8.078/90. Entendimento referendado pela Súmula 297 do STJ, de 12 de maio de 2004. DIREITO DO CONSUMIDOR À REVISÃO CONTRATUAL. O art. 6º, inciso V, da Lei nº 8.078/90 consagrou de forma pioneira o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do “Pacta Sunt Servanda” e permitindo ao consumidor a revisão do contrato em duas hipóteses: por abuso contemporâneo à contratação ou por onerosidade excessiva derivada de fato superveniente (Teoria da Imprevisão). Hipótese dos autos em que o desequilíbrio contratual já existia à época da contratação uma vez que o fornecedor inseriu unilateralmente nas cláusulas gerais do contrato de adesão obrigações claramente excessivas, a serem suportadas exclusivamente pelo consumidor. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. Ausente qualquer justificativa por parte do fornecedor para a imposição ao consumidor de taxa de juros excessiva como obrigação acessória em contrato de consumo, o restabelecimento do equilíbrio das obrigações exige a redução da taxa de juros remuneratórios fixada em contrato de adesão. Juros reduzidos para 12% (doze por cento) ao ano, com fundamento exclusivamente no disposto no art. 52, inciso II c/c os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, todos da Lei nº 8.078/90. Desnecessário examinar argumentos constitucionais sobre o tema. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. No caso concreto trata-se de contrato de financiamento firmado já na vigência do Novo Código Civil. Assim, havendo autorização expressa em lei, a incidência da capitalização dos juros remuneratórios contratados não vai afastada, sendo, entretanto, permitida apenas em periodicidade anual. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. Obrigação acessória que vai afastada, na esteira de jurisprudência consolidada. A correção monetária é suficiente, e mais confiável, para servir como fator de recomposição da perda do valor real da moeda, corroída pela inflação. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. Fixado o IGP-M/FGV como índice de correção monetária, eis que a jurisprudência indica ser o que melhor reflete a real perda inflacionária. JUROS MORATÓRIOS. Mantidos em 1% (um por cento) ao mês. MULTA MORATÓRIA. Mantida em 2% (dois por cento), porém, sobre o valor da parcela em atraso, nos termos do art. 52, parágrafo 1º, da Lei nº 8.078/90. COBRANÇA DE TARIFA E/OU TAXA NA CONCESSÃO DO FINANCIAMENTO. ABUSIVIDADE. Encargo contratual abusivo, porque evidencia vantagem exagerada da instituição financeira, visando acobertar as despesas de financiamento inerentes à operação de outorga de crédito. Inteligência do art. 51, IV do CDC. IOF. ABUSIVIDADE QUANTO À FORMA DE COBRANÇA. A cobrança do tributo diluído nas prestações do financiamento se afigura como condição iníqua e desvantajosa ao consumidor (CDC, art. 51, IV). DIREITO À COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS E À REPETIÇÃO DE INDÉBITO. Sendo apurado a existência de saldo devedor, devem ser compensados os pagamentos a maior feitos no curso da contratualidade. Caso, porém, se verifique que o débito já está quitado, devem ser devolvidos os valores eventualmente pagos a maior, na forma simples, corrigidos pelo IGP-M desde o desembolso e com juros legais desde a citação. APELO DO BANCO PROVIDO EM PARTE E RECURSO ADESIVO DO AUTOR PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70020790275, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angela Terezinha de Oliveira Brito, Julgado em 29/08/2007)
Entre nós, a 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais decidiu pela Competência dos Juizados Especiais e pela aplicação da taxa de juros em 12% ao ano.
Contrato de financiamento de veículo. Competência dos juizados especiais nas ações que discutem ilegalidade de juros. Contrato de adesão. Consumidor envolvido em juros e acréscimos exorbitantes. Princípio da boa fé objetiva. Impossibilidade de cobrança. Manifestação de cláusula contratual exagerada. Ofensa aos art. 51, IV, do CDC. Aplicação do art. 406 do CC c/c art. 161, § 1º do CTN. Juros limitados a taxa de 12% ao ano. Capitalização de juros Vedada pelo ordenamento jurídico (Súmula 121 do STF). Recurso reconhecido e parcialmente provido. Sentença modificada.
(4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais. Processo nº: JPCDT-TAT-00339/2004. Recorrente: José Anselmo da Cunha. Recorrido: Banco ABN Amro Real S/A. Relatora: Juíza Dinalva Gomes Laranjeira Pimentel)

Mais recentemente ainda, a mesma 4ª Turma ratificou o ampliou o entendimento:

54858-8/2005-1 CV(10-5-5) Recorrente: Dilson Rocha dos Santos Advogados(as): Fabiano Samartin Fernandes OAB/BA 21439 Recorrido: Banco Bradesco S/A (Setor Jurídico) Advogados(as): Jamile Sandes Pessoa da Silva OAB/BA 17567 Juiz(a) Relator(a): Dinalva Gomes Laranjeira Pimentel
Ementa: RECURSO INOMINADO. CONTRATO DE CRÉDITO. PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE JUROS ILIMITADOS e ALTERADOS UNILATERALMENTE. MANIFESTAÇÃO DE CLAUSULA CONTRATUAL EXAGERADA. OFENSA AO ART. 51, IV DO CDC. JUROS LIMITADOS A TAXA DE 12% AO ANO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS VEDADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. CABÍVEL REPETIÇÃO DO INDÉBITO DOS VALORES PAGOS A MAIOR. RECURSO CONHECIDO e PROVIDO.
Decisão: Decidiu, à unanimidade de votos, DAR PROVIMENTO AO RECURSO, reformando a sentença a quo para proceder à revisão dos contratos celebrados entre as partes, em face da abusividade da cláusula contratual, determinando que a Recorrida aplique sobre a dívida do Recorrente taxa de juros no percentual de 12% (doze por cento) ao ano e de multa de mora no limite de 2% (dois por cento), dando-lhe, se for o caso, quitação do débito com devolução em dobro de eventual excesso cobrado corrigido a partir da citação válida. Custas processuais e honorários sucumbenciais pelo recorrido, estes arbitrados em 15%, sobre o valor total da condenação, a teor do que dispõe o art. 55, da Lei 9099/95.
Acompanhando a decisão, a 5ª Turma Recursal referendou:
JDCSE-TAM-00411/04-1 CV(2-4-3) Recorrente: Banco Bradesco S.A Advogados(as): Marcus Leonis Lavigne OAB/BA 10943 Recorrido: Helene de Araujo Santos Advogados(as): Israel Cordeiro Neto OAB/BA 6924 Juiz(a) Relator(a): João Lopes da Cruz
Ementa: REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE ESTIPULAM OS ÍNDICES DE JUROS, MULTAS e ENCARGOS ACIMA DO PATAMAR LEGAL. OBRIGATORIEDADE DO BANCO ACIONADO EM APRESENTAR PLANILHA DETALHADA, REFAZENDO OS CÁLCULOS PARA INCIDIR JUROS DE 1% AO MÊS, MULTA DE 2%, CORREÇÃO MONETÁRIA PELO INPC e SEM A INCIDÊNCIA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. VALORES PORVENTURA REMANESCENTES DEVERÃO SER RESTITUIDOS À PARTE AUTORA, DE FORMA SIMPLES. ART. 515, § 3º, DO CPC. JULGAMENTO DA LIDE, MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. PRELIMINARES REJEITADAS. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS AO JULGAMENTO DA MATÉRIA. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. SENTENÇA REFORMADA PARA CONDENAR A ACIONADA A APRESENTAR PLANILHA DETALHADA, REFAZENDO OS CÁLCULOS PARA INCIDIR JUROS DE 1% AO MÊS, MULTA DE 2%, CORREÇÃO MONETÁRIA PELO INPC e SEM A INCIDÊNCIA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. OS VALORES REMANESCENTES DEVERÃO SER RESTITUIDOS À PARTE AUTORA, DE FORMA SIMPLES.
Decisão: Decidiu, à unanimidade de votos, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, reformando a sentença para condenar a acionada a apresentar planilha detalhada, refazendo os cálculos para incidir juros de 1% ao mês, multa de 2%, correção monetária pelo inpc e sem a incidência de comissão de permanência, mantendo a devoluçao de valores remanescentes à parte autora, de forma simples. Custas processuais pela acionada. Sem honorários advocatícios.
VI - O Caso e o Julgamento
Tem-se nos autos que o autor, de fato, celebrou contrato de financiamento com cláusula de alienação fiduciária com taxa mensal de 2,46% ao mês e 33,80 ao ano. (fls. 33).
Há visível vantagem para o agente financeiro desde a celebração do contrato, visto que financiou R$ 15.000,00 (quinze mil reais) ao autor e receberia, ao final de 48 meses, quase o dobro do capital financiado, ou seja, R$ 26.927,04 (vinte e seis mil, novecentos e vinte e sete reais, quatro centavos).
Somente a vulnerabilidade do consumidor/autor, tanto científica quanto fática em face do contato de adesão, não lhe permitiu a compreensão da vantagem manifestamente excessiva em favor do fornecedor do crédito.
Reconheço, portanto, que o contrato celebrado entre as partes não atende mais as exigências do contrato contemporâneo e que fere os princípios constitucionais e contratuais acima discutidos, devendo ser revisto e atualizado.
Do exposto, por tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a Ação para determinar a revisão do contrato celebrado entre as partes para estabelecer a taxa de juros convencionais, bem como moratórios, em 1% ao mês, excluindo-se também os valores referentes à capitalização mensal e comissão de permanência e, por fim, adotar-se como valores das prestações mensais aqueles indicados na planilha de fls. 35,

Intime-se o acionado para promover a alteração do contrato em seus sistemas, bem como confeccionar carnê de pagamentos nos termos da presente decisão.

Sem custas e sem honorários.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.


Conceição do Coité, 11 de setembro de 2007


Bel. Gerivaldo Alves Neiva
Juiz de Direito
[1] Borges, Roxana Cardoso Brasileiro. Contrato: do clássico ao contemporâneo: a reconstrução do conceito. Salvador: texto impresso, 2007.

[2] Barletta, Fabiana Rodrigues. A Revisão Contratual por excessiva onerosidade... in Princípios de Direito Civil-Constitucional. Coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pg. 289.

[3] Calixto, Marcelo Junqueira. O Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor. in Princípios do Direito Civil Contemporâneo. Coord. Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 355.
[4] Barletta, Fabiana Rodrigues. Op. cit., p. 299.
[5] Negreiros, Teresa. Teoria do Contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.159.
[6] Rentería, Pablo. Considerações à cerca do atual debate sobre o princípio da função social do contato. In Princípios do Direito Civil Contemporâneo. Coord. Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.294.
[7] “A Constituição é toda ela norma jurídica, seja qual for a classificação que se pretenda adotar, hierarquicamente superior a todas as demais leis da República, e, portanto, deve condicionar, permear, vincular diretamente todas as relações jurídicas, públicas e privadas.” Tepedino, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 205.
[8] Perlingieri, Pietro. Perfis do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 212.
[9] Negreiros, Teresa. Op. cit., pg.123.
[10] Negreiros, Teresa. Op. cit., p. 265

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

MANIFESTAÇÃO RETIRADA DO CORREIOWEB. PROVA DA MAGISTRATURA ESTADUAL DE SÃO PAULO.

Sua Majestade, a Banca Examinadora!]
Indignação! Esse é o sentimento experimentado por aqueles que prezam o bom direito ao se depararem com a prova havida no atual concurso de ingresso na magistratura de São Paulo.
A aplicação de malfadada prova ocorreu no dia 21 de outubro passado. Desde então a perplexidade tomou conta dos candidatos que, assustados, elegeram-na como a mais cruel das provas da magistratura bandeirante.
Tamanha crueldade, infelizmente, não está atrelada somente ao grau de dificuldade técnica-jurídica da prova, mas, sim, a total falta de tecnicidade na elaboração da mesma.
Não é crível que examinadores de um concurso público, pessoas consolidadas em suas carreiras, não reúnam condições de elaborar uma prova objetiva, sem cometer erros crassos. Aliás, de objetiva, tal prova pouco teve. C
om exceção das matérias questionadas pelo digno representante da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo, o que imperou no certame foi o subjetivismo das questões. O que vemos atualmente é total falta de padrão na elaboração das questões de uma prova que, a princípio, pelas ‘regras do jogo’, seria objetiva, de pronta resposta.
Cada examinador age de um jeito. Uns buscam a jurisprudência em detrimento de disposição literal de lei. Outros, o contrário. E o pior: alguns nem uma nem outra coisa, o que impera é seu pensamento próprio, o puro subjetivismo!
E como ficam os candidatos? O concurso vira um próprio jogo de prognósticos, onde a sorte se impõe como fator preponderante para ganhar ou perder. E a regra do jogo, como fica? Ou melhor, há efetivamente uma regra? Qual seria? No mínimo o comportamento assumido pela Banca examinadora denota total falta de respeito para com os candidatos que, na maioria das vezes, desprendem esforços quase desumanos para estar em condições de realizar uma prova. Só quem passa ou convive com esse mundo dos concursos tem real noção do que estou falando.
Mas o descaso não é só em relação aos candidatos. A ciência do direito também é vítima. Nessas ocasiões pergunto-me: Do que vale tanto esforço? Do que vale passar dia após dia, ano após ano, estudando oito, nove ou doze horas diárias? Do que vale deixar família e amigos para mergulhar nos livros, anotações, jurisprudências, enunciados, boletins informativos? Do que vale estudar Hely Lopes Meirelles; Maria Sylvia Zanella Di Pietro; Celso Antônio Bandeira de Mello; Maria Helena Diniz; Caio Mario da Silva Pereira; Flávio Tartuce; Pablo Stolze Gagliano; Carlos Roberto Gonçalves; Fredie Didier Jr.; Humberto Theodoro Jr., Barbosa Moreira; Nelson Nery Jr.; Delmanto; Fragoso; Damásio; Mirabete; Capez; Guilherme Nucci; Ives Gandra; José Afonso da Silva; Alexandre de Moraes e tantos outros cultores do nosso direito?
Do que vale se ‘internar’ nos excelentes ‘Damásio’; ‘FMB’; ‘LFG’; e, ‘Marcato’? Do que vale tudo isso se os senhores examinadores não se preocupam com nada disso??? Ao contrário, são eles os senhores do reino. São os donos da verdade. São as majestades da banca! Não é demais lembrar que sobre o candidato, na maioria das vezes, pesa a pecha de incompetente.
Muitas vezes nos deparamos com afirmações no sentido de que o judiciário não consegue preencher o vazio existente na carreira de juiz, por absoluta falta de qualidade dos candidatos. Isso pode até ser verdade, mas não absoluta. Temos muitos candidatos possuidores de um enorme conhecimento técnico e que por vezes não logram aprovação. Não estaria o método de recrutamento equivocado?
A falta de regulamentação clara e precisa das regras de um concurso; a falta de padronização das provas de ingresso; a falta de escorreita formulação de uma prova; a inobservância de princípios basilares e outras peculiaridades não estariam por contribuir para escassez de ‘mão de obra’ no judiciário?
Tome-se, por exemplo, o concurso em referência. Os examinadores formularam questões que afrontaram a melhor doutrina pátria; a jurisprudência e a própria letra de lei. Isso tudo em uma prova que, pela ‘regra do jogo’, deveria ser objetiva, de pronta identificação das respostas.
Várias questões, discutidas pelos mais renomados professores de cursos preparatórios da Capital, mostraram-se recheadas de imperfeições, inclusive contendo mais de uma alternativa correta. Não por conservadorismo, mas sim por uma questão de moralidade, chegou-se a cogitar entre os candidatos que o melhor seria a anulação de toda a prova, pois cerca de dezessete questões mostravam-se viciadas. Verificada essas aberrações outro problema surge. Como impugnar ditas questões se, no concurso da magistratura de São Paulo, pelas ‘regras do jogo’, não há previsão de recursos? Isso mesmo.
Aqui em São Paulo, ao contrário da maioria dos outros Estados da Federação, não há previsão de como se recorrer desses absurdos! Valendo-se do direito de petição, consagrado constitucionalmente, vários candidatos, embasados em doutrina de escol, jurisprudência dos Colendos Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, além da demonstração inequívoca do que dita a Lei vigente no país, mostraram sua indignação aos senhores membros da Banca examinadora. E o remendo parece ter sido pior! As questões anuladas e ou com alternativas alteradas, com uma ou duas exceções, foram as de ‘menor gravidade’.
Aquelas que realmente afrontaram dispositivos de Lei ou que estão permeadas pelo subjetivismo sobreviveram às impugnações. E o que fazer? Calar-se? Aceitar passivamente a decisão de sua majestade, a Banca? Enquanto reinar entre nós essa mentalidade subserviente, tudo permanecerá como está. Os reclamos são muitos. Para verificá-los basta acessar os sites que privilegiam os concursos públicos, notadamente, o conhecido ‘CorreioWeb’ (http://concursos.correioweb.com.br) e se inteirar das centenas de mensagens contidas em seu fórum de discussão acerca do concurso em comento. Mas isso é o quanto basta para mostrar nossa indignação? Penso que não. Temos que ajudar a mudar essa ‘filosofia’ arcaica de recrutamento. A fórmula para a admissão de novos juízes deve ser eficiente desde o seu nascedouro. As regras devem existir e serem respeitadas. Os homens devem ter humildade suficiente para reconhecerem seus erros. O melhor tem que ser feito. A seriedade tem que imperar. Só assim a justiça existirá por inteiro. Conclamo a todos para uma reflexão e aos órgãos competentes para uma atitude. Enquanto isso, para não me ‘emburrecer’, ficarei na companhia agradável dos livros de Hely; Celso Antônio; Maria Helena; Humberto Theodoro; Barbosa Moreira; Mirabete .... Isso sim vale a pena!
Renato de Mello Almada Advogado – OAB/SP Nº 134.340