segunda-feira, 21 de abril de 2014

ARTIGO DE JONES FIGUEIRÊDO ALVES. O NASCITURO ÓRFÃO.



O Nascituro órfão

Designa-se como nascituro aquele que concebido, há de nascer, e que em vida-intra-uterina tem sua existência já tutelada (a exemplo dos alimentos gravídicos), bem como os seus direitos postos a salvo, desde a concepção; tudo conforme a leitura concepcionista do artigo 2º do Código Civil, embora sua personalidade civil comece do nascimento com vida. Significa, assim, o ser já concebido e gestado, aguardando no ventre materno o evento maior, o de exsurgir para a vida terrestre com sua vida como pessoa. Aquele que ainda não nasceu e haverá, por certo, de nascer com vida.
Há quem sustente que o nascituro também será o ente concebido e ainda não gestado, ou mais precisamente, o que está em vida extra-uterina, conceituado como embrião pré-implantatório, resultado de técnicas de reprodução medicamente assistida, ou seja, aquele de concepção “in vitro” e crioconservado, em nitrogênio líquido. Significa, assim, que nascituro será também o embrião, como tem sustentado, modernamente, juristas do elevado porte de Silmara Juny Chinelato (autora da clássica obra “Tutela Civil do Nascituro”, 1999) e Flávio Tartuce (2007). De tal ordem, presente a figura do artigo 1.597, inciso IV, do Código Civil, ou seja, a do embrião excedentário, havido a qualquer tempo.
Pois bem: nessa ordem de ideias, dominante na doutrina moderna a teoria concepcionista, tendo o nascituro seus direitos reconhecidos desde a concepção, pontua-se, para o propósito do tema, a figura do nascituro órfão, certo que essa situação insere-se em três realidades assentadas por fatos da ciência ou da própria vida:
(i) o havido por concepção artificial homóloga “post mortem”, por técnicas de inseminação do sêmen (artigo 1.597, III, Código Civil);
(ii) o havido por ulterior implantação, como embrião excedentário, quando já falecido o genitor (artigo 1.597, III, Código Civil);
(iii) o nascituro que durante a gestação, tem a perda superveniente do genitor, (por causas diversas), não o conhecendo ao nascer.
O tema tem sido enfrentado pela doutrina, designadamente quanto às duas primeiras hipóteses, quando induvidosa e admitida a paternidade póstuma, a teor dos reportados incisos do artigo 1.597 do Código Civil. A Resolução nº 1.957, de 06.01.2011, do Conselho Federal de Medicina, dispõe a respeito, ao dizer não constituir ilícito ético a reprodução assistida “post mortem”, “desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente”.
A fecundação “post mortem” tem tratamentos diferenciado nas diversas legislações, bastando referir que a proíbem as leis da Suécia (1985) da Alemanha (1990) e de Portugal (Lei 32, de 26.06.2006, art. 22, 1. e 2.), certo ainda que (i) a lei portuguesa admite, porém, lícita a transferência “post mortem” de embrião, diante de projeto parental definido por escrito antes da morte do pai (idem, art. 22, 3) e (ii) a lei da Espanha, embora admita, impõe prazo máximo da inseminação “post mortem”, de doze meses após a morte do marido (Lei nº 35/1988, art. 9º). 
Afinal, a inseminação “post mortem”, tem dois paradigmas emblemáticos: (i) O mitológico - quando encontra Isis reconstituindo os restos mortais de Osíris, para fecundar a si mesma e; (ii) o humanista – quando, por exemplo, do esforço afetivo de uma mulher enlutada, na corrida contra o tempo, para recolher, em no máximo trinta e seis horas, o sêmen de seu noivo Johhny Quintana, morto por ataque cardíaco.  Ela, Gisela Marrero, obteve da corte do Bronx (NY, EUA), a autorização para a coleta.
Desde quando Corine Parplalaix  reivindicou junto à corte de Creteil (França), o sêmen de seu marido falecido, Alain, e por ela autorizada à inseminação (08/1984), iniciaram-se nos âmbitos ético e jurídico, as inquietantes peculiaridades dos seus efeitos, com debates a respeito. O principal deles, sem dúvida, é o da criança ser gerada em situação de orfandade.
Na terceira hipótese, a orfandade, mais das vezes, porém, é situação imposta em decorrência de culpa de terceiro, quando por acidentes de trabalho ou por atos de uma criminalidade não controlada, adequadamente, pelo Estado. Essa orfandade é a mais cruel e dramática, porquanto as anteriores decorrem, como observado, de projetos parentais que, via de consequência, asseguram a vida a quem poderia não ter vindo ao mundo.
No ponto, assinala-se que “maior a agonia de perder um pai, é a angústia de jamais ter podido conhecê-lo, de nunca ter recebido um gesto de carinho, enfim, de ser privado de qualquer lembrança ou contato, por mais remoto que seja, com aquele que lhe proporcionou a vida” (STJ – REsp. nº 931556, j. em 17.06.2008). Nessa toada, tem sido de há muito admitido, pelos tribunais nacionais, que o nascituro tem direitos a danos morais, pela morte do pai - consagrando-se a teoria concepcionista, - e sem distinção de valor indenizatório em relação aos filhos já nascidos.
Agora, na mesma latitude, em acórdão de 03 de abril corrente, a 2ª Seção do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal acaba por findar séria controvérsia jurisprudencial ao reconhecer que uma criança, hoje com sete anos, deva receber uma indenização de 20 mil euros por danos morais e mais 45 mil euros pela perda de alimentos, causados pela morte do pai que nunca chegou a conhecer. O julgado reformou decisão do Tribunal de Relação do Porto.
“Repugna ao mais elementar sentido de justiça – e viola o direito constitucional da igualdade – que dois irmãos, que sofrem a perda do mesmo progenitor, tenham tratamento jurídico diferenciado pela circunstância de um deles já ter nascido à data do falecimento do pai (tendo 16 meses de idade) e o outro ter nascido apenas 18 dias depois de tal acontecimento fatídico, reconhecendo-se a um e negando-se a outro, respectivamente, a compensação por danos não patrimoniais próprios decorrentes da morte do seu pai”, subscreve o Relator Álvaro Rodrigues (Proc. 436/07.6TBVRI.P1S1). A decisão invocou o art. 26º da Constituição Portuguesa, para dar uma interpretação não limitativa ou discriminativa ao art. 496º do Código Civil, superando, destarte, o art. 66º, II do mesmo estatuto civil. (Web: http://www.stj.pt/jurisprudencia/basedados).
Diante de indicadores sociais de mulheres grávidas que perderam os seus maridos, por mortes provocadas pela insegurança pública do Estado, impotente em preservar a vida do cidadão comum, segue-se, então, considerar, que os nascituros órfãos serão havidos filhos do Estado.  Com essa condição, merecedores de indenização civil, pela perda do pai e ao direito a uma vida digna, como a vida deve ser em sua dignidade existencial, indistintamente, a cada um.

JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

sábado, 12 de abril de 2014

SEMANA JURÍDICA. FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS (FMU).

Curso de Direito da FMU realiza Semana Jurídica

Evento acontecerá nos Campi Liberdade e Itaim Bibi e contará com a participação de importantes juristas

Fonte: http://portal.fisp.br/noticias/3687/curso-de-direito-da-fmu-realiza-semana-juridica.aspx.

Entre os dias 14 e 16 de abril, o curso de Direito do Complexo Educacional FMU promoverá “Semana Jurídica” que discutirá importantes temáticas da área. O evento contará com a participação de alunos, professores e especialistas do setor jurídico que apresentarão assuntos como a reforma do Código Penal, o sistema prisional, os aspectos jurídicos das missões de paz, o direito à educação, assédio moral nas relações de trabalho, entre outros relevantes aspectos da ciência jurídica.

A Semana acontecerá no auditório da Casa Metropolitana do Direito no Campus Liberdade, localizado na Avenida Liberdade, 749, e no auditório Roberto Campos do Campus Itaim Bibi, na Rua Iguatemi, 306.

Confira a programação completa:

Semana Jurídica

Auditório Roberto Campos – Campus Itaim Bibi

Manhã – 10h

14/04 - “A reforma do Código Penal e os direitos dos refugiados” – Prof. Dr. Manuel Nabais da Furriela, coordenador do curso de Relações Internacionais e docente do curso de Direito da FMU.

15/04 – “Assédio moral nas relações do trabalho” – Dra. Elisa Jacques , advogada.

16/04 – “Aspectos polêmicos do agravo de instrumento no Código de Processo Civil Atual, bem como no CPC Projetado” – Profa. Dra. Cristiane Druve Tavares Fagundes – advogada e docente dos cursos de Pós-Graduação lato sensu em Direito Processual.

Noite – 19h

14/04 – “Direitos Fundamentais e Controle Judicial das Políticas Públicas” – Dra. Julia Maria Plenamente Silva, procuradora do Estado de São Paulo e membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/SP.

15/04 – “Aspectos jurídicos das missões internacionais de paz” – Dra. Priscila Liane Fett Faganello, advogada e pesquisadora do Observatório de Direitos Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina.

16/04 – “O desafio do direito constitucional no século XXI” – Prof. Dr. Paulo Hamilton Siqueira Junior, advogado e docente dos cursos de Mestrado e Graduação em Direito da FMU.

Local: Rua Iguatemi, 306

Casa Metropolitana do Direito – Campus Liberdade

Manhã

14/04 – às 10h – “Novos Desafios do Direito de Família Brasileiro” – Dr. Flávio Tartuce

15/04 – às 10h – “Lei Anticorrupção, Lavagem de Dinheiro e ‘Criminal Compliance’” – Dr. Claudio José Langroiva Pereira

16/04 – às 10h – “Princípios Constitucionais do Direito Penal” – Deputado Fernando Capez

Noite

14/04

às 19h – “Direito à Educação na sociedade contemporânea: a formação do cidadão” – Dr. Lauro Luis Gomes Ribeiro

às 21h – “A autonomia privada de contratação: introdução ao direito civil constitucional” – Dr. Fábio Vieira Figueiredo

15/04

às 19h – “Judicialização dos Direitos Fundamentais” – Dra. Rosana Chiavassa

às 21h – “Sistema Prisional - Aspectos Relevantes” – Dr. Augusto Eduardo de Souza Rossini

16/04

às 19h – “Danos Morais nas relações de Trabalho” – Dr. Rogério Martir

às 21h – “Mesa redonda de debates: Temas atuais do Direito Tributário” – Dr. Edson Miranda

Local: Auditório da Casa Metropolitana do Direito – Avenida Liberdade, 749

ARTIGO DE JONES FIGUEIRÊDO ALVES. FAMÍLIAS MÚTUAS.



Famílias mútuas

A troca de bebês em maternidades, nascidos em mesmo dia, decorrente da ineficiência da administração hospitalar, tem provocado que famílias assumam como filhos os que são de outras, tendo-os, todavia, como verdadeiros filhos, ao fim e ao cabo da convivência familiar prolongada, em manifesta parentalidade socioafetiva.
As primeiras repercussões fáticas são danosas, quando a não semelhança física com os pais, permite “inconvenientes desconfianças” do cônjuge varão, que levam, em alguns casos, à separação judicial, ou à compreensão social do “filho de criação”; culminando, outrossim, com a realização de exames genéticos para a verificação da paternidade e, ao depois, a procura e identificação do filho biológico trocado.
As soluções subsequentes são a destroca dos filhos (em medida do possível) a retificação dos registros civis pessoais (com mudança dos prenomes) e as indenizações por danos morais (de caráter compensatório); quando, em bom rigor, as sequelas psicológicas são profundas, os fatos da vida se tornaram inexoráveis pelos danos existenciais causados, valendo, anotar, por essencial, os vínculos socioafetivos que jamais se desfazem.
A propósito, notável julgado da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco, onde relator o desembargador Erik de Sousa Dantas Simões, juiz decisor de primeiro grau o magistrado Glacidelson Antonio da Silva (1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Garanhuns; sentença em DJe. nº 123/2011, de 07.07.2011, pp. 1.182-1.185) e patrono dos autores o advogado Ivonaldo de Albuquerque Porto, confirmou a responsabilização civil estatal por troca de bebês, com o significativo de que ambas as famílias e os menores impúberes ajuizando, em conjunto, a ação indenizatória, permaneceram aqueles em companhia dos seus pais registrais, civis e sociafetivos, por inarredável situação consolidada de amor paterno-filial entre eles. (TJPE - DJe. nº 45/2014, de 10.03.2014, pp. 167-168). 
“Bem que fartos em amor, como natural, puderam ter em J.R.B.S.J., a satisfação de tê-lo amado como filho e continuarão a ama-lo como tal”, disseram os primeiros pais na petição inicial da ação proposta, o mesmo repetindo os segundos, em relação a L.F. de S.
Os bebês nasceram no mesmo dia (30.05.1998), no mesmo hospital, com uma diferença de apenas oito minutos, trocados na primeira hora, e somente sete anos depois (25.04.2005), tiveram, por exame genético, suas verdadeiras origens biológicas reveladas.
As decisões recíprocas dos pais afetivos, uns e outros, de mantê-los no lar original de cada um, onde foram criados e amados, ao tempo que exaltam a paternidade e maternidade socioafetivas fazem, em ato instante, uma cumplicidade inevitável com o destino deles, mormente quando, na hipótese, tudo evidencia uma desigualdade econômica das famílias envolvidas. Essa singularidade mais enaltece o triunfo do amor, cuja prevalência tem seguido precedentes dignificantes:
(i) o caso “Stanley e Jobson”, em Cruzeiro do Sul, no Acre, quando somente quinze anos depois (05.2013)  foi  descoberta a troca, mantiveram-se os jovens com suas genitoras afetivas, decidindo ambas as famílias estabelecer encontros para a dinâmica de convivência entre os filhos e as mães biológicas Maria Lúcia Bezerra e Ana Cláudia Ramos;  (ii) o caso “Franciele e Danielle”, em Foz do Iguaçu, no Paraná, quando trocadas em maternidade (23.10.1995), o que somente constatado sete depois, decidiram também as famílias em não desfazer a troca, morarem próximas, tornando-se duas famílias unidas.
Em situações que tais, recolhem-se esses fatos da vida como elementos indutores ao surgimento determinante do que ora se denomina de “famílias mútuas”. Famílias mútuas serão aquelas, portanto, que se apresentam formadas por mães e pais que assumindo, efetivamente, a socioafetividade parental de seus filhos, que lhes foram remetidos pelo destino, desde o berço trocado, não deixam, todavia, de proteger o vinculo biológico com os seus filhos consanguíneos em poder de outra família, cuja permanência ali se oferece como ditame da mesma socioafetividade preordenada.
Há um outro dignificante exemplo, no caso russo da família Belyaeva, quando sua filha Anya foi trocada por Irina, filha de uma família muçulmana, a do tadjique Naimat Iskanderov, tendo o tribunal de Kopeisk, nos montes Urais, condenado o hospital a uma indenização de U$ 100 mil (2011). As duas famílias, independente de tradições, costumes e religião diferentes, decidiram utilizar a indenização para possibilitar residências próximas ou até uma moradia multifamiliar, para as crianças crescerem juntas com todos os pais.
Anota-se que a troca de bebês em maternidades, notadamente públicas, tem sido um fenômeno crescente, não obstante medidas de segurança, normas internas ou municipais e a tímida tipificação penal referida pelo art. 229 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no atinente à correta identificação do neonato e da parturiente, por ocasião do parto. Os julgamentos dos tribunais brasileiros, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, têm sido frequentes, a assinalar a responsabilização civil por ilicitudes dessa espécie.
No caso mais recente, anota-se com louvor que, para além da condenação do Estado de Pernambuco à indenização no valor de R$ 300 mil por danos morais para todos os autores (pais e filhos), foi acrescida a obrigação de o Estado fornecer tratamento psicológico a todos eles, pelo prazo de dois anos.
No ponto, tenha-se por refletir da impostergável construção jurídica do instituto do “pensionamento por dano existencial”, de prazo determinado ou permanente, em moldura jurídica equipotente à do “pensionamento por morte”, do art. 948, I, do Código Civil; ou seja, uma “pensão civil por dano” destinada a suprir não apenas as despesas necessárias de tratamento psicológico de suporte às situações de adequação supervenientes ao ilícito mas, sobremodo, as despesas advenientes e dirigidas à uma dinâmica de convivência dos pais com os filhos biológicos que permaneçam na família socioafetiva preestabelecida.
De efeito, há que se incluir na doutrina e na jurisprudência, o abrigo jurídico mais apropriado a reger as situações de vida onde as famílias mútuas, surgidas pela prevalência do afeto, edificam presença eloquente de dignidade. São exemplos de multiparentalidade, no entrelace de fatos, que a ordem jurídica, por certo, também haverá de, sem submissão a dogmas, necessariamente contemplar.  Quando separadas por troca, em Rio Verde (Goiás), há vinte e seis anos atrás, as gêmeas Kátia Sousa e Juliana Flausina, descobriram-se irmãs, em ocasião que foram trabalhar na mesma loja de sapatos, o destino orienta que o direito deve compreender melhor a vida.

JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

sexta-feira, 11 de abril de 2014

RESUMO. INFORMATIVO 537 DO STJ.




DIREITO CIVIL. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA DE OBRIGAÇÃO POSITIVA, LÍQUIDA E COM TERMO CERTO.  Em ação monitória para a cobrança de débito decorrente de obrigação positiva, líquida e com termo certo, deve-se reconhecer que os juros de mora incidem desde o inadimplemento da obrigação se não houver estipulação contratual ou legislação específica em sentido diverso. De início, os juros moratórios são os que, nas obrigações pecuniárias, compensam a mora, para ressarcir o credor do dano sofrido em razão da impontualidade do adimplemento. Por isso, sua disciplina legal está inexoravelmente ligada à própria configuração da mora. É importante destacar que, por se tratar de direito disponível, as partes podem convencionar o percentual dos juros de mora e o seu termo inicial, hipótese em que se fala em juros de mora contratual. Quando, porém, não há previsão contratual quanto a juros, ainda assim o devedor estará obrigado ao pagamento de juros moratórios, mas na forma prevista em lei (juros legais). Quanto ao aspecto legal, o CC estabelece, como regra geral, que a simples estipulação contratual de prazo para o cumprimento da obrigação já dispensa, uma vez descumprido esse prazo, qualquer ato do credor para constituir o devedor em mora. Aplica-se, assim, o disposto no art. 397 do CC, reconhecendo-se a mora a partir do inadimplemento no vencimento (dies interpellat pro homine) e, por força de consequência, os juros de mora devem incidir também a partir dessa data. Assim, nos casos de responsabilidade contratual, não se pode afirmar que os juros de mora devem sempre correr a partir da citação, porque nem sempre a mora terá sido constituída pela citação. O art. 405 do CC (“contam-se os juros de mora desde a citação inicial"), muitas vezes empregado com o objetivo de fixar o termo inicial dos juros moratórios em qualquer hipótese de responsabilidade contratual, não se presta a tal finalidade. Geograficamente localizado em Capítulo sob a rubrica "Das Perdas e Danos", esse artigo disciplinaria apenas os juros de mora que se vinculam à obrigação de pagar perdas e danos. Ora, as perdas e danos, de ordinário, são fixadas apenas por decisão judicial. Nesse caso, a fixação do termo inicial dos juros moratórios na data da citação se harmoniza com a regra implícita no art. 397, caput, de que nas obrigações que não desfrutam de certeza e liquidez, a mora é ex persona, ou seja, constitui-se mediante interpelação do credor. Precedentes citados: REsp 1.257.846-RS, Terceira Turma, DJe 30/4/2012; e REsp 762.799-RS, Quarta Turma, DJe 23/9/2010. EREsp 1.250.382-PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 2/4/2014.

DIREITO CIVIL. UTILIZAÇÃO DA TABELA DO CNSP NA DEFINIÇÃO DO VALOR DE INDENIZAÇÃO PAGA PELO SEGURO DPVAT. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). Em caso de invalidez permanente parcial de beneficiário de Seguro DPVAT, é válida a utilização de tabela do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) para se estabelecer proporcionalidade entre a indenização a ser paga e o grau da invalidez, na hipótese de sinistro anterior a 16/12/2008; o que não impede o magistrado de, diante das peculiaridades do caso concreto, fixar indenização segundo outros critérios. Inicialmente, cumpre afirmar o entendimento – consolidado, inclusive, na Súmula 474 do STJ – de que, em caso de invalidez permanente parcial do beneficiário, a indenização do seguro DPVAT será paga de forma proporcional ao grau da invalidez (e não integral). De fato, o art. 3º, “b”, da Lei 6.194/1974 – que dispõe sobre o DPVAT – estabelecia, até a entrada em vigor da Lei 11.482/2007, um teto de quarenta salários mínimos para a indenização por invalidez permanente parcial, mas não definia a forma de cálculo dessa indenização proporcional nesse caso, havendo, no art. 12 da Lei 6.194/1974, apenas remissão genérica à existência de normas do CNSP. Nessa conjuntura, houve controvérsia na jurisprudência em relação à possiblidade de utilização de normas do CNSP, já que as tabelas do CNSP não possuem status de lei ordinária. Posteriormente, a Lei 8.441/1992 incluiu o § 5º no art. 5º da Lei 6.194/1974, de modo que, a partir de então, a proporcionalidade da indenização seria calculada “de acordo com os percentuais da tabela das condições gerais de seguro de acidente suplementada” e, “nas restrições e omissões desta, pela tabela de acidentes do trabalho e da classificação internacional das doenças”. Ocorre que, como essas tabelas também não estavam previstas em lei, a alteração legislativa não foi suficiente para encerrar a controvérsia estabelecida na jurisprudência. Apenas em 16/12/2008, entrou em vigor a MP 451/2008 (posteriormente convertida na Lei 11.945/2009), que inseriu no texto da Lei 6.194/1974, em anexo, uma tabela acerca do cálculo da indenização em análise. Além disso, incluiu-se no art. 3º da Lei 6.194/1974 o § 1º, segundo o qual “No caso da cobertura de que trata o inciso II do caput deste artigo [ou seja, no caso de invalidez permanente parcial], deverão ser enquadradas na tabela anexa a esta Lei as lesões diretamente decorrentes de acidente e que não sejam suscetíveis de amenização proporcionada por qualquer medida terapêutica [...]”. Dessa forma, com a inclusão da aludida tabela na própria Lei 6.194/1974, encerrou-se a polêmica acerca dos critérios para o cálculo da indenização proporcional em relação aos acidentes de trânsito ocorridos posteriormente à entrada em vigor da MP 451/2008 (posteriormente convertida na Lei 11.945/2009). Entretanto, no tocante aos acidentes de trânsito ocorridos anteriormente à MP 451/2008, persistiu a controvérsia jurisprudencial. Nesse contexto, no tocante à possibilidade de utilização de tabela do CNSP para se estabelecer proporcionalidade entre a indenização a ser paga pelo seguro e o grau da invalidez na hipótese de sinistro anterior a 16/12/2008 (data da entrada em vigor da Medida Provisória 451/2008), observa-se que a declaração de invalidade da tabela não é a melhor solução para a controvérsia, pois a ausência de percentuais previamente estabelecidos para o cálculo da indenização causaria grande insegurança jurídica, uma vez que o valor da indenização passaria a depender exclusivamente de um juízo subjetivo do magistrado. Além disso, os valores estabelecidos pela tabela para a indenização proporcional pautam-se por um critério de razoabilidade em conformidade com a gravidade das lesões corporais sofridas pela vítima do acidente de trânsito. De mais a mais, o CNSP, em razão do art. 7º do Decreto-Lei 73/1966 – segundo o qual “Compete privativamente ao Governo Federal formular a política de seguros privados, legislar sobre suas normas gerais e fiscalizar as operações no mercado nacional” –, ainda detém competência normativa, que, aliás, foi recepcionada pela CF/1988. Tese firmada para fins do art. 543-C do CPC: “Validade da utilização de tabela do CNSP para se estabelecer a proporcionalidade da indenização ao grau de invalidez, na hipótese de sinistro anterior a 16/12/2008, data da entrada em vigor da Medida Provisória 451/08”. Precedentes citados: REsp 1.101.572-RS, Terceira Turma, DJe 25/11/2010; e AgRg no REsp 1.298.551-MS, Quarta Turma, DJe 6/3/2012. REsp 1.303.038-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/3/2014.

DIREITO EMPRESARIAL. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS EM CONTRATOS DE CRÉDITO RURAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008 DO STJ). A legislação sobre cédulas de crédito rural admite o pacto de capitalização de juros em periodicidade inferior à semestral. Diante da pacificação do tema, publicou-se a Súmula 93 do STJ, segundo a qual “a legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros". Assim, nas cédulas de crédito rural, industrial e comercial, a capitalização semestral dos juros possui autorização ex lege, não dependendo de pactuação expressa, a qual, por sua vez, é necessária para a incidência de juros em intervalo inferior ao semestral. Essa disciplina não foi alterada pela MP 1.963-17, de 31/3/2000. Com efeito, há muito é pacífico no STJ o entendimento de que, na autorização contida no art. 5º do Decreto-Lei 167⁄1967, inclui-se a permissão para a capitalização dos juros nas cédulas de crédito rural, ainda que em periodicidade mensal, desde que pactuada no contrato (“as importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros às taxas que o Conselho Monetário Nacional fixar e serão exigíveis em 30 de junho e 31 de dezembro ou no vencimento das prestações, se assim acordado entre as partes; no vencimento do título e na liquidação, por outra forma que vier a ser determinada por aquele Conselho, podendo o financiador, nas datas previstas, capitalizar tais encargos na conta vinculada a operação”). A autorização legal está presente desde a concepção do título de crédito rural pela norma específica, que no particular prevalece sobre o art. 4º do Decreto 22.626⁄1933 (Lei de Usura), e não sofreu qualquer influência com a edição da MP 1.963-17⁄2000 (2.170-36⁄2001). REsp 1.333.977-MT, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 26/2/2014.

DIREITO DO CONSUMIDOR. DANO MORAL DECORRENTE DA PRESENÇA DE CORPO ESTRANHO EM ALIMENTO. A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral. A lei consumerista protege o consumidor contra produtos que coloquem em risco sua segurança e, por conseguinte, sua saúde, integridade física, psíquica, etc. Segundo o art. 8º do CDC, “os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores”. Tem-se, assim, a existência de um dever legal, imposto ao fornecedor, de evitar que a saúde ou segurança do consumidor sejam colocadas sob risco. Vale dizer, o CDC tutela o dano ainda em sua potencialidade, buscando prevenir sua ocorrência efetiva (o art. 8º diz “não acarretarão riscos”, não diz necessariamente “danos”). Desse dever imposto pela lei, decorre a responsabilidade do fornecedor de “reparar o dano causado ao consumidor por defeitos decorrentes de [...] fabricação [...] de seus produtos” (art. 12 do CDC). Ainda segundo o art. 12, § 1º, II, do CDC, “o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera [...], levando-se em consideração [...] o uso e os riscos” razoavelmente esperados. Em outras palavras, há defeito – e, portanto, fato do produto – quando oferecido risco dele não esperado, segundo o senso comum e sua própria finalidade. Assim, na hipótese em análise, caracterizado está o defeito do produto (art. 12 do CDC), o qual expõe o consumidor a risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em clara infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º do CDC. Diante disso, o dano indenizável decorre do risco a que fora exposto o consumidor. Ainda que, na espécie, a potencialidade lesiva do dano não se equipare à hipótese de ingestão do produto contaminado (diferença que necessariamente repercutirá no valor da indenização), é certo que, mesmo reduzida, também se faz presente na hipótese de não ter havido ingestão do produto contaminado. Ademais, a priorização do ser humano pelo ordenamento jurídico nacional exige que todo o Direito deva convergir para sua máxima tutela e proteção. Desse modo, exige-se o pronto repúdio a quaisquer violações dirigidas à dignidade da pessoa, bem como a responsabilidade civil quando já perpetrados os danos morais ou extrapatrimoniais. Nessa linha de raciocínio, tem-se que a proteção da segurança e da saúde do consumidor tem, inegavelmente, cunho constitucional e de direito fundamental, na medida em que esses valores decorrem da especial proteção conferida à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Cabe ressaltar que o dano moral não mais se restringe à dor, à tristeza e ao sofrimento, estendendo sua tutela a todos os bens personalíssimos. Em outras palavras, não é a dor, ainda que se tome esse termo no sentido mais amplo, mas sua origem advinda de um dano injusto que comprova a existência de um prejuízo moral ou imaterial indenizável. Logo, uma vez verificada a ocorrência de defeito no produto, a afastar a incidência exclusiva do art. 18 do CDC à espécie (o qual permite a reparação do prejuízo material experimentado), é dever do fornecedor de reparar também o dano extrapatrimonial causado ao consumidor, fruto da exposição de sua saúde e segurança a risco concreto e da ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. REsp 1.424.304-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/3/2014.

DIREITO DO CONSUMIDOR. PRAZO DE PRESCRIÇÃO EM CASO DE DANO PESSOAL DECORRENTE DE DANO AMBIENTAL. Conta-se da data do conhecimento do dano e de sua autoria – e não da data em que expedida simples notificação pública a respeito da existência do dano ecológico – o prazo prescricional da pretensão indenizatória de quem sofreu danos pessoais decorrentes de contaminação de solo e de lençol freático ocasionada por produtos utilizados no tratamento de madeira destinada à fabricação de postes de luz. Apesar da natural ênfase conferida aos vários aspectos do dano ambiental, trata-se, também, de um acidente de consumo, que se enquadra simultaneamente nos arts. 12 (fato do produto) e 14 do CDC (fato do serviço). Com efeito, os postes de luz constituem um insumo fundamental para a distribuição de energia elétrica aos seus consumidores, sendo que a contaminação ambiental decorreu exatamente dos produtos utilizados no tratamento desses postes. Se o dano sofrido pelos consumidores finais tivesse sido um choque provocado por uma descarga elétrica, não haveria dúvida acerca da incidência do CDC. Ocorre que a regra do art. 17 do CDC, ampliando o conceito básico de consumidor do art. 2º, determina a aplicação do microssistema normativo do consumidor a todas as vítimas do evento danoso, protegendo os chamados bystandars, que são as vítimas inocentes de acidentes de consumo. Esse fato, de um lado, constitui fato do produto (art. 12), em face das substâncias químicas utilizadas, e, de outro lado, apresenta-se também como fato do serviço (art. 14), pois o tratamento dos postes de luz liga-se ao serviço de distribuição de energia elétrica. Consequentemente, a prescrição é regulada pela norma do art. 27 do CDC, que estabelece um prazo de cinco anos, flexibilizando o seu termo inicial. Precedente citado: REsp 1.346.489-RS, Terceira Turma, DJe 26/8/2013. AgRg no REsp 1.365.277-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 20/2/2014.

DIREITO CIVIL. DISPENSABILIDADE DA EMISSÃO DA APÓLICE PARA O APERFEIÇOAMENTO DO CONTRATO DE SEGURO. A seguradora de veículos não pode, sob a justificativa de não ter sido emitida a apólice de seguro, negar-se a indenizar sinistro ocorrido após a contratação do seguro junto à corretora de seguros se não houve recusa da proposta pela seguradora em um prazo razoável, mas apenas muito tempo depois e exclusivamente em razão do sinistro. Isso porque o seguro é contrato consensual e aperfeiçoa-se tão logo haja manifestação de vontade, independentemente da emissão da apólice, que é ato unilateral da seguradora, de sorte que a existência da relação contratual não poderia ficar a mercê exclusivamente da vontade de um dos contratantes, sob pena de se ter uma conduta puramente potestativa, o que é vedado pelo art. 122 do CC. Ademais, o art. 758 do CC não confere à emissão da apólice a condição de requisito de existência do contrato de seguro, tampouco eleva esse documento ao degrau de prova tarifada ou única capaz de atestar a celebração da avença. Além disso, é fato notório que o contrato de seguro é celebrado, na prática, entre corretora e segurado, de modo que a seguradora não manifesta expressamente sua aceitação quanto à proposta, apenas a recusa ou emite a apólice do seguro, enviando-a ao contratante juntamente com as chamadas condições gerais do seguro. A propósito dessa praxe, a própria SUSEP disciplinou que a ausência de manifestação por parte da seguradora, no prazo de quinze dias, configura aceitação tácita da cobertura do risco, conforme dispõe o art. 2º, caput e § 6º, da Circular SUSEP 251/2004. Com efeito, havendo essa prática no mercado de seguro, a qual, inclusive, recebeu disciplina normativa pelo órgão regulador do setor, há de ser aplicado o art. 432 do CC, segundo o qual, “se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa”. Na mesma linha, o art. 111 do CC preceitua que “o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”. Assim, na hipótese ora analisada, tendo o sinistro ocorrido efetivamente após a contratação junto à corretora de seguros, se em um prazo razoável não houver recusa da seguradora, há de se considerar aceita a proposta e plenamente aperfeiçoado o contrato. De fato, é ofensivo à boa-fé contratual a inércia da seguradora em aceitar expressamente a contratação, vindo a recusá-la somente depois da notícia de ocorrência do sinistro. REsp 1.306.364-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/3/2014.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PRISÃO CIVIL DE ADVOGADO. O advogado que tenha contra si decretada prisão civil por inadimplemento de obrigação alimentícia tem direito a ser recolhido em prisão domiciliar na falta de sala de Estado Maior, mesmo que Delegacia de Polícia possa acomodá-lo sozinho em cela separada. Na esfera penal, a jurisprudência é uníssona quanto a ser garantida ao advogado a permanência em sala de Estado Maior e, na falta dessa, o regime domiciliar. Se, quando é malferido um bem tutelado pelo direito penal, permite-se ao advogado acusado o recolhimento em sala de Estado Maior, a lógica adotada no ordenamento jurídico impõe seja estendido igual direito ao advogado que infringe uma norma civil, porquanto, na linha do regramento lógico, "quem pode o mais, pode o menos". Ainda que as prisões tenham finalidades distintas, não se mostra razoável negar esse direito a infrator de obrigação cível, por mais relevante que seja, uma vez que, na escala de bens tutelados pelo Estado, os abrangidos pela lei penal são os mais relevantes à sociedade. Em última análise, trata-se de direito a regime adequado de cumprimento de mandado de segregação. Discute-se, pois, um corolário do direito de locomoção integrante do núcleo imutável da Constituição, tema materialmente constitucional a impor, portanto, interpretação que não restrinja o alcance da norma. Assim, se o legislador, ao disciplinar os direitos do advogado, entendeu incluir no rol o de "não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e na sua falta, em prisão domiciliar" (art. 7º, V, da Lei 8.906/1994), não cabe ao Poder Judiciário restringi-lo somente aos processos penais. Uma "cela", por sua própria estrutura física, não pode ser equiparada a "Sala de Estado Maior" (STF, Rcl 4.535-ES, Tribunal Pleno, DJe 15/6/2007), e a prisão domiciliar não deve ser entendida como colocação em liberdade, ainda que, na prática, se possa verificar equiparação. Eventual deficiência no controle do confinamento pelo Poder Público não pode servir de fundamento para afastar a aplicação de qualquer direito, submetendo-se o titular a regime mais severo de privação da liberdade por conta da omissão estatal. HC 271.256-MS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/2/2014.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

ABANDONO AFETIVO. STJ NÃO JULGA O MÉRITO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

Por maioria, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o cabimento dos embargos de divergência em recurso especial contra decisão da Terceira Turma que concedeu indenização de dano moral a uma filha, por ter sido vítima de abandono afetivo por parte do pai.

Com isso, fica mantida a decisão anterior no caso, que admitiu a compensação à filha, no valor de R$ 200 mil, em razão do abandono afetivo.

O valor foi fixado em 2012, quando a Terceira Turma, seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, reconheceu a possibilidade de ser concedida a indenização. Naquele julgamento, a Turma diferenciou a obrigação jurídica de cuidar, como dever de proteção, de uma inexistente obrigação de amar.

A Turma apenas ajustou o valor da condenação que havia sido imposta pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), baixando a compensação de R$ 400 mil para R$ 200 mil.

Divergência

Como em 2005 a Quarta Turma do STJ, que também julga matérias de direito de família, havia negado o cabimento desse tipo de indenização, o pai apresentou embargos de divergência no recurso especial.

Esse tipo de recurso serve para uniformizar o entendimento do tribunal sobre uma mesma tese jurídica, de forma a ser aplicado o mesmo direito ao mesmo fato. Por isso, o julgamento dos embargos é de responsabilidade do colegiado que reúne os membros das duas Turmas especializadas no tema – no caso, a Segunda Seção.

Porém, ao analisar as decisões supostamente conflitantes, a maioria dos ministros da Seção entendeu que elas não podem ser comparadas.

Conforme os ministros, a decisão da Terceira Turma ressalvou expressamente a peculiaridade do caso julgado pelo TJSP, de forma que o precedente não serve para debate de uma tese jurídica mais geral.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

terça-feira, 8 de abril de 2014

Artigo do Ministro Luis Felipe Salomão sobre abandono afetivo.



STJ vai uniformizar jurisprudência sobre abandono afetivo

Por Luiz Felipe Salomão. Ministro do Superior Tribunal de Justiça.
Fonte: Site Consultor Jurídico. 8 de abril de 2014. 
Abandono afetivo é termo hoje encontrado com relativa frequência no âmbito forense e nos mais variados manuais de direito de família.
 Em resumo, consiste na indiferença afetiva dispensada por um genitor a sua prole, um desajuste familiar que sempre existiu na sociedade e, decerto, continuará a existir, desafiando soluções de terapeutas e especialistas.
 O que é relativamente recente, contudo, é a transferência dessa contenda própria do ambiente familiar para as salas de audiências e tribunais país afora, essencialmente sob a forma de indenizações pecuniárias buscadas pelo filho em face do pai, ao qual se imputa o ilícito de não comparecer aos atos da vida relacionados ao desenvolvimento social e psíquico de seu descendente.
 O Superior Tribunal de Justiça terá a inédita oportunidade de uniformizar o entendimento acerca do tema por ocasião do julgamento dos EREsp 1.159.242/SP, de relatoria do eminente ministro Marco Buzzi, previsto para esta quarta-feira (9/4), na 2ª Seção - Direito Privado.
 A primeira vez em que a corte deliberou sobre o tema foi no julgamento do REsp 757.411/MG, relatado pelo ministro Fernando Gonçalves. O caso foi julgado pela 4ª Turma, no dia 29 de novembro de 2005, tendo aquele Colegiado, por maioria de votos, sufragado a tese de ser incabível a indenização por abandono afetivo.
 O voto condutor apoiou-se em dois fundamentos: a) a consequência jurídica do abandono e do descumprimento dos deveres de sustento, guarda e educação é a destituição do poder familiar (artigo 24 do Estatuto da Criança e Adolescente e artigo 1.638, inciso II, do Código Civil), não havendo espaço para a compensação pecuniária pela desafeição; b) a condenação ao pagamento de indenização, na contramão dos mais nobres propósitos imagináveis, consubstanciaria exatamente o sepultamento da mínima chance de aproximação entre pai e filho, seja no presente ou futuro.
 Essa tese foi reafirmada por ocasião do julgamento do REsp 514.350/SP, relatado pelo ministro Aldir Passarinho Junior, na 4ª Turma, em 28 de abril de 2009.
 Porém, no primeiro semestre de 2012, a 3ª Turma abraçou entendimento contrário, tendo sido acolhida a possibilidade de indenização do abandono afetivo (REsp 1.159.242/SP, relatado pela ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 24 de abril de 2012). A ilustrada relatora, no que foi acompanhada pela maioria dos demais integrantes do colegiado, consignou que o chamado abandono afetivo constitui descumprimento do dever legal de cuidado, criação, educação e companhia, presente, implicitamente, no artigo 227 da Constituição Federal, omissão que caracteriza ato ilícito passível de compensação pecuniária. Utilizando-se de fundamentos psicanalíticos, a eminente relatora afirmou a tese de que tal sofrimento imposto a prole deve ser compensado financeiramente.
 Diante do dissídio jurisprudencial entre as 3ª e 4ª Turma do mesmo Tribunal, a Segunda Seção do STJ apreciará os embargos de divergência (EREsp 1.159.242/SP).
 O julgamento é importante e realça o papel do Tribunal da Cidadania, no sentido de uniformizar a jurisprudência nacional como último intérprete da lei federal.
 Certamente, ambas as posições têm seus pontos virtuosos e merecem detida reflexão.

A professora Maria Berenice Dias foi no cerne da questão: “os grande desafio dos dias de hoje é descobrir o toque diferenciador das estruturas interpessoais que permita inseri-las em um conceito mais amplo de família. Esse ponto de identificação é encontrado no vínculo afetivo”.
 A posição quanto a não indenização tangencia pontos sensíveis acerca do tema, notadamente a indesejável intervenção do Estado na família e a desjudicialização das relações sociais.
 Em outras palavras, o direito de família deve observar uma principiologia de intervenção mínima neste campo — pois envolvem bens especialmente protegidos pela Constituição, como a intimidade e a vida privada —, erguidos como elementos constitutivos do refúgio impenetrável da pessoa e que, por isso mesmo, podem ser opostos à coletividade e ao próprio Estado.
 Finalmente, a migração para os tribunais de temas antes circunscritos ao ambiente familiar merece mesmo reflexão não somente de juristas, mas de terapeutas e cientistas sociais, como forma de análise da família no contexto do novo milênio.
 Assim, realizada essa breve abordagem acerca das posições contrária e favorável da indenizabilidade do abandono afetivo, é mesmo hora propícia para que o Superior Tribunal de Justiça uniformize a jurisprudência sobre esse delicado tema.
 De toda sorte, independentemente da conclusão a ser obtida no julgamento dos EREsp 1.159.242/SP, o debate ora estabelecido parece, de fato, confirmar que a chamada “modernidade líquida”, segundo Bauman, promove uma progressiva eliminação da "divisão, antes sacrossanta, entre as esferas do 'privado' e do 'público' no que se refere à vida humana”.


sexta-feira, 4 de abril de 2014

ARTIGO DE JONES FIGUEIRÊDO ALVES. NOVO CPC E FAMÍLIA.



Novo CPC e Família. 

O projeto do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Câmara dos Deputados (26.03.2014), apresenta importantes inovações para a eficiência da jurisdição e a efetividade dos julgados e, designadamente, também propõe significativos avanços para a área de família. 
Anota-se, porém, que malgrado a supressão, no texto senatorial, sobre as ações de separação judicial (litigiosas ou não), por identidade lógico-constitucional com a Emenda Constitucional nº 66, quando conforme a melhor doutrina fez extinguir aquelas, o projeto analisado pela Câmara dos Deputados agora reedita a existência das referidas ações, ao tratá-las no art. 746.
Antes de mais, importa dizer que o novo CPC traduz, com eficiência, os anseios de modernidade do processo civil de família, onde:
(i) todos os esforços de desfecho devem ser empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxilio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. No ponto, consagra-se a necessária interdisciplinaridade, acentuada nas ações de família (artigo 709); (ii) o Ministério Público somente intervirá quando houver interesse de incapaz (art. 713); (iii) o juiz decisor atuará sempre com dicção voltada a proferir a garantia e efetividade de direitos fundamentais.
Para além disso cumpre referir, com boa nota, outras significativas mudanças que o Código de Processo Civil projetado apresenta para o direito de família e sua operacionalidade, a exemplo:
(i) assinatura digital dos juízes, a ensejar uma maior ação de presença para decisões-instantes, onde quer o magistrado se encontre; (ii) Livros específicos destinados à Parte Geral do Código de Processo Civil, tal como sucede com o moderno Código Civil; (iii) capítulo, no Livro I da Parte Geral, que trata dos Princípios e das Garantias Fundamentais do Processo Civil, permitindo, de tal diretiva, um permanente elo e consequente diálogo de fontes entre os direitos e garantias individuais elencados na Constituição de 1988 e a aplicação deles no processo civil; (iv) a disciplina do instituto da Tutela da Evidência, para os fins de medidas satisfativas que visam a antecipar ao autor, no todo ou em parte, os efeitos da tutela pretendida, tal como sucede com a atual Tutela da Urgência, também disciplinada; (v) um procedimento estabelecido em lei, pela primeira vez, para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, cabível em todas as fases processuais, importando seus reflexos para a desconsideração inversa com atenção ao patrimônio dos cônjuges e efetiva defesa protetiva da meação; (vi) uma maior dinâmica sucumbencial, quando os honorários advocatícios passam a ser devidos também em pedidos contrapostos, no cumprimento de sentença, na execução resistida ou não, e nos recursos interpostos, de forma cumulativa; (vii) o emprego da conhecida técnica da distribuição dinâmica do ônus da prova, amplamente consagrada pela doutrina e moderna jurisprudência do STJ.
Pois bem. Na seara do direito de família processual, o novo Código de Processo Civil tem seu projeto indicando novos avanços, convindo assinalar, dentre outros, os seguintes:
Procedimento especial – Cria-se, por imprescindível, um procedimento especial para as ações de família, que contém algumas especificidades importantes. Exemplo marcante é o da citação desacompanhada de cópia da petição inicial (art. 710 § 1º), tudo a conferir maior possibilidade de êxito na mediação e conciliação do conflito familiar, em audiência própria. No entanto, fica a ressalva de ser assegurado ao réu o direito de examinar o conteúdo da inicial a qualquer tempo. O procedimento especial para as ações de família está referido pelos artigos 708 a 714 do projeto.
Alienação Parental - Pela primeira vez, aparecerá no Código de Processo Civil a referência à alienação parental. No art. 714 do projeto, é previsto que quando a causa envolver a discussão sobre fatos relacionados a abuso ou alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá fazê-lo acompanhado por especialista.
Considere-se, todavia, que melhor seria para efeito de disciplina da arguição, que esta fosse resolvida como incidente do processo, a ser dirimido com um procedimento mais amplo e eficiente, a tanto ensejar providencias específicas; salvo quando a invocação se constituir, efetivamente, como causa de pedir, em face da pretensão deduzida em juízo. De todo modo, registra-se que os processos de família envolvendo imputação de alienação parental, merecem tratamento específico, nomeadamente pela gravidade do tema. O mesmo pode-se afirmar para as ações de destituição do poder familiar, que estão a exigir um procedimento especial próprio,.
Mediação – A disciplina da conciliação e da mediação (artigos 166 a 176 do novo CPC) aperfeiçoa os institutos, buscando, através deles, empreender mecanismos mais eficazes para a resolução consensual de conflitos. O projeto estabelece os princípios que regem a mediação e a conciliação, observando os parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, para a formação dos conciliadores e mediadores (Resolução nº 125). Com efeito, o juiz, a requerimento das partes, poderá determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar (art. 709, § único). Assinala-se, ainda, que a audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução processual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito (art. 711).
Atendimento multidisciplinar – A figura do atendimento multidisciplinar dos litigantes, envolvendo profissionais de outras áreas de conhecimento como psicólogos, psicoterapeutas, pedagogos e assistentes sociais, aparece pioneira  no CPC projetado, no efeito de servir à hipótese de suspensão do processo, enquanto os litigantes a ele se submetam. Assim, importa urgente que os juízes de família estabeleçam paradigmas para o atendimento multidisciplinar, sempre que este novo instituto jurídico, em direito de família processual, seja necessário ou conveniente.
Parte convivente – Dentre os requisitos da petição inicial (art. 320) está prevista a necessidade de indicação da existência ou não de união estável por quem demanda ou por quem seja demandado (inciso II), quando se refere à qualificação das partes. Afinal, cuidará o novo CPC, de admitir, por via de consequência, a união estável como um estado civil, como temos de há muito sustentado.
Efetividade - O aperfeiçoamento de mecanismos para a efetividade dos julgados é uma expressão marcante da política judiciária trazida pelo projeto do novo Código de Processo Civil. A tanto, introduz-se dispositivo que prevê a possibilidade de ser levada a protesto a sentença judicial transitada em julgado (art. 531), “servindo como um ótimo meio para forçar ou estimular o pagamento de valores decorrentes de condenação judicial transitada em julgado”.  Demais disso, registra-se o novo regramento da hipoteca judiciária, com as previsões expressas do direito de preferência e o regime de responsabilidade civil em favor de quem a hipoteca é constituída.
No mais, “altera-se a redação de alguns dispositivos para deixar claro que podem ser executadas as sentenças que preveem o direito a uma prestação, não se restringindo apenas à sentença condenatória”.
Alimentos e Execução - O projeto do CPC adota, em linhas gerais, o sistema da execução de prestação alimentícia que já havia sido previsto pelo Estatuto das Famílias, proposta legislativa do IBDFAM. Além dos mecanismos de prisão civil, a possibilidade de protesto de dívidas alimentares no caso de inadimplência do devedor.  Esgotado o prazo de cumprimento voluntário, o devedor poderá ter o nome inscrito nos sistemas de bases de dados de proteção ao crédito. Vejamos, então:
A regra do novo artigo 542 do CPC projetado, para efeito do cumprimento da sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos ou da decisão que fixar alimentos, para além de determinar, a requerimento do credor exequente, que seja o devedor executado, intimado pessoalmente a pagar o débito em três dias, dispõe no sentido que o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no artigo 531. Ou seja, a dívida alimentar impaga será levada, necessariamente, a protesto, figurando a sentença ou a decisão judicial como títulos executivos, nesse fim, ao tempo em que executada a dívida. A seu turno, o reportado artigo 531 do projeto agora aprovado pela Câmara estabelece que “a decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no artigo 537” (ou seja, o que quinze dias).
Esse novo modelo que alia a execução alimentar a outros instrumentos de coercibilidade, a par de se constituir em uma das mais expressivas inovações do CPC, tem precedente em importantes instrumentos normativos já disponibilizados na justiça brasileira.
Não custa lembrar o pioneiro Provimento nº 03/2008, de 11.09.2008, do Conselho da Magistratura de Pernambuco (DOPJ de 17.09.2008), dispondo sobre o protesto de decisões irrecorríveis acerca de alimentos provisórios ou provisionais ou de sentença transitada em julgado, em sede de ação de alimentos.
De nossa iniciativa, quando presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, o provimento editado considerou, então, que o instituto do protesto, contemplado na Lei federal nº 9.492, de 10.09.1997, em albergando títulos e documentos de dívida (art. 1º), alcançava, por corolário lógico, todas as situações jurídicas originadas em documentos que representem dívida liquida e certa. Segue-se, daí, entender que, “o protesto, sob o prisma do binômio celeridade/efetividade, materializa medida viável e satisfatória ao forçoso cumprimento de decisões judiciais”, no âmbito das dívidas alimentares.
O provimento assinalou que a “obrigação alimentar constitui um instrumento de viabilização da vida com dignidade, conquanto objetiva assegurar meios essenciais de subsistência aos seus beneficiários, enquanto impossibilitados de promove-los por si próprios”; assegurando, de efeito, o protesto das decisões judiciais determinantes do pagamento de alimentos.
Nesse conduto, o novo texto processual vem, agora, ratificar, a necessidade de medidas de maior efetividade às decisões judiciais, apresentando-se o instituto do protesto como novo instrumento de eficiência da jurisdição, no sentido de uma prestação de justiça útil e efetiva.
Em resumo, o pronunciamento judicial, quanto à dívida alimentar existente e impaga, no tocante a reconhecer o inadimplemento imotivado, será levado agora, a protesto, por determinação do juiz (art. 542, CPC projetado), sem prejuízo de, em tempo instante, ser decretada a prisão civil, pelo prazo de um a três meses, em regime fechado.
Como observado, o novo CPC permitirá um mais eficiente processo civil de família. Afinal, como é consabido, em ações de famílias, a resolução do processo implica, igualmente, em solucionar e resolver pessoas. Justiça seja feita.

JONES FIGUEIRÊDO ALVES – o autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família.  Assessorou a Comissão Especial de Reforma do Código Civil na Câmara Federal. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).


quinta-feira, 3 de abril de 2014

Artigo de José Fernando Simão. A sucessão dos irmãos bilaterais e unilaterais: inconstitucionalidade?



Fonte: Jornal Carta Forense. Edição de abril.

A sucessão dos irmãos bilaterais e unilaterais: inconstitucionalidade?

José Fernando Simão.

Foi da iniciativa do amigo Flávio Tartuce a criação de um grupo virtual de civilistas da chamada geração X para debates a respeito de direito civil. A ideia é lançarmos dúvidas, questões tormentosas, e por meio de rico debate jurídico verificarmos as opiniões dos participantes do grupo.
Mario Delgado, professor de Direito das Sucessões da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado, lançou a seguinte questão posta por um aluno em sala de aula: “o art. 1841, ao distinguir a cota hereditária dos irmãos germanos e unilaterais implicaria violação reflexa ao princípio constitucional da igualdade?” A frase do aluno foi a seguinte: “meu irmão por parte de pai é tão irmão quanto os outros”.
 A questão que se coloca decorre da regra sucessória pela qual o irmão unilateral (só de pai ou só de mãe) herda a metade do que herda o irmão bilateral.
 “Art. 1.841. Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar”.
 A sucessão do colateral só ocorre, por lei, se o falecido não deixou descendentes, ascendentes, nem cônjuge sobrevivente. Imaginemos o seguinte o exemplo. João, solteiro, falece sem pais, nem filhos e deixa como herdeiros seus dois irmãos. José é filho de seu pai e de sua mãe, logo é irmão germano ou bilateral. Maria, filha do segundo casamento de seu pai, é irmã unilateral, pois sua mãe não é a mesma de João.
 Pelo art. 1841, a herança seria dividida da seguinte forma: 1/3 para Maria e 2/3 para José, pois o irmão unilateral recebe a metade do que recebe o bilateral.
 Note-se que o Código Civil, assim como fazia o Código Civil de 1916, atribui maior quinhão ao irmão bilateral e menor quinhão ao unilateral. O debate proposto por Mario Delgado é o seguinte: esta regra seria inconstitucional em razão da igualdade dos filhos prevista na Constituição? Haveria violação reflexa?
 De início, cabe anotar quer dispõe a Constituição Federal, art. 227, parágrafo 6º, o seguinte:
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
 Assim, se João tem dois filhos, por serem filho, independentemente da origem, terão os mesmos direitos, inclusive os sucessórios. Não se pode admitir, como fazia o Código Civil de 1916, que com relação ao filho adotivo, havia redução do quinhão sucessório. Assim vejamos a seguinte disposição do revogado Código Civil:
“Art. 1.605. Para os efeitos da sucessão, aos filhos legítimos se equiparam os legitimados, os naturais reconhecidos e os adotivos.
§ 2o Ao filho adotivo, se concorrer com legítimos, supervenientes à adoção (art. 368), tocará somente metade da herança cabível a cada um destes”.
 É regra como essa, atualmente considerada de todo odiosa, pois a adoção imita a vida, que se impede com a igualdade constitucional entre os filhos.
 Agora, em relação ao problema colocado, teríamos inconstitucionalidade, na relação fraterna, ou seja entre irmãos, em diferenciar o irmão bilateral do unilateral?
 A Constituição não cuidou do assunto e nem pretendia fazê-lo. Se o falecido não deixou filhos, a sucessão não será na classe dos descendentes (art. 1829, I) e, por óbvio, o dispositivo constitucional não terá nenhuma aplicação. A sucessão na classe do colateral não recebe tratamento constitucional (art. 1829, IV) e, portanto, a desigualdade preconizada pelo Código Civil é absolutamente possível e não é eivada de vícios.
 Aliás, a regra tem aplicação histórica secular. No Direito romano Justinianeu, em 539 d.C., estabeleceu-se regra pela qual os irmãos germanos excluíam da sucessão os irmãos unilaterais (Novela LXXXIV), conforme leciona José Carlos Moreira Alves (Direito romano, p. 482).
 Em igual sentido, a Novela CXVIII, que coloca os irmãos germanos em situação privilegiada: só são chamados a suceder os irmãos unilaterais, na ausência de irmãos germanos (Warnkoenig, p.221)
 Assim, a questão não passa pela constitucionalidade do dispositivo que, evidentemente, é constitucional e deve ser integralmente aplicado pelos juízes.
 A questão, em verdade, passa por um viés filosófico: deveria a lei ser alterada para reconhecer a igualdade dos irmãos bilaterais e unilaterais em matéria sucessória? O conceito atual de família permite concluir que a regra histórica secular perdeu sua razão de ser?
 Essa questão é ainda mais tormentosa. A sucessão legítima presume a vontade do falecido que, se tivesse feito testamento teria sua vontade cumprida. Os irmãos, na qualidade de colaterais, são herdeiros facultativos, logo, sem direito à legítima. O irmão falecido, se quisesse igualar os quinhões poderia fazê-lo por meio de testamento.
 Surge, então, uma outra observação: no Brasil não há o habito de testar, logo, caberia a lei presumir de maneira adequada a vontade do falecido. E agora vem o maior desafio: pode-se afirmar com segurança que efetivamente a família brasileira do Século XXI, formada por irmãos bilaterais e unilaterais, efetivamente os considera iguais em termos afetivos?
 No modelo tradicional, o pai que se divorcia e se casa novamente se afastava de sua família. Logo, os filhos do primeiro casamento pouco ou nenhum contato tinha com os filhos do segundo casamento (seus irmãos unilaterais). Será que hoje o irmão unilateral recebe o mesmo carinho afeto que o unilateral para presumir um equívoco da lei? A resposta é uma só: não se sabe seguramente. Qualquer afirmação nesse sentido é puro “achismo” e padece de base efetiva.
 Parece-me que a regra sucessória da desigualdade entre irmãos é tão pacificamente aceita pela sociedade brasileira que não existem projetos para a sua alteração, nem vontade política ou social para tanto. De resto, sobra a vontade da doutrina em criar problemas onde estes realmente não existem.
 O STJ tem entendimento pacífico que a regra do art. 1.841 tem aplicação no direito brasileiro:
 “O Código estabelece diferença na atribuição da quota hereditária, tratando-se de irmãos bilaterais ou irmãos unilaterais. Os irmãos, bilaterais filhos do mesmo pai e da mesma mãe, recebem em dobro do que couber ao filho só do pai ou só da mãe. Na divisão da herança, coloca-se peso 2 para o irmão bilateral e peso 1 para o irmão unilateral, fazendo-se a partilha. Assim, existindo dois irmãos bilaterais e dois irmãos unilaterais, a herança divide-se em seis partes, 1/6 para cada irmão unilateral e 2/6 (1/3) para cada irmão bilateral. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões, 7ª edição, São Paulo: Atlas, 2007. p. 138). No caso dos autos, considerando-se a existência de um irmão bilateral (recorrido) e três irmãs unilaterais (recorrentes), deve-se, na linha dos ensinamento acima colacionados, atribuir peso 2 ao primeiro e às últimas peso 1. Deste modo, àquele efetivamente caberia 2/5 da herança (40%) e a cada uma desta últimas 1/5 da herança (20%).” RECURSO ESPECIAL Nº 1.203.182 - MG (2010/0128448-2), RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 30/9/2013.