quarta-feira, 27 de novembro de 2013

ENUNCIADOS IBDFAM. APROVADOS NO IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA.

Enunciados do IBDFAM são aprovados

26/11/2013 

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

A votação aconteceu no encerramento do IX Congresso Brasileiro de Direito de Família, em Araxá, na última sexta-feira, Dia 22

Resultado de 16 anos de produção de conhecimento do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), os Enunciados serão uma diretriz para a criação da nova doutrina e jurisprudência em Direito de Família, já que existe deficiência no ordenamento jurídico brasileiro. A votação foi promovida pela diretoria da entidade junto a seus membros. De acordo com os diretores do Instituto, que tem entre seus integrantes os juristas Giselda Hironaka, Luis Edson Fachin, Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Zeno Veloso, dentre outros inúmeros especialistas, a aprovação dos Enunciados coroa mais uma etapa de um percurso histórico e de evolução do pensamento do IBDFAM. “Estamos maduros o suficiente para aprovar os Enunciados do Instituto".

Todo o conteúdo está previsto no Estatuto das Famílias, maior projeto de lei em tramitação para beneficiar a sociedade brasileira, mas são demandas que não podem esperar, segundo os especialistas. "Essas questões são tão importantes que não dá para esperar a aprovação do Estatuto das Famílias. Por isso estamos nos antecipando. São Enunciados principiológicos para esse novo Direito de Família. Esses são os temas palpitantes que ainda não encontram regras e que ainda são alvo de dúvidas", disseram. 

Segundo o presidente Rodrigo da Cunha Pereira, o Instituto tem um percurso histórico que autoriza a publicação dos Enunciados, cuja redação foi aprovada em Assembleia Geral do IBDFAM. "Reunimos as maiores cabeças pensantes do Direito de Família no Brasil, que juntas refletem sobre a doutrina e traduzem em novas propostas para a sociedade. Não um Direito duro, um Direito dogmático. É um Direito que traduz a vida como ela é”, disse.

Esses Enunciados contemplam os temas  inovadores, algumas vezes até polêmicos, já que as famílias mudaram, mas a lei não acompanhou estas mudanças. Além disso, abrem caminhos e perspectivas, amplia os direitos de algumas configurações familiares que não estavam protegidas pela legislação. "O Direito de Família não pode continuar repetindo a história das injustiças e condenando à invisibilidade arranjos de família que não estão previsto nas leis", afirmou. E finaliza: "os Enunciados são para aqueles aspectos da vida das famílias que não tem uma regra específica. Seja porque são questões novas, seja porque a tramitação legislativa é lenta, dando uma referência e um norte para um novo Direito de Família brasileiro".

Veja os nove Enunciados Programáticos do IBDFAM:  

                   

1.     A Emenda Constitucional 66/2010, ao extinguir o instituto da separação judicial, afastou a perquirição da culpa na DISSOLUÇÃO do casamento e na quantificação dos alimentos.

 2.     A separação de fato põe fim ao regime de bens e importa extinção dos deveres entre cônjuges e entre companheiros.

 3.     Em face do princípio da igualdade das entidades familiares, é inconstitucional tratamento discriminatório conferido ao cônjuge e ao companheiro.

 4.     A constituição de entidade familiar paralela pode gerar efeito jurídico.

 5.     Na adoção o princípio do superior interesse da criança e do adolescente deve prevalecer sobre a família extensa.

 6.      Do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental.

 7.     A posse de estado de filho pode constituir a paternidade e maternidade.

 8.      O abandono afetivo pode gerar direito à reparação pelo dano causado.

 9.      A multiparentalidade gera efeitos jurídicos.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

RESUMO. INFORMATIVO 530 DO STJ.



DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. Na fixação do valor da indenização, não se deve aplicar o critério referente à teoria da perda da chance, e sim o da efetiva extensão do dano causado (art. 944 do CC), na hipótese em que o Estado tenha sido condenado por impedir servidor público, em razão de interpretação equivocada, de continuar a exercer de forma cumulativa dois cargos públicos regularmente acumuláveis. Na hipótese de perda da chance, o objeto da reparação é a perda da possibilidade de obter um ganho como provável, sendo que há que fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização. Contudo, na situação em análise, o dano sofrido não advém da perda de uma chance, pois o servidor já exercia ambos os cargos no momento em que foi indevidamente impedido de fazê-lo, sendo este um evento certo, em relação ao qual não restam dúvidas. Não se trata, portanto, da perda de uma chance de exercício cumulativo de ambos os cargos, porque isso já ocorria, sendo que o ato ilícito imputado ao ente estatal gerou dano de caráter certo e determinado, que deve ser indenizado de acordo com sua efetiva extensão (art. 944 do CC). REsp 1.308.719-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/6/2013.

DIREITO CIVIL. COBERTURA DO SEGURO DPVAT. A vítima de dano pessoal causado por veículo automotor de via terrestre tem direito ao recebimento da indenização por invalidez permanente prevista no art. 3º da Lei 6.194/1974 – a ser coberta pelo seguro DPVAT – na hipótese em que efetivamente constatada a referida invalidez, mesmo que, na data do evento lesivo, a espécie de dano corporal sofrido – hoje expressamente mencionada na lista anexa à Lei 6.194/1974 (incluída pela MP 456/2009) – ainda não constasse da tabela que, na época, vinha sendo utilizada como parâmetro para o reconhecimento da invalidez permanente (elaborada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP). De fato, a expressão “invalidez permanente” prevista no art. 3º da Lei 6.194/1974 constitui conceito jurídico indeterminado. Em um primeiro momento, o conteúdo da expressão foi determinado a partir da listagem de situações que, sabidamente, seriam aptas a gerar invalidez permanente, total ou parcial. Entretanto, não é possível prever, por meio de uma listagem de situações, todas as hipóteses causadoras de invalidez permanente, de forma que, em última análise, incumbe ao intérprete a definição do conteúdo daquele conceito jurídico indeterminado. Assim, deve-se considerar que as situações previstas na lista anexa à Lei 6.194/1974 constituem rol meramente exemplificativo, em contínuo desenvolvimento tanto na ciência como no direito. O não enquadramento de uma determinada situação na lista previamente elaborada não implica, por si só, a não configuração da invalidez permanente, sendo necessário o exame das peculiaridades de cada caso concreto. Nesse contexto, a nova lista – bem como os critérios científicos que pautaram sua elaboração – pode e deve ser utilizada como instrumento de integração da tabela anterior, em razão do princípio da igualdade, sem que isso constitua aplicação retroativa. REsp 1.381.214-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 20/8/2013.

DIREITO CIVIL. DIREITO DE VOTO EM ASSEMBLEIA DE CONDOMÍNIO. Em assembleia condominial, o condômino proprietário de diversas unidades autônomas, ainda que inadimplente em relação a uma ou algumas destas, terá direito de participação e de voto relativamente às suas unidades que estejam em dia com as taxas do condomínio. É certo que o CC submete o exercício do direito de participar e votar em assembleia geral à quitação das dívidas que o condômino tiver com o condomínio. Todavia, deve-se considerar que a quitação exigida pelo art. 1.335, III, do CC para que o condômino tenha o direito de participar das deliberações das assembleias com direito a voto refere-se a cada unidade. Assim, considerando que as taxas condominiais são devidas em relação a cada unidade, autonomamente considerada, a penalidade advinda de seu não pagamento, consequentemente, também deve ser atrelada a cada unidade. Ressalte-se que, a partir de uma interpretação sistemática e teleológica dos dispositivos que tratam do condomínio edilício, é possível depreender que a figura da "unidade isolada" constitui elemento primário da formação do condomínio, estando relacionada a direitos e deveres, que devem ser entendidos como inerentes a cada unidade. De fato, em razão da natureza propter rem das cotas condominiais, a dívida delas decorrente estará atrelada a cada unidade, por se tratar de despesa assumida em função da própria coisa. Destaque-se que o CC trouxe como objeto central do condomínio edilício a "unidade autônoma" – e não a figura do condômino –, em virtude da qual o condomínio se instaura, numa relação de meio a fim, apontando assim para a adoção da concepção objetiva de condomínio. Ademais, as dívidas relativas ao imóvel são por ele garantidas, o que indica a estrita vinculação entre o dever de seu pagamento e a propriedade do bem. REsp 1.375.160-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/10/2013.

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. PAGAMENTO COM SUB-ROGAÇÃO. Aplica-se a regra contida no art. 14 do CDC, que estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do serviço, em ação regressiva ajuizada por seguradora objetivando o ressarcimento de valor pago a segurado que tivera seu veículo roubado enquanto estava sob a guarda de manobrista disponibilizado por restaurante. Isso porque, na ação regressiva, devem ser aplicadas as mesmas regras do CDC que seriam utilizadas em eventual ação judicial promovida pelo segurado (consumidor) contra o restaurante (fornecedor). Com efeito, após o pagamento do valor contratado, ocorre sub-rogação, transferindo-se à seguradora todos os direitos, ações, privilégios e garantias do segurado, em relação à dívida, contra o restaurante, de acordo com o disposto no art. 349 do CC. REsp 1.321.739-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 5/9/2013.

DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO. O restaurante que ofereça serviço de manobrista (valet parking) prestado em via pública não poderá ser civilmente responsabilizado na hipótese de roubo de veículo de cliente deixado sob sua responsabilidade, caso não tenha concorrido para o evento danoso. O roubo, embora previsível, é inevitável, caracterizando, nessa hipótese, fato de terceiro apto a romper o nexo de causalidade entre o dano (perda patrimonial) e o serviço prestado. Ressalte-se que, na situação em análise, inexiste exploração de estacionamento cercado com grades, mas simples comodidade posta à disposição do cliente. É certo que a diligência na guarda da coisa está incluída nesse serviço. Entretanto, as exigências de garantia da segurança física e patrimonial do consumidor são menos contundentes do que aquelas atinentes aos estacionamentos de shopping centers e hipermercados, pois, diferentemente destes casos, trata-se de serviço prestado na via pública. REsp 1.321.739-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 5/9/2013.

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA DE DISTRATO. É abusiva a cláusula de distrato – fixada no contexto de compra e venda imobiliária mediante pagamento em prestações – que estabeleça a possibilidade de a construtora vendedora promover a retenção integral ou a devolução ínfima do valor das parcelas adimplidas pelo consumidor distratante. Isso porque os arts. 53 e 51, IV, do CDC coíbem cláusula de decaimento que determine a retenção de valor integral ou substancial das prestações pagas, por consubstanciar vantagem exagerada do incorporador. Nesse contexto, o art. 53 dispõe que, nos “contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado”. O inciso IV do art. 51, por sua vez, estabelece que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Além disso, o fato de o distrato pressupor um contrato anterior não implica desfiguração da sua natureza contratual. Isso porque, conforme o disposto no art. art. 472 do CC, "o distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato", o que implica afirmar que o distrato nada mais é que um novo contrato, distinto ao contrato primitivo. Dessa forma, como em qualquer outro contrato, um instrumento de distrato poderá, eventualmente, ser eivado de vícios, os quais, por sua vez, serão passíveis de revisão em juízo, sobretudo no campo das relações consumeristas. Em outras palavras, as disposições estabelecidas em um instrumento de distrato são, como quaisquer outras disposições contratuais, passíveis de anulação por abusividade. REsp 1.132.943-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2013

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RETENÇÃO DE PARTE DO VALOR DAS PRESTAÇÕES NA HIPÓTESE DE DISTRATO. Na hipótese de distrato referente à compra e venda de imóvel, é justo e razoável admitir-se a retenção, pela construtora vendedora, como forma de indenização pelos prejuízos suportados, de parte do valor correspondente às prestações já pagas, compensação que poderá abranger, entre outras, as despesas realizadas com divulgação, comercialização, corretagem e tributos, bem como o pagamento de quantia que corresponda à eventual utilização do imóvel pelo adquirente distratante. Precedente citado: RCDESP no AREsp 208.018-SP, Terceira Turma, DJe 5/11/2012. REsp 1.132.943-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2013.

DIREITO CIVIL. RECUSA À SUBMISSÃO A EXAME DE DNA. No âmbito de ação declaratória de inexistência de parentesco cumulada com nulidade de registro de nascimento na qual o autor pretenda comprovar que o réu não é seu irmão, apesar de ter sido registrado como filho pelo seu falecido pai, a recusa do demandado a se submeter a exame de DNA não gera presunção de inexistência do parentesco, sobretudo na hipótese em que reconhecido o estado de filiação socioafetivo do réu. Em demandas envolvendo reconhecimento de paternidade, a recusa de filho em se submeter ao exame de DNA permite dois ângulos de visão: a referente a filho sem paternidade estabelecida e a relacionada a filho cuja paternidade já tenha sido fixada. No primeiro caso, deve-se conferir ao pai o direito potestativo de ver reconhecido seu vínculo de paternidade com o fim de constituição da família, nada impedindo, porém, que o suposto descendente recuse submeter-se ao exame pericial. O caso será, então, interpretado à luz do art. 232 do CC – “A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame” –, considerando o fato de que é imprescindível existirem outras provas da filiação. Já nas situações em que o suposto filho que possui a paternidade fixada recuse a realização do exame de DNA, a complexidade é exacerbada, de modo que, a depender do caso, dever-se-á reconhecer, sem ônus, o direito à recusa do filho, especialmente nas hipóteses nas quais se verifique a existência de paternidade socioafetiva, uma vez que a manutenção da família é direito de todos e deve receber respaldo do Judiciário. Na hipótese em apreço, a recusa do filho não pode gerar presunção de que ele não seria filho biológico do pai constante no seu registro de nascimento. Inicialmente, porque a manifestação espontânea do desejo de colocar o seu nome, na condição de pai, no registro do filho é ato de vontade perfeito e acabado, gerando um estado de filiação acobertado pela irrevogabilidade, incondicionalidade e indivisibilidade (arts. 1.610 e 1.613 do CC). Nesse sentido, não se pode esquecer que "o reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta no sentido de que o ‘pai registral’ foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto" (REsp 1.022.763-RS, Terceira Turma, DJe 3/2/2009). Além disso, deve haver uma ponderação dos interesses em disputa, harmonizando-os por meio da proporcionalidade ou razoabilidade, sempre se dando prevalência àquele que conferir maior projeção à dignidade humana, haja vista ser o principal critério substantivo na direção da ponderação de interesses constitucionais. Dessa forma, no conflito entre o interesse patrimonial do irmão que ajuíza esse tipo de ação, para o reconhecimento de suposta verdade biológica, e a dignidade do réu em preservar sua personalidade – sua intimidade, identidade, seu status jurídico de filho –, deve-se dar primazia aos últimos. Ainda que assim não fosse, isto é, mesmo que, na situação em análise, reconheça-se a presunção relativa decorrente da negativa da demandada em se submeter ao DNA, nenhuma consequência prática nem jurídica poderia advir daí. Isso porque o STJ sedimentou o entendimento de que, em conformidade com os princípios do CC e da CF de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, de que inexiste origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. Portando, o exame de DNA em questão serviria, por via transversa, tão somente para investigar a ancestralidade da ré, não tendo mais nenhuma utilidade para o caso em apreço. Ocorre que, salvo hipóteses excepcionais, o direito de investigação da origem genética é personalíssimo, e somente pode ser exercido diretamente pelo titular após a aquisição da plena capacidade jurídica. REsp 1.115.428-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2013.

DIREITO CIVIL. AÇÃO CIVIL EX DELICTO. O termo inicial do prazo de prescrição para o ajuizamento da ação de indenização por danos decorrentes de crime (ação civil ex delicto) é a data do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ainda que se trate de ação proposta contra empregador em razão de crime praticado por empregado no exercício do trabalho que lhe competia. Sabe-se que, em regra, impera a noção de independência entre as instâncias civil e criminal (art. 935 do CC). O CC, entretanto, previu dispositivo inédito em seu art. 200, reconhecendo causa impeditiva da prescrição. De acordo com o referido artigo, “Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva”. Assim, prestigiando a boa-fé e a segurança jurídica, estabelece a norma que o início do prazo prescricional não decorre da violação do direito subjetivo em si, mas, ao contrário, a partir da definição por sentença no juízo criminal que apure definitivamente o fato, ou seja, há uma espécie legal de actio nata. A aplicação do art. 200 do CC tem valia quando houver relação de prejudicialidade entre as esferas cível e penal – isto é, quando a conduta originar-se de fato também a ser apurado no juízo criminal –, sendo fundamental a existência de ação penal em curso (ou, ao menos, inquérito policial em trâmite). Posto isso, cumpre ressaltar que o art. 933 do CC considera a responsabilidade civil por ato de terceiro como sendo objetiva. A responsabilização objetiva do empregador, no entanto, só exsurgirá se, antes, for demonstrada a culpa do empregado ou preposto, à exceção, por evidência, da relação de consumo. Nesse contexto, em sendo necessária, para o reconhecimento da responsabilidade civil do patrão pelos atos do empregado, a demonstração da culpa anterior do causador direto do dano, deverá, também, incidir a causa obstativa da prescrição do art. 200 no tocante à ação civil ex delicto, caso esta conduta do preposto esteja também sendo apurada em processo criminal. É que, como bem adverte a doutrina, não obstante a ação penal só se dirigir contra os autores do dano, o prazo prescricional ficará suspenso, também, para o ajuizamento da ação contra os responsáveis, já que na lei não se encontra limitação desse efeito (art. 932 do CC). Além disso, devem-se aplicar as regras de hermenêutica jurídica segundo as quais ubi eadem ratio ibi idem jus (onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito) e ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão de ser, deve prevalecer a mesma razão de decidir). Ademais, o fato gerador da responsabilidade indireta é a confirmação do crime praticado por seu preposto, até porque a ação civil pode ter outra sorte caso haja, por exemplo, o reconhecimento de alguma excludente de ilicitude ou até mesmo a inexistência do dito fato delituoso ou sua autoria. Por fim, não se pode olvidar que, apesar do reconhecimento do fato criminoso pelo preposto, ainda caberá a discussão quanto à causa específica da responsabilização por ato de outrem, isto é, a relação de preposição e a prática do ato em razão dela. REsp 1.135.988-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/10/2013.

DIREITO DO CONSUMIDOR. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. Em uma relação contratual avençada com fornecedor de grande porte, uma sociedade empresária de pequeno porte não pode ser considerada vulnerável, de modo a ser equiparada à figura de consumidor (art. 29 do CDC), na hipótese em que o fornecedor não tenha violado quaisquer dos dispositivos previstos nos arts. 30 a 54 do CDC. De fato, o art. 29 do CDC dispõe que, “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas". Este dispositivo está inserido nas disposições gerais do Capítulo V, referente às Práticas Comerciais, e faz menção também ao Capítulo VI, que trata da Proteção Contratual. Assim, para o reconhecimento da situação de vulnerabilidade, o que atrairia a incidência da equiparação prevista no art. 29, é necessária a constatação de violação a um dos dispositivos previstos no art. 30 a 54, dos Capítulos V e VI, do CDC. Nesse contexto, caso não tenha se verificado práticas abusivas na relação contratual examinada, a natural posição de inferioridade do destinatário de bens ou serviços não possibilita, por si só, o reconhecimento da vulnerabilidade. REsp 567.192-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 5/9/2013.


sexta-feira, 8 de novembro de 2013

RESUMO. INFORMATIVO 529 DO STJ.



RESUMO. INFORMATIVO 529 DO STJ.

DIREITO CIVIL. FORMA PRESCRITA EM LEI PARA A CESSÃO GRATUITA DE MEAÇÃO. A lavratura de escritura pública é essencial à validade do ato praticado por viúva consistente na cessão gratuita, em favor dos herdeiros do falecido, de sua meação sobre imóvel inventariado cujo valor supere trinta salários mínimos, sendo insuficiente, para tanto, a redução a termo do ato nos autos do inventário. Isso porque, a cessão gratuita da meação não configura uma renúncia de herança, que, de acordo com o art. 1.806 do CC, pode ser efetivada não só por instrumento público, mas também por termo judicial. Trata-se de uma verdadeira doação, a qual, nos termos do art. 541 do CC, far-se-á por escritura pública ou instrumento particular, devendo-se observar, na hipótese, a determinação contida no art. 108 do CC, segundo a qual “a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”. De fato, enquanto a renúncia da herança pressupõe a abertura da sucessão e só pode ser realizada por aqueles que ostentam a condição de herdeiro – a posse ou a propriedade dos bens do de cujus transmitem-se aos herdeiros quando e porque aberta a sucessão (princípio do saisine) –, a meação, de outro modo, independe da abertura da sucessão e pode ser objeto de ato de disposição pela viúva a qualquer tempo, seja em favor dos herdeiros ou de terceiros, já que aquele patrimônio é de propriedade da viúva em decorrência do regime de bens do casamento. Além do mais, deve-se ressaltar que o ato de disposição da meação também não se confunde com a cessão de direitos hereditários (prevista no art. 1.793 do CC), tendo em vista que esta também pressupõe a condição de herdeiro do cedente para que possa ser efetivada. Todavia, ainda que se confundissem, a própria cessão de direitos hereditários exige a lavratura de escritura pública para sua efetivação, não havendo por que prescindir dessa formalidade no que tange à cessão da meação. REsp 1.196.992-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/8/2013.

DIREITO CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL APLICÁVEL À PRETENSÃO DE COBRANÇA DE PARCELAS INADIMPLIDAS ESTABELECIDAS EM CONTRATO DE MÚTUO PARA CUSTEIO DE ESTUDOS UNIVERSITÁRIOS. A pretensão de cobrança de parcelas inadimplidas estabelecidas em contrato de crédito rotativo para custeio de estudos universitários prescreve em vinte anos na vigência do CC/1916 e em cinco anos na vigência do CC/2002, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/2002. De fato, na vigência do CC/1916, a pretensão estava sujeita ao prazo prescricional do art. 177 do referido código – vinte anos –, em razão da inexistência de prazo específico. No entanto, com a entrada em vigor do CC/2002, impera regra específica inserta no art. 206, § 5º, I, do CC/2002, que prevê o prazo prescricional quinquenal para a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular. É inadequada, portanto, a incidência do prazo geral decenal previsto no art. 205 CC/2002 – dez anos –, destinado às hipóteses em que não existir prazo menor especial, previsto em algum dos parágrafos do art. 206. REsp 1.188.933-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/8/2013.

DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE CONTRATO DE SEGURO. No contrato de seguro de vida e acidentes pessoais, o segurado não tem direito à indenização caso, agindo de má-fé, silencie a respeito de doença preexistente que venha a ocasionar o sinistro, ainda que a seguradora não exija exames médicos no momento da contratação. Isso porque, quando da contratação de um seguro de vida, ao segurado cabe o dever de fazer declarações verídicas sobre seu real estado de saúde, cujo conteúdo é determinante para a aceitação da proposta, bem como para a fixação do prêmio. Ademais, o CC destaca a necessidade de boa-fé para as relações securitárias (art. 765), além de estar presente como cláusula geral de interpretação dos negócios jurídicos (art. 113) e como diretriz de observância obrigatória na execução e conclusão de qualquer contrato (art. 422). Sendo assim, a seguradora só pode se eximir do dever de indenizar, alegando omissão de informações por parte do segurado, se dele não exigiu exames clínicos, caso fique comprovada sua má-fé. AgRg no REsp 1.286.741-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/8/2013.

DIREITO CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL DE PRETENSÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DA NÃO RENOVAÇÃO DE CONTRATO DE SEGURO DE VIDA COLETIVO. Prescreve em três anos a pretensão do segurado relativa à reparação por danos sofridos em decorrência da não renovação, sem justificativa plausível, de contrato de seguro de vida em grupo, após reiteradas renovações automáticas. Isso porque a causa de pedir da indenização é a responsabilidade extracontratual da seguradora decorrente da alegada abusividade e ilicitude da sua conduta de não renovar o contrato sem justificativa plausível, em prejuízo dos seus consumidores. Assim, o prazo prescricional da pretensão do segurado não é o de um ano definido pelo art. 206, § 1º, II, do CC – o qual diz respeito às hipóteses em que a  pretensão do segurado se refira diretamente a obrigações previstas em contrato de seguro –, mas sim o de três anos prescrito pelo art. 206, § 3º, V, do mesmo código. REsp 1.273.311-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/10/2013.

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NEGATIVA DE EMBARQUE DE CRIANÇA PARA O EXTERIOR. É lícita a conduta de companhia aérea consistente em negar o embarque ao exterior de criança acompanhada por apenas um dos pais, desprovido de autorização na forma estabelecida no art. 84 do ECA, ainda que apresentada – conforme estabelecido em portaria da vara da infância e da juventude ­– autorização do outro genitor escrita de próprio punho e elaborada na presença de autoridade fiscalizadora no momento do embarque. Isso porque, quando se tratar de viagem para o exterior, exige-se a autorização judicial, que somente é dispensada se a criança ou o adolescente estiverem acompanhados de ambos os pais ou responsáveis, ou se viajarem na companhia de um deles, com autorização expressa do outro por meio de documento com firma reconhecida (art. 84 do ECA). Dessa forma, portaria expedida pela vara da infância e juventude que estabeleça a possibilidade de autorização do outro cônjuge mediante escrito de próprio punho elaborado na presença das autoridades fiscalizadoras no momento do embarque não tem a aptidão de suprir a forma legalmente exigida para a prática do ato. Ademais, deve-se ressaltar que o poder normativo da justiça da infância e da juventude deve sempre observar o princípio da proteção integral da criança e do adolescente e, sobretudo, as regras expressas do diploma legal regente da matéria. Além disso, é válido mencionar que, não obstante o País tenha passado por uma onda de desburocratização, a legislação deixou clara a ressalva de que o reconhecimento de firma não seria dispensado quando exigido em lei, bem como que a dispensa seria exclusivamente para documentos a serem apresentados à administração direta e indireta (art. 1º do Dec. 63.166/1968, art. 2º do Dec. 83.936/1979 e art. 9º do Dec. 6.932/2009). REsp 1.249.489-MS, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, julgado em 13/8/2013.

DIREITO DO CONSUMIDOR. LIMITAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO EM CONTRATO DE PENHOR. Em contrato de penhor firmado por consumidor com instituição financeira, é nula a cláusula que limite o valor da indenização na hipótese de eventual furto, roubo ou extravio do bem empenhado. De fato, nos termos do inciso I do art. 51 do CDC, serão consideradas abusivas e nulas de pleno direito as cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Cumpre ressaltar que, na situação em análise, é notória a hipossuficiência do consumidor, pois esse, necessitando de empréstimo, apenas adere a um contrato cujas cláusulas são inegociáveis, submetendo-se, inclusive, à avaliação unilateral realizada pela instituição financeira. Nessa avença, a avaliação, além de unilateral, é focada precipuamente nos interesses do banco, sendo que o valor da avaliação é sempre inferior ao preço cobrado do consumidor no mercado varejista. Note-se que, ao submeter-se ao contrato de penhor perante a instituição financeira, que detém o monopólio de empréstimo sob penhor de bens pessoais, o consumidor demonstra não estar interessado em vender os bens empenhados, preferindo transferir apenas a posse temporária deles ao agente financeiro, em garantia do empréstimo. Pago o empréstimo, tem plena expectativa de retorno dos bens. Ademais, deve-se levar em consideração a natureza da atividade exercida pela instituição financeira, devendo-se entender o furto ocorrido como fortuito interno. Precedente citado: REsp 1.133.111-PR, Terceira Turma, DJe 5/11/2009; e REsp 273.089-SP, Quarta Turma, DJ de 24/10/2005. REsp 1.155.395-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 1º/10/2013.

DIREITO DO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS NO CASO DE FURTO DE BEM EMPENHADO. É possível que instituição financeira seja condenada a compensar danos morais na hipótese de furto de bem objeto de contrato de penhor. Efetivamente, o consumidor que decide pelo penhor assim o faz pretendendo receber o bem de volta e, para tanto, confia que o credor o guardará pelo prazo ajustado. Se o bem empenhado fosse um bem qualquer, sem nenhum valor sentimental, provavelmente o consumidor optaria pela venda do bem e, certamente, obteria um valor maior. REsp 1.155.395-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 1º/10/2013.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

CURSO AASP E ENAOAB-CONSELHO FEDERAL. LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA. PRESENCIAL E TELEPRESENCIAL.

LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA: ASPECTOS MATERIAIS E PROCESSUAIS

Coordenação. 

Dr. Flávio Tartuce

Horário

19 h (horário de Brasília/DF)


Carga Horária

8 h

AULAS TELEPRESENCIAIS. Sistema de transmissão 'ao vivo' via satélite, sendo possível a remessa de indagações ao palestrante durante a exposição. As aulas são transmitidas para Escolas da Advocacia de todo o País, em parceria com a Escola Superior da Advocacia do Conselho Federal da OAB.

Programa

11/11. Segunda-feira. 

Regras processuais gerais das ações locatícias e suas polêmicas. 

Dr. William Santos Ferreira. 

12/11. Terça-feira.

O controle das cláusulas locatícias abusivas. 

Dr. Flávio Tartuce. 

13/11. Quarta-feira. 

Ação de depejo: aspectos processuais. 

Dra. Fernanda Tartuce. 

14/11. Quinta-feira. 

Garantias locatícias. 

Dr. José Fernando Simão.

ALAGOINHAS/BA
ARACRUZ/ES
BALSAS/MA
BARREIRAS/BA
BELO HORIZONTE/MG
BOM JESUS DA LAPA/BA
BRUMADO/BA
CARANGOLA/MG
CODÓ/MA
CONSELHEIRO LAFAIETE/MG
EUNÁPOLIS/BA
FEIRA DE SANTANA/BA
FORTALEZA/CE
GUAÇUI/ES
GUANAMBI/BA
IGUATU/CE
ILHÉUS/BA
IMPERATRIZ/MA
IRECÊ/BA
ITABERABA/BA
ITABUNA/BA
ITAMARAJU/BA
ITAPETINGA/BA
ITUIUTABA/MG
JEQUIÉ/BA
JUAZEIRO/BA
JUAZEIRO DO NORTE/CE
LIMOEIRO DO NORTE/CE
LUÍS EDUARDO MAGALHÃES/BA
MACAPÁ/AP
OLIVEIRA/MG
PATROCÍNIO/MG
PAULO AFONSO/BA
PORTO SEGURO/BA
PRESIDENTE DUTRA/MA
SALVADOR/BA
SANTA MARIA DA VITÓRIA/BA
SANTO ANTÔNIO JESUS/BA
SÃO JOSÉ DO RIO PRETO/SP
SÃO LUIS/MA
SENHOR DO BONFIM/BA
TEIXEIRA DE FREITAS/BA
UBERABA/MG
UNISANTOS/SP
VALENÇA/BA
VARGINHA/MG
VITÓRIA DA CONQUISTA/BA

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

ARTIGO DE ANDERSON SCHREIBER SOBRE BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS.

Fonte: Conjur. 

 

Estabelecimento de parâmetros é solução para as biografias


Por 


O amplo debate público em torno das biografias não autorizadas veio à tona no Brasil de modo extremamente polarizado, contrapondo dois grupos antagônicos: de um lado, aqueles que defendem a necessidade de prévia autorização dos biografados, o que resultaria em uma espécie de “poder de veto” às biografias não autorizadas; de outro lado, aqueles que defendem “carta branca” para os biógrafos, sustentando que a vida das chamadas “pessoas públicas” pertence a toda a sociedade, que o público tem direito à informação e que, na pior das hipóteses, a eventual invasão de privacidade deveria ser resolvida por meio de indenização em dinheiro. Juridicamente, contudo, nenhuma das soluções apresentadas até o momento, por qualquer dos lados em disputa, se mostra adequada à luz da nossa ordem constitucional. O caminho parece ser outro.

A Constituição brasileira trata tanto o direito à privacidade e à honra quanto as liberdades de expressão e informação como direitos fundamentais, não estabelecendo qualquer hierarquia entre eles (artigo 5º, X e IX). Significa dizer que, à luz do texto constitucional, nenhuma solução absoluta pode ser adotada nessa matéria. Por um lado, não se pode exigir a autorização prévia como condição necessária para a publicação de toda e qualquer biografia, já que obras biográficas, além de exprimirem o exercício da liberdade intelectual do biógrafo, são um instrumento fundamental para o conhecimento e para a cultura do povo brasileiro. Por outro lado, não se pode excluir em absoluto a proteção à privacidade e à honra do biografado pelo simples fato de que se trata de “pessoa pública”, expressão, aliás, que é tecnicamente imprópria: toda pessoa é privada, por definição. Seus atos é que podem ser públicos, mas isso não exclui nem atenua a tutela da sua vida privada. A sociedade não tem, por exemplo, qualquer direito de acesso aos detalhes íntimos da vida sexual de uma atriz de cinema ou aos detalhes penosos das trocas de curativos que se seguiram à sua eventual cirurgia plástica, se sobre esses fatos ela jamais se pronunciou publicamente. São fatos “sensíveis”, que escapam à sua atividade pública, inserindo-se no âmbito da sua vida privada, constitucionalmente protegida.

Para a Constituição brasileira, portanto, os dois lados em disputa no campo das biografias tem alguma razão, mas nenhum dos dois tem, por assim dizer, uma razão absoluta. A solução somente pode residir em uma via intermediária, ou seja, na ponderação entre esses dois conjuntos de interesses juridicamente protegidos, com base em certos parâmetros. O que deveríamos estar fazendo é discutindo esses parâmetros, em vez de assistirmos a um desfile insistente de posições extremadas, que os jornais têm chamado de “a guerra das biografias” – bem ao gosto do sensacionalismo, que os dois grupos afirmam querer evitar. Estabelecer parâmetros é o único modo de superarmos esse dilema sem ferir a Constituição.

Tais parâmetros podem ser estabelecidos de modo mais ou menos específico. Por exemplo, em artigo publicado no Valor Econômico em 29 de outubro de 2013 (A questão da biografia: quem tem razão?), listei alguns parâmetros específicos que vêm sendo usados na experiência estrangeira, como a proibição de uso de dados de prontuários médicos ou de descrições da intimidade sexual do biografado, de um lado, e, de outro, a permissão de uso de dados já veiculados publicamente pelo biografado no passado, bem como de uso de dados constantes de processos judiciais ou administrativos que não corram sob segredo de justiça. Além desses parâmetros específicos, é possível fixar parâmetros mais gerais, como (i) a repercussão emocional do fato sobre o biografado; (ii) a atitude mais ou menos reservada do biografado em relação ao fato; (iii) a importância daquele fato para a formação da personalidade do biografado (e, portanto, a necessidade da sua divulgação no âmbito da biografia); e assim por diante.

Um modelo muito eficiente e didático é a combinação desses parâmetros no desenvolvimento de filtros ou “testes” voltados a aferir concretamente se a veiculação de uma certa informação fere ou não a privacidade da pessoa a que diz respeito. Um exemplo de teste seria o seguinte: 1º) O fato retratado integra a dimensão pública da vida do biografado? 2º) Se não integra a dimensão pública, é um fato necessário ou importante para a compreensão da vida do biografado? 3º) Caso seja um fato importante ou necessário, trata-se de fato “sensível”, assim entendido o fato que, nunca tendo sido revelado publicamente pelo próprio biografado, se afigura objetivamente capaz de expor a intimidade do biografado de modo indesejável? 4º) Em caso afirmativo, a importância ou necessidade do fato “sensível” para a reconstrução da trajetória do biografado perante o público justifica proporcionalmente, diante do seu impacto sobre o biografado, a sua divulgação? 5º) Nesse último caso, foram adotadas cautelas adequadas no modo de exposição do fato, atenuando na medida do possível o seu impacto sobre o biografado (por exemplo, houve limitação ao essencial para a reconstrução da trajetória do biografado, houve contextualização suficiente, foram ouvidas diferentes fontes com diferentes pontos de vista, foi dada oportunidade ao biografado de expor sua impressão, e assim por diante).

Esses exemplos não constituem obviamente uma proposta pronta e acabada para a realidade brasileira; são apenas exemplos para demonstrar que um caminho intermediário é possível. Testes dessa natureza ou simples indicações de parâmetros podem ser estabelecidos pela legislação brasileira. O Projeto de Lei 393/2011, que tramita atualmente no Congresso Nacional, caminha, todavia, no sentido oposto. É lacônico e, do modo como está redigido, não resolverá a questão das biografias não autorizadas no Brasil. A proposta limita-se a acrescentar um parágrafo ao artigo 20 do Código Civil que terá a seguinte redação: “A mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade.” A inovação é inútil porque, na prática, quando o Poder Judiciário brasileiro proíbe a circulação de uma biografia não autorizada, não o faz ao simples argumento de que aquela biografia não foi autorizada pelo biografado. O principal argumento dessas decisões judiciais é que o biografado ou seus familiares (no caso das biografias póstumas) foram atingidos em sua honra ou em sua intimidade. Como está redigido, o Projeto de Lei 393 não impedirá, portanto, que, diante de uma afronta à sua privacidade ou à sua honra, o biografado ou seus familiares venham exigir a proibição da circulação de uma biografia. O que o Projeto de Lei deveria indicar são parâmetros ou testes aptos a atribuir uma base segura para a superação das colisões entre, de um lado, as liberdades de expressão e informação e, de outro, os direitos à honra e à privacidade.

Ainda há tempo para isso, registre-se. Basta alterar o texto do Projeto de Lei 393, o que pode ser feito por emenda de qualquer das Casas do Congresso Nacional, para incluir parâmetros ou testes que efetivamente auxiliem na superação do impasse que se estabelece usualmente no campo das biografias. Outro caminho seria a indicação desses parâmetros ou testes em normas regulamentares, ou em normas deontológicas (como no exemplo do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros), ou, ainda, em um código de auto-regulamentação, que poderia ser elaborado conjuntamente por representantes do mercado editorial, sindicatos de atores, sindicatos de atletas e outras instituições interessadas.

Como se vê, trilhar a via da ponderação entre liberdade de expressão/informação e direito à privacidade/honra não significa dizer que as biografias terão de ser analisadas, caso a caso, pelo Poder Judiciário, ao sabor das preferências literárias e culturais de cada juiz ou desembargador. A ponderação de interesses é um procedimento técnico realizado com base em parâmetros que podem ser estabelecidos previamente, como fruto de um debate democrático que pode ser travado tanto no Congresso Nacional quanto no âmbito de entidades interessadas na edição de um código de auto-regulamentação. Claro que, por conta do direito de acesso à Justiça, também tutelado constitucionalmente (artigo 5º, XXXV), quem quer que se sinta ofendido sempre poderá recorrer ao Poder Judiciário. Isso, aliás, acontece não apenas em relação a biografias, mas também em relação a qualquer outro livro, a reportagens jornalísticas, a matérias em revistas e a qualquer outro setor da vida social. Entretanto, com parâmetros ou testes previamente estabelecidos pela legislação ou por códigos de auto-regulamentação, mesmo nos casos em que houvesse ação judicial, a análise do Poder Judiciário se tornaria mais previsível e segura, afastando-se do subjetivismo que, hoje, domina decisões proferidas em relação a biografias. Esse subjetivismo é que consiste no real inimigo das editoras, que não conseguem avaliar, antecipadamente, se um projeto editorial é ou não legítimo à luz da ordem jurídica e quais os parâmetros que devem ser observados na sua realização para evitar liminares proibitivas, que frustram investimentos na obra em si, na sua divulgação, no seu planejamento editorial e assim por diante. Não se trata, portanto, de uma cruzada contra o Poder Judiciário, mas de uma cruzada contra o subjetivismo.

Não parece ter sido, aliás, por outra razão que as editoras recorreram ao próprio Poder Judiciário para buscar uma solução. Foi o que fizeram por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815, na qual requerem ao Supremo Tribunal Federal que o artigo 20 seja interpretado de modo a que a falta de autorização prévia do retratado não seja considerada motivo para a proibição das biografias. Mais uma vez, contudo, a solução não será efetiva. As violações à privacidade e à honra continuarão podendo ser invocadas caso a caso, e os tribunais estaduais continuarão sem parâmetros seguros para avaliar e solucionar as colisões entre esses direitos e a liberdade de expressão. Uma solução real para a questão das biografias não autorizadas no Brasil somente virá se o Supremo Tribunal Federal se dispuser a ir além, propondo uma abordagem mais abrangente do problema e estabelecendo testes ou parâmetros para a ponderação entre os interesses em conflito, como aqueles já mencionados, a título de exemplo.

Cabe uma última palavra sobre a proposta, antiga e recentemente retomada por alguns juristas, de que todo esse imenso conflito entre biógrafos, editoras, leitores e biografados se resolva mediante indenização posterior à publicação da obra, evitando-se a qualquer custo — com perdão do trocadilho — a sua proibição. Essa solução indenizatória só é “intermediária” na aparência, na medida em que exprime claramente uma prevalência da liberdade de expressão sobre os direitos à privacidade e à honra. Em palavras simples: a obra poderia invadir a privacidade e lesar a reputação do biografado, desde que a editora e o biógrafo se dispusessem a pagar por isso. O raciocínio não é apenas questionável sob o ponto de vista da sociedade que buscamos construir, mas também é flagrantemente contrário à ordem constitucional brasileira, que, como já dito, não autoriza a prevalência em abstrato de qualquer dos direitos fundamentais em disputa. Contraria também todas as tendências mais recentes em matéria de responsabilidade civil, que priorizam a tutela específica do direito lesado (dar ao lesado exatamente o que a ordem jurídica lhe assegura), reservando à indenização em dinheiro um papel meramente subsidiário, aplicável apenas quando já não for possível proteger concretamente o direito da vítima. A indenização não é, portanto, uma solução intermediária para a questão das biografias porque o que a Constituição brasileira assegura ao biografado não é dinheiro — que, aliás, ele pode não ter o menor interesse em receber —; é a proteção da sua honra e da sua privacidade, direitos considerados indisponíveis e inalienáveis por toda a doutrina jurídica que se ocupa desses temas.

Em conclusão, estabelecer parâmetros ou testes parece ser a única solução viável nesse campo. A temporada das opiniões, todavia, está aberta e é importante ouvi-las, refletindo sobre cada proposta. O que parece urgente é redirecionar o debate, evitando a insistência sobre posições extremadas, que não se coadunam com a Constituição. Polarizada como está, a discussão não vai a lugar nenhum ou não vai a nenhum lugar bom. O melhor caminho aqui é uma solução intermediária, fruto da ponderação entre os direitos fundamentais em conflito.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

JULGADO DO TRT DA 15ª REGIÃO. "DUMPING SOCIAL'.

Prezados Leitores. 

Vejam no meu site interessante julgado do TRT da 15ª Região condenando o Magazine Luiz por "Dumping Social'. 

Acessem em http://www.flaviotartuce.adv.br/jurisprudencias/201311051606140.magazine_dump.pdf. 

Bons estudos!

Professor Flávio Tartuce

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.790 DO CC. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. DECISÃO DO PLENO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO.

Prezados Leitores do Blog. 

Vejam no meu site a decisão do Pleno do TJES sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC, que trata da sucessão do companheiro. 

O Tribunal, com controvérsias, entendeu que a norma é constitucional. 

Vejam em  http://www.flaviotartuce.adv.br/jurisprudencias/201311041045000.tjesp_1790.PDF.


Boa leitura a todos. 


Abraços. 


Professor Flávio Tartuce

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

ALTERAÇÃO NA LEI DE INTRODUÇÃO. SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAIS PERANTE AUTORIDADES CONSULARES.




Altera o art. 18 do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, para possibilitar às autoridades consulares brasileiras celebrarem a separação e o divórcio consensuais de brasileiros no exterior.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 
Art. 1o  Esta Lei dispõe sobre a possibilidade de as autoridades consulares brasileiras celebrarem a separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros no exterior, nas hipóteses que especifica. 
Art. 2o  O art. 18 do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, passa a vigorar  acrescido  dos  seguintes §§ 1o e 2o
“Art. 18.  ........................................................................ 
§ 1º  As autoridades consulares brasileiras também poderão celebrar a separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. 
§ 2o  É indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído, que se dará mediante a subscrição de petição, juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma delas, caso a outra constitua advogado próprio, não se fazendo necessário que a assinatura do advogado conste da escritura pública.” (NR) 
Art. 3o  Esta Lei entra em vigor após decorridos 120 (cento e vinte) dias de sua publicação oficial. 
Brasília, 29 de outubro de 2013; 192o da Independência e 125o da República