sábado, 10 de maio de 2014

ARTIGO DE JONES FIGUEIRÊDO ALVES. MATERNIDADE CELEBRADA.



Maternidade celebrada

Não existe um estatuto jurídico da maternidade, microuniverso normativo que a celebre em sua multifacetada realidade de relação parental. Uma legislação avulsa cuida do tema, a partir da Lei nº 11.108, de 07.04.2005, para garantir a parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde – (SUS) e da Lei nº 11.634, de 27.12.2007, dispondo, também no SUS,  sobre o direito da gestante ao conhecimento e a vinculação à maternidade, onde será realizado o parto ou na qual será atendida nos casos de intercorrência pré-natal, a receber toda a assistência necessária.
Leis outras também cuidam das licenças-maternidade, a exemplo da Lei n° 11.770, de 09.09.2008, com programa de incentivos fiscais, e este ano entrou em vigor (27.01) a Lei nº 12.873/2013, que altera a CLT e a Lei nº 8.213/1991, no que se refere à licença-maternidade e ao salário maternidade. Não há negar, portanto, que deva ser introduzida na ordem jurídica, com tratamento especial a maternidade, em seus múltiplos aspectos jurídicos, envolvendo a mãe nos seus direitos próprios e em suas relações materno-filial e conjugais ou convivenciais, enquanto genitora.
Pois bem. A maternidade foi (re)inventada em 1762. A sua formulação, na concepção atual, foi feita por Jean-Jacques Rousseau, na obra "Emílio ou Da Educação", publicada naquele ano. Ele repudiou a instituição dominante das amas-de-leite, encorajando as mulheres a assumirem, em definitivo, a maternidade.
Foi a "revolução do sentimento", no alvorecer do Iluminismo, escola filosófica articuladora do amor romântico. Desse movimento, o amor tornou-se "a razão principal para o casamento e para o filho ser considerado o fruto ou um dom desse amor", introduzindo a ideia do amor materno.
Antes, a infância era um relato de maus-tratos e de abandono afetivo, e nesse contexto de época, indiferentes as mães ao seu vínculo, a maternidade nada significava senão a mera capacidade de procriação, não dispondo de deveres ou direitos. Com as idéias de Rosseau e do Iluminismo, construiu-se a "família nuclear", formada pelos pais e os filhos, onde a mãe tornou-se responsável pela criação da prole, realizando-se, como mulher, nas tarefas da maternidade e da esfera doméstica. Surge o ideal materno vitoriano: "a boa mulher em casa com seus filhos, seu piano e seus princípios".
Em sua obra "Mãe de Todos os Mitos", a jurista Aminata Forna, explica que o estilo de maternidade, que herdamos com raízes na família nuclear, tem origem na reação ao abandono da infância, quando as crianças eram colocadas nas rodas dos orfanatos (segue-se daí a expressão "exposto") e em um novo papel social da mulher, até então considerada inferior para a assunção de responsabilidades.
Em "L´Historie des méres" (1980), Kniebiehler e Fouquet apontam que a exaltação do amor materno é fato recente na civilização ocidental. De fato, ela começou no final do século XVIII, vindo a celebração da maternidade influir na proteção da mulher e da criança, assegurando-lhe os seus valores sociais. Não é demais lembrar que o "matrimônio" canônico, em seu caráter sagrado e sacramental, significa, etimologicamente, a proteção da mãe e da prole.
Em tempos modernos, a remoção de óvulos, a fertilização assistida, os embriões congelados podendo ser gestados a qualquer tempo por outra mulher, a sub-rogação de útero, e sobremodo, os vínculos socioafetivos desvinculados de origens genética ou biológica, informam outras definições ou significados de maternidade. Novas maternidades são celebradas, para além do modelo tradicional.
Há de se pensar nas mães provedoras de família, nas mulheres mães sem cônjuges ou companheiros e nas mães solteiras desassistidas, que em famílias monoparentais constituem, hoje, um terço da nova família brasileira. Suas necessidades reclamam políticas públicas em valoração da maternidade e das responsabilidades por elas assumidas.
Há também pensar, em louvor da maternidade, em muitas outras mães:
(i)                as mães de si mesmas são aquelas sem os filhos que pretendem ter. Desejos incontidos de engravidar e/ou abortos espontâneos, protraído o filho esperado, são colapsos vivenciais de maternidade não adquirida, que não podem vincular a espera do filho à ideia de uma adversidade insuperável. Infortúnios pessoais de passagem servirão, em verdade, a construir sentimentos de conquista, com superação e resiliência. São mães projetadas ao futuro.
(ii)              As mães de luto são aquelas de perdas permanentes. Quantas mães neste país têm seus filhos entregues aos algozes da barbárie, colocados no altar da pátria amada como vítimas imoladas de uma violência incontrolável que o Estado impotente dela apenas cuida nas estatísticas. O mal banalizado pela violência cotidiana, a impunidade crescente, a legislação insuficiente a inibir a criminalidade, a indiferença omissa e as improvisações públicas, esquecem os filhos do país triunfante. Eles são vitimas de um Estado e de uma sociedade que matam. Ficam na memória do coração materno e a tanto poderão ser chamados sempre pelos nomes de suas mães. São mães projetadas ao tempo todo.  Afinal, não existe palavra a definir a perda de filho, quando vocábulos outros definem a perda dos pais (órfãos) ou a dos cônjuges (viúvos), tamanha a dor da perda filial, impossível numa palavra. Diria, apenas, que são mães marianas.
Do íntimo, convoca-se a Mãe Maria, Mãe de Jesus. Segundo fontes cristãs antigas, Maria, filha de pais judeus, Ana e Joaquim, nascida em Séforis, na Galiléia, teve seu filho, Jesus, quando contava por volta de quinze (15) anos de idade. Ela vivia em Nazaré, onde ficou noiva e sob os cuidados do carpinteiro José, um descendente do Rei Davi. A narrativa de Lucas relata a maternidade divina de Maria. Segue-se, então, sublinhar que a maternidade mariana implica na mais perfeita configuração do significado de amor materno.
Estamos também a celebrar o centenário do “Dia das Mães”. Resultou unificado em 1914, em todos os Estados Unidos, sempre no segundo domingo de maio, o dia de homenagem; antes, instituído na Virginia (1905), por Ana Jarvins, para reverenciar sua mãe Marie Reeves Jarvins, falecida naquele ano.
Proclame-se, então, que a instituição da maternidade, como produto de tempo, lugar e circunstância, está a merecer, na densidade do significado social e afetivo, um novo debate jurídico, no Direito de Família, em dignidade de seu papel na sociedade contemporânea.  
Afinal todas as mães são benditas. Elas trabalham para a paz na terra.

JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

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