quinta-feira, 27 de novembro de 2014

ARTIGO DO PROFESSOR SIMÃO SOBRE O PROJETO DE LEI SOBRE GUARDA COMPARTILHADA OBRIGATÓRIA.



Guarda compartilhada obrigatória. Mito ou realidade? O que muda com a aprovação do PL 117/2013

Por José Fernando Simão. Professor Associado do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP. Advogado e consultor jurídico.

No dia 20 de novembro, participei de audiência pública em Brasília, na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, para discutir o PL 117/2013 que altera os artigos 1583, 1584 e 1634 do Código Civil.
Na ocasião, fiz diversas observações puramente doutrinárias sobre os problemas e equívocos do projeto, enaltecendo, é claro, o que havia de positivo. Em 26 de novembro, o Senado aprova o PL 117/2013, com pequena alteração de redação por mim sugerida, mantendo-se, no mais, todos seus termos. Aguarda-se, agora, a sanção da Presidente Dilma.

Passo a analisar o PL 117/2013 tal como aprovado pelo Senado e demonstrarei que é muito cedo para se festejar a sua aprovação.

Guarda compartilhada obrigatória mesmo em afronta ao melhor interesse da criança?

A nova redação do art. 1584, parágrafo segundo, torna a guarda compartilhada obrigatória na hipótese de discordância dos pais:
 
“§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.”

Note-se que a atual redação do dispositivo, contém a locução “sempre que possível” que é suprimida pelo PL 117.

O objetivo do PL117/2013 é claro: o magistrado de família perde a possibilidade de, em sua decisão, determinar a guarda unilateral em favor da mãe, afirmando não ser possível, naquele caso, a guarda compartilhada.

A questão que se coloca é: a mudança efetivamente torna a guarda compartilhada obrigatória como faz crer uma leitura apressada do PL? A resposta é negativa. A lei deve ser lida sempre, a todo tempo, pelo filtro constitucional. Explico.

Quando o Estatuto da Criança e do Adolescente foi alterado em 2009 e se suprimiu a possibilidade de adoção personalíssima, ou seja, todos os adotantes devem estar inscritos no Cadastro de Adoção, não podendo mais haver adoção de criança determinada por adotante determinado, o legislador retirou do magistrado tal possibilidade, vedou tal tipo de decisão expressamente. Veja que o art. 50, §13 do Estatuto traz hipóteses muito restritas de adoção por pessoas não inscritas no Cadastro.

Qual foi a reação do Poder Judiciário? No melhor interesse da criança, a mudança foi ignorada simplesmente. Assim temos:
 
“AFERIÇÃO DA PREVALÊNCIA ENTRE O CADASTRO DE ADOTANTES E A ADOÇÃO INTUITU PERSONAE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR - VEROSSÍMIL ESTABELECIMENTO DE VÍNCULO AFETIVO DA MENOR COM O CASAL DE ADOTANTES NÃO CADASTRADOS - PERMANÊNCIA DA CRIANÇA DURANTE OS PRIMEIROS OITO MESES DE VIDA” (REsp 1172067/MG, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/03/2010, DJe 14/04/2010)

É cristalino o fundamento da decisão: “é certo, contudo, que a observância de tal cadastro, vale dizer, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança, não é absoluta. E nem poderia ser. Excepciona-se tal regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que este não se encontre sequer cadastrado no referido registro”

No caso da guarda compartilhada, em situações de grande litigiosidade dos pais, assistiremos às seguintes decisões: “em que pese a determinação do Código Civil de que a guarda deverá ser compartilhada, no caso concreto, a guarda que atende ao melhor interesse da criança é a unilateral e, portanto, fica afastada a regra do CC que cede diante do princípio constitucional”.

A lei não é, por si, a solução do problema como parecem preconizar os defensores do PL 117/2003.

A mudança real é que o Magistrado, a partir da nova redação de lei, precisará invocar o preceito constitucional para não segui-la. Nada mais.

A guarda alternada sendo denominada compartilhada pelo PL 117/2013.
 
O parágrafo 3º do art. 1583 do CC passa a ter a seguinte redação:

§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.

Este dispositivo é absolutamente nefasto ao menor e ao adolescente. Preconiza ele a dupla residência do menor em contrariedade às orientações de todos os especialistas da área da psicanálise.

Convívio com ambos os pais, algo saudável e necessário ao menor, não significa, como faz crer o dispositivo, que o menor passa a ter duas casas, dormindo às segundas e quartas na casa do pai e terças e quintas na casa da mãe. Essa orientação é de guarda alternada e não compartilhada.

A criança sofre, nessa hipótese, o drama do duplo referencial criando desordem em sua vida. Não se pode imaginar que compartilhar a guarda significa que nas duas primeiras semanas do mês a criança dorme na casa paterna e nas duas últimas dorme na casa materna.

Compartilhar a guarda significa exclusivamente que a criança terá convívio mais intenso com seu pai (que normalmente fica sem a guarda unilateral) e não apenas nas visitas ocorridas a cada 15 dias nos fins-de-semana. Assim, o pai deverá levar seu filho à escola durante a semana, poderá com ele almoçar ou jantar em dias específicos, poderá estar com ele em certas manhãs ou tardes para acompanhar seus deveres escolares.

Note-se que há por traz da norma projetada uma grande confusão. Não é pelo fato de a guarda ser unilateral que as decisões referentes aos filhos passam a ser exclusivas daquele que detém a guarda.

Decisão sobre escola em que estuda o filho, religião, tratamento médico entre outras já é sempre foi decisão conjunta, de ambos os pais, pois decorre do poder familiar. Não é a guarda compartilhada que resolve essa questão que, aliás, nenhuma relação tem com a posse física e companhia dos filhos.

Na próxima edição da Carta Forense, prosseguimos com nossas reflexões.
 

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