sábado, 19 de dezembro de 2015

RESUMO. INFORMATIVO 573 DO STJ.

RESUMO. INFORMATIVO 573 DO STJ.

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DE JURIDICAMENTE NECESSITADOS. A Defensoria Pública tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores idosos que tiveram plano de saúde reajustado em razão da mudança de faixa etária, ainda que os titulares não sejam carentes de recursos econômicos. A atuação primordial da Defensoria Pública, sem dúvida, é a assistência jurídica e a defesa dos necessitados econômicos. Entretanto, ela também exerce atividades de auxílio aos necessitados jurídicos, os quais não são, necessariamente, carentes de recursos econômicos. Isso ocorre, por exemplo, quando a Defensoria exerce as funções de curador especial (art. 9º, II, do CPC) e de defensor dativo (art. 265 do CPP). No caso, além do direito tutelado ser fundamental (direito à saúde), o grupo de consumidores potencialmente lesado é formado por idosos, cuja condição de vulnerabilidade já é reconhecida na própria Constituição Federal, a qual dispõe no art. 230 que: "A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida". Dessa forma, nos termos do assentado no julgamento do REsp 1.264.116-RS (Segunda Turma, DJe 13/4/2012), "A expressão 'necessitados' (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros - os miseráveis e pobres -, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfim, todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, 'necessitem' da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado". EREsp 1.192.577-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/10/2015, DJe 13/11/2015.

DIREITO DO CONSUMIDOR. PUBLICIDADE ENGANOSA POR OMISSÃO. É enganosa a publicidade televisiva que omite o preço e a forma de pagamento do produto, condicionando a obtenção dessas informações à realização de ligação telefônica tarifada. O direito à informação, garantia fundamental da pessoa humana expressa no art. 5°, XIV, da CF, é gênero que tem como espécie o direito à informação previsto no CDC. O Código traz, entre os direitos básicos do consumidor, a "informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam" (art. 6º, III). Além disso, ao cuidar da oferta nas práticas comerciais, o CDC, no caput do art. 31, determina que a "oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores". Ademais, o CDC atenta para a publicidade, importante técnica pré-contratual de persuasão ao consumo, trazendo, como um dos direitos básicos do consumidor, a "proteção contra a publicidade enganosa e abusiva" (art. 6º, IV). Nesse contexto, frise-se que o dever de informar não é tratado como mero dever anexo, e sim como dever básico, essencial e intrínseco às relações de consumo. Dessa forma, não se pode afastar a índole enganosa da informação que seja parcialmente falsa ou omissa a ponto de induzir o consumidor em erro, uma vez que não é válida a "meia informação" ou a "informação incompleta". Nessa conjuntura, a publicidade enganosa pode ser comissiva ou omissiva. A publicidade é enganosa por comissão quando o fornecedor faz uma afirmação, parcial ou total, não verdadeira sobre o produto ou serviço, capaz de induzir o consumidor em erro (art. 37, § 1º). É enganosa por omissão a publicidade que deixa de informar dado essencial sobre o produto ou o serviço, também induzindo o consumidor em erro exatamente por não esclarecer elementos fundamentais (art. 37, § 3º). Diante disso, a hipótese em análise é exemplo de publicidade enganosa por omissão, pois suprime algumas informações essenciais sobre o produto (preço e forma de pagamento), as quais somente podem ser conhecidas pelo consumidor mediante o ônus de uma ligação tarifada, mesmo que a compra não venha a ser concretizada. Além do mais, a liberdade de escolha do consumidor, direito básico previsto no inciso II do artigo 6º do CDC, está vinculada à correta, fidedigna e satisfatória informação sobre os produtos e os serviços postos no mercado de consumo. De fato, a autodeterminação do consumidor depende essencialmente da informação que lhe é transmitida, pois esta é um dos meios de formar a opinião e produzir a tomada de decisão daquele que consome. Logo, se a informação é adequada, o consumidor age com mais consciência; se a informação é falsa, inexistente ou omissa, retira-se-lhe a liberdade de escolha consciente. De mais a mais, o dever de informação do fornecedor tem importância direta no surgimento e na manutenção da confiança por parte do consumidor. Isso porque a informação deficiente frustra as legítimas expectativas do consumidor, maculando sua confiança. Na hipótese aqui analisada, a falta de informação suprime a liberdade do consumidor de, previamente, recusar o produto e escolher outro, levando-o, ainda que não venha a comprar, a fazer uma ligação tarifada para, só então, obter informações essenciais atinentes ao preço e à forma do pagamento, burlando-lhe a confiança e onerando-o. REsp 1.428.801-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 27/10/2015, DJe 13/11/2015.

DIREITO CIVIL. VALOR DE INDENIZAÇÃO PELO EXTRAVIO DE MERCADORIAS EM TRANSPORTE AÉREO. Independentemente da existência de relação jurídica consumerista, a indenização pelo extravio de mercadoria transportada por via aérea, prévia e devidamente declarada, com inequívoca ciência do transportador acerca de seu conteúdo, deve corresponder ao valor integral declarado, não se aplicando, por conseguinte, as limitações tarifadas prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica e na Convenção de Varsóvia. De fato, a jurisprudência do STJ já entende que, estabelecida relação jurídica de consumo entre as partes, a indenização pelo extravio de mercadoria transportada por via aérea deve ser integral, não se aplicando, por conseguinte, a limitação tarifada prevista no Código de Aeronáutica e na Convenção de Varsóvia. Em verdade, tem-se pela absoluta inaplicabilidade da indenização tarifada contemplada na Convenção de Varsóvia, inclusive na hipótese em que a relação jurídica estabelecida entre as partes não se qualifique como de consumo. Isso porque, em matéria de responsabilidade civil no serviço de transporte aéreo, pode-se identificar a aparente colisão entre as seguintes normas: de um lado, a Convenção de Varsóvia de 1929 e o Código Brasileiro de Aeronáutica de 1986 (normas especiais e anteriores à própria Ordem Constitucional inaugurada pela CF/1988), e, de outro, o Código Civil de 2002 (norma geral e posterior), que preconiza que a indenização mede-se pela extensão do dano (art. 944), em consonância com a Ordem Constitucional inaugurada pela CF/1988, que traz, em si, como direito fundamental, o princípio da indenizabilidade irrestrita (art. 5º, V e X). Nesse contexto, o critério da especialidade, como método hermenêutico para solver o presente conflito de normas (Convenção de Varsóvia de 1929 e Código Brasileiro de Aeronáutica de 1986 versus Código Civil de 2002), isoladamente considerado, afigura-se insuficiente para tal escopo. Deve-se, para tanto, mensurar, a partir das normas em cotejo, qual delas melhor reflete, no tocante à responsabilidade civil, os princípios e valores encerrados na ordem constitucional inaugurada pela Constituição Federal de 1988. E inferir, a partir daí, se as razões que justificavam a referida limitação, inserida no ordenamento jurídico nacional em 1931 pelo Decreto 20.704 (que ratificou a Convenção de Varsóvia), encontrar-se-iam presentes nos dias atuais, com observância ao postulado da proporcionalidade. A limitação tarifária contemplada pela Convenção de Varsóvia aparta-se, a um só tempo, do direito à reparação integral pelos danos de ordem material injustamente sofridos, concebido pela Constituição Federal como direito fundamental (art. 5º, V e X), bem como pelo Código Civil, em seu art. 994, que, em adequação à ordem constitucional, preceitua que a indenização mede-se pela extensão do dano. Efetivamente, a limitação prévia e abstrata da indenização não atenderia, sequer, indiretamente, ao princípio da proporcionalidade, notadamente porque teria o condão de esvaziar a própria função satisfativa da reparação, ante a completa desconsideração da gravidade e da efetiva repercussão dos danos injustamente percebidos pela vítima do evento. Tampouco se concebe que a solução contida na lei especial, que preceitua a denominada indenização tarifada, decorra das necessidades inerentes (e atuais) do transporte aéreo. Isso porque as razões pelas quais a limitação da indenização pela falha do serviço de transporte se faziam presentes quando inseridas no ordenamento jurídico nacional, em 1931, pelo Decreto 20.704, não mais subsistem nos tempos atuais. A limitação da indenização inserida pela Convenção de Varsóvia, no início do século XX, justificava-se pela necessidade de proteção a uma indústria, à época, incipiente, em processo de afirmação de sua viabilidade econômica e tecnológica, circunstância fática inequivocamente insubsistente atualmente, tratando-se de meio de transporte, estatisticamente, dos mais seguros. Veja-se, portanto, que o tratamento especial e protetivo então dispensado pela Convenção de Varsóvia e pelo Código Brasileiro de Aeronáutica ao transporte aéreo, no tocante à responsabilização civil, devia-se ao risco da aviação, relacionado este à ocorrência de acidentes aéreos. O art. 750 do CC, por sua vez, não encerra, em si, uma exceção ao princípio da indenizabilidade irrestrita. O preceito legal dispõe que o transportador se responsabilizará pelos valores constantes no conhecimento de transporte, ou seja, pelos valores das mercadorias previamente declaradas pelo contratante ao transportador. Desse modo, o regramento legal tem por propósito justamente propiciar a efetiva indenização da mercadoria que se perdeu - prévia e devidamente declarada, contando, portanto, com a absoluta ciência do transportador acerca de seu conteúdo -, evitando-se, com isso, que a reparação tenha por lastro a declaração unilateral do contratante do serviço de transporte, que, eventualmente de má-fé, possa superdimensionar o prejuízo sofrido. Ressalta-se que a restrição ao direito à reparação integral pelos danos de ordem material e moral injustamente percebidos somente poderia ser admitida, em tese, caso houvesse previsão nesse sentido no próprio diploma legal do qual tal direito emana. Esta contemporização do direito à integral reparação, todavia, não se verifica do tratamento ofertado à questão pelo Código Civil. Vislumbra-se, quando muito, como hipótese de incidência subsidiária, o caso em que o transportador não detém conhecimento prévio sobre o conteúdo da mercadoria a ser transportada e, embora incontroverso a ocorrência do dano, não se tem elementos idôneos a demonstrar seu valor (ante o extravio da mercadoria, por exemplo), circunstâncias diversas da presente hipótese. Assim, tem-se pela absoluta inaplicabilidade da indenização tarifada contemplada na Convenção de Varsóvia, inclusive na hipótese em que a relação jurídica estabelecida entre as partes não se qualifique como de consumo. REsp 1.289.629-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/10/2015, DJe 3/11/2015.

DIREITO CIVIL. COBERTURA SECURITÁRIA EM CASO DE PERDA TOTAL DO BEM. Ainda que o sinistro tenha ocasionado a perda total do bem, a indenização securitária deve ser calculada com base no prejuízo real suportado pelo segurado, sendo o valor previsto na apólice, salvo expressa disposição em contrário, mero teto indenizatório. Com a entrada em vigor do CC/2002, passou a ser observado, para os casos de pagamento de indenização em seguro de dano, o chamado princípio indenitário previsto no art. 781, o qual é claro ao dispor que "A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador". Dessa forma, a quantificação da indenização está, em regra, condicionada ao valor do dano atual e efetivo, e não ao valor que foi segurado. Ou seja, a quantia atribuída ao bem segurado no momento da contratação é considerada, salvo expressa disposição em sentido contrário, como o valor máximo a ser indenizado. Nesse passo, segundo doutrina, o contrato de seguro não deve ser causa de enriquecimento do segurado. O seu objetivo é apenas o de restabelecer a situação das coisas, em nível patrimonial, ao mesmo patamar que tinha antes do sinistro. Em suma, a indenização não pode ultrapassar o valor de mercado do bem no momento do sinistro. REsp 1.473.828-RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 27/10/2015, DJe 5/11/2015.

DIREITO CIVIL. PRETENSÃO ANULATÓRIA DE DOAÇÃO-PARTILHA. Na hipótese em que o autor da herança tenha promovido em vida a partilha da integralidade de seus bens em favor de todos seus descendentes e herdeiros necessários, por meio de escrituras públicas de doação nas quais ficou consignado o consentimento de todos eles e, ainda, a dispensa de colação futura, a alegação de eventual prejuízo à legítima em decorrência da referida partilha deve ser pleiteada pela via anulatória apropriada, e não por meio de ação de inventário. Com efeito, segundo entendimento doutrinário, "inventário é o processo judicial que se destina a apurar os bens deixados pelo finado, a fim de sobre o monte proceder-se à partilha". Consiste, portanto, na descrição pormenorizada dos bens da herança, tendente a possibilitar o recolhimento de tributos, o pagamento de credores e, por fim, a partilha. Em regra, a doação feita de ascendente para descendente, por si só, não é considerada inválida ou ineficaz pelo ordenamento jurídico, mas impõe ao donatário a obrigação protraída no tempo de, à época do óbito do doador, trazer o patrimônio recebido à colação, a fim de igualar as legítimas, caso não seja aquele o único herdeiro necessário (arts. 2.002, parágrafo único, e 2.003 do CC), sob pena de perda do direito sobre os bens não colacionados. O teor docaput do art. 2.002 dispõe expressamente que os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para preservar a regra de igualdade das legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação. Não obstante, o dever de colacionar os bens admite exceções, sendo de destacar, entre elas, "as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação" (art. 2.005). Assim, a única restrição imposta pela lei à livre vontade do disponente é o respeito à legítima dos herdeiros necessários, que, por óbvio, não pode ser reduzida. Desde que observado esse limite, não fica o autor da herança obrigado nem mesmo a proceder à distribuição igualitária dos quinhões, contanto que eventuais desigualdades sejam imputadas à sua quota disponível. Isso porque, sendo-lhe lícito dispor livremente de metade de seus bens, nada impede que beneficie um de seus herdeiros mais do que os outros, embora sejam todos necessários, contando que não lhes lese a legítima. Complementando a regra anterior, o art. 2.006 do mesmo diploma legal preconiza que a dispensa da colação "pode ser outorgada pelo doador em testamento, ou no próprio título de liberalidade", revelando, portanto, a necessidade de que seja expressa. No caso em análise, os atos de liberalidade foram realizados abrangendo todo o patrimônio do cedente, com a anuência dos herdeiros, o que configura partilha em vida dos bens, tendo constado, ainda, das escrituras públicas de doação a dispensa de colação futura. Para a doutrina, "no caso do que vulgarmente se denomina doação-partilha, não existe dádiva, porém inventário antecipado, em vida; não se dá colação; rescinde-se ou corrige-se a partilha, quando ilegal ou errada". Desse modo, considera-se que os autores são carecedores de interesse de agir para o processo de inventário, o qual, ante o ato constitutivo de partilha em vida e consequente dispensa de colação, não teria nenhuma utilidade. Ressalte-se que eventual prejuízo à legítima do herdeiro necessário em decorrência de partilha em vida dos bens feita pelo autor da herança deve ser buscada pela via anulatória apropriada, e não por meio de ação de inventário. Afinal, se não há bens a serem partilhados, não há a necessidade de processo do inventário. REsp 1.523.552-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/11/2015, DJe 13/11/2015.

DIREITO DO CONSUMIDOR. DIREITO À REPARAÇÃO DE DANOS POR VÍCIO DO PRODUTO. Não tem direito à reparação de perdas e danos decorrentes do vício do produto o consumidor que, no prazo decadencial, não provocou o fornecedor para que este pudesse sanar o vício. Os vícios de qualidade por inadequação dão ensejo, primeiro, ao direito do fornecedor ou equiparado a corrigir o vício manifestado, mantendo-se íntegro o contrato firmado entre as partes. Apenas após o prazo trintídio do art. 18, §1º, do CDC ou a negativa de conserto, abre-se ao consumidor a opção entre três alternativas: a) a redibição do contrato; b) o abatimento do preço; ou c) a substituição do produto, ressalvada em qualquer hipótese a pretensão de reparação de perdas e danos decorrentes. A escolha quanto a alguma das soluções elencadas pela lei consumerista deve ser exercida no prazo decadencial do art. 26 do CDC, contado, por sua vez, após o transcurso do prazo trintídio para conserto do bem pelo fornecedor. Nota-se que toda a construção acerca da tutela dos vícios redibitórios, seja sob o enfoque civilista, seja sob o enfoque consumerista, diz respeito a viabilizar a manutenção do contrato e de seu sinalagma original. Isso faz sentido porque os vícios, embora desconhecidos, são contemporâneos ao contrato ou preexistentes. No entanto, na hipótese, a pretensão não é a de recomposição do equilíbrio contratual, mas tão somente a efetiva reparação de dano decorrente de existência de vício oculto que teria provocado a realização de despesas não condizentes com a legítima expectativa do consumidor. Diante dessa distinção entre o regramento dos vícios redibitórios e a pretensão de mera recomposição de prejuízo decorrente do vício, há precedentes que, aparentemente, concluíram pelo afastamento do prazo decadencial do art. 26 do CDC, fazendo incidir na hipótese o prazo prescricional quinquenal do art. 27 do CDC (AgRg no AREsp 52.038-SP, Quarta Turma, DJe 3/11/2011; e REsp 683.809-RS, Quarta Turma, DJe 3/5/2010). Todavia, a moldura fática daqueles precedentes é essencialmente distinta, uma vez que naqueles houve, mais do que a comprovação da reclamação quanto à existência dos vícios dentro do prazo decadencial, a demonstração de que os vícios não foram devidamente sanados no prazo trintídio. A partir daí, está constituído o direito à pretensão de reparação, obviamente sujeita a prazo prescricional, e não a prazo decadencial. Diferente é a hipótese em que não foi demonstrada a realização da notificação do fornecedor dentro do prazo decadencial. Desse modo, não se constituiu o direito à reparação civil, de forma que não há que se discutir qual seria o prazo prescricional aplicável, se o civil (art. 206, § 3º, V, do CC) ou o consumerista (art. 27 do CDC). Entender de modo diverso seria admitir que, transcorrido o prazo decadencial, o adquirente lançasse mão de instrumento diverso para, ao fim e ao cabo, atingir o mesmo objetivo perdido exclusivamente em razão de sua desídia. Noutros termos, seria desnaturar a garantia desenhada por lei que, embora destinada precipuamente à proteção do adquirente e, em especial, do consumidor, não perde o caráter geral de garantir previsibilidade e segurança às relações jurídicas, resguardando expectativas mútuas legítimas. REsp 1.520.500-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/10/2015, DJe 13/11/2015.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COBRANÇA DE COTA CONDOMINIAL E PENHORA SOBRE DIREITO AQUISITIVO DECORRENTE DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. Em ação de cobrança de cotas condominiais proposta somente contra o promissário comprador, não é possível a penhora do imóvel que gerou a dívida - de propriedade do promissário vendedor -, admitindo-se, no entanto, a constrição dos direitos aquisitivos decorrentes do compromisso de compra e venda. É certo que o adquirente de unidade condominial, após a imissão na posse e a ciência inequívoca do condomínio acerca da alienação, deve responder pelas cotas que recaem sobre o bem, ainda que não tenha sido averbado junto ao competente registro de imóveis (REsp 1.345.331-RS, Segunda Seção, DJe 20/4/2015). Além disso, o promitente vendedor detém legitimidade passiva concorrente para responder por eventual ação de cobrança de débitos condominiais, mesmo que posteriores à imissão na posse (REsp 1.442.840-PR, Terceira Turma, DJe 21/8/2015). Convém esclarecer que a promessa de compra e venda de imóvel faz nascer para o promissário comprador o direito à aquisição do bem, embora a propriedade continue sendo do promitente vendedor. Ao promissário comprador cabe, após o cumprimento das obrigações previstas no pacto preliminar (em regra, o adimplemento do preço), exigir a outorga da escritura definitiva, por vontade do promitente vendedor ou por decisão judicial. Somente a partir de então, com o registro deste título, é que passará o até então promissário comprador a ser o proprietário do bem. Assim, a transferência da propriedade, nos termos do art. 1.245 do CC, opera-se mediante registro do título translativo no Registro de Imóveis, e, enquanto não registrado, o alienante continuará a ser dono do imóvel. Nesse contexto, não se pode autorizar a penhora de unidade condominial sobre o qual o executado possui apenas direito aquisitivo e, portanto, não ostenta a condição de proprietário. Concretamente, é possível apenas e tão somente a constrição do direito do promissário comprador do imóvel, e não da propriedade em si. Admitir entendimento contrário equivaleria a aceitar que bem de terceiro (proprietário) responda por dívida em processo no qual ele não figurou como parte, circunstância que, inclusive, desafia o disposto nos arts. 568, I, e 591 do CPC. Assim, aperfeiçoado o título executivo judicial, por sentença transitada em julgado, impossível a constrição de bem pertencente ao patrimônio de pessoa que não faz parte da demanda, restando possível apenas a penhora de bens e direitos que se encontrem dentro da esfera de disposição do executado, de modo que sejam respeitados os limites subjetivos da lide. Destaca-se, ainda, que a natureza propter rem, por si só, não autoriza a ampliação, sem título, dos bens do executado ou a penhora de bem de propriedade de terceiro. Isso porque, diferentemente dos ônus reais, em que a coisa responde pela dívida, na obrigação propter rem, o devedor é quem responde com todos os seus bens, pois, nessa espécie, é a pessoa que se encontra vinculada à coisa. Desse modo, não sendo o executado titular do domínio do imóvel que gerou o débito exequendo, afigura-se inviável a sua constrição. Todavia, tratando-se de meros detentores de direitos sobre o imóvel, é perfeitamente possível a incidência da penhora sobre eles, até porque possuem valor econômico, não havendo nenhum óbice à sua alienação judicial (art. 655, XI, do CPC). REsp 1.273.313-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/11/2015, DJe 12/11/2015.

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS GENITORES PELOS DANOS CAUSADOS POR SEU FILHO ESQUIZOFRÊNICO. Os pais de portador de esquizofrenia paranoide que seja solteiro, maior de idade e more sozinho tem responsabilidade civil pelos danos causados durante os recorrentes surtos agressivos de seu filho, no caso em que eles, plenamente cientes dessa situação, tenham sido omissos na adoção de quaisquer medidas com o propósito de evitar a repetição desses fatos, deixando de tomar qualquer atitude para interditá-lo ou mantê-lo sob sua guarda e companhia. Inicialmente, é importante destacar que a guarda representa mais que um direito dos pais de ter próximos os seus filhos. Revela-se, sobretudo, como um dever de cuidar, de vigiar e de proteger os filhos, em todos os sentidos, enquanto necessária essa proteção. Para reforçar a responsabilidade dos pais em relação aos filhos, dispõe o art. 1.583, § 3º, do CC que "A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos". O art. 1.589 do mesmo diploma, por sua vez, mediante outras palavras, afirma que "O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá [...] fiscalizar sua manutenção e educação". Ademais, o CC impõe aos genitores, sistemática e reiteradamente, em vários outros dispositivos pertinentes a capítulos diversos, o dever natural de cuidar, de instruir, de proteger e de vigiar sua prole, obrigações essas inseridas no próprio conceito de guarda. A par disso, observa-se que o art. 1.590 do CC - segundo o qual "As disposições relativas à guarda e prestação de alimentos aos filhos menores estendem-se aos maiores incapazes" - estende ao maior incapaz (absoluta ou relativamente) as normas pertinentes à guarda dos filhos menores. No que diz respeito ao caso em análise, destaca-se ser absolutamente necessária e cabível uma interpretação mais positiva desse dispositivo para que seja alcançado, de fato, o real e mais justo objetivo do legislador. Dessa forma, ao portador de esquizofrenia paranoide que comumente tem surtos psicóticos é aplicável a expressão "maiores incapazes", no sentido de não estar apto a praticar, sozinho e indistintamente, todo e qualquer ato da vida civil em todos os momentos. Isso porque o esquizofrênico que sofra, reincidentemente, surtos psicóticos e pratique atos agressivos - como no caso em análise - é, realmente, incapacitado, total ou parcialmente, para a prática de atos da vida civil, mesmo que não oficialmente interditado, demandando cuidados especiais por parte daqueles que estão cientes do problema psiquiátrico, cuja obrigação decorre da lei e da relação de parentesco - genitores, cônjuge, companheiro, filhos etc. -, tudo para proteger o doente e terceiros. Ele deve ser enquadrado, no mínimo, como relativamente incapaz, nos termos do art. 4º, II, do CC (segundo o qual são relativamente incapazes "os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido"), tendo em vista que possui momentos intercalados de sanidade, sendo-lhe possível, em tese, praticar atos da vida civil, até mesmo desacompanhado, durante os períodos de lucidez. Ademais, dependendo do grau de evolução da doença mental, poderá o enfermo ficar impossibilitado, total e permanentemente, de praticar sozinho quaisquer atos da vida civil, passando a se qualificar como absolutamente incapaz, a teor do disposto no art. 3º, II, do CC (de acordo com o qual são absolutamente incapazes "os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos"). Além do mais, no tocante à possibilidade de o genitor estar sujeito a indenizar os danos causados pelo filho maior incapaz, interpretando sistematicamente o art. 932, I e II, do CC com as normas que disciplinam as obrigações dos pais em relação aos filhos, tem-se que os trechos a) "estiverem sob sua autoridade e em sua companhia" e b) "curatelados, que se acharem nas mesmas condições" são aplicáveis, também, aos casos em que os pais - seja com o propósito de isentar-se de responsabilidades, seja por simples omissão quanto aos deveres de guardar, proteger, vigiar e educar - deixam de impor sua autoridade sobre os maiores reconhecidamente incapazes, de trazê-los para junto de si, de interditá-los e de assumir, oficialmente, o papel de curador quando deveriam tê-lo feito por força das circunstâncias e da lei. Nesse caso, a obrigação dos genitores não depende de interdição judicial, decorrendo de uma situação de fato, qual seja, a sabida deficiência mental instalada. Além disso, dispõe o art. 942 do CC que "Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932". Diante disso, como, no caso aqui analisado, caberia aos genitores tomar cuidados para, ao menos, tentar evitar que seu filho, portador de esquizofrenia paranoide, cometesse agressões contra terceiros - tratando-se, inclusive, de diligência recomendada como forma de protegê-lo de revides -, revela-se flagrante a omissão da mãe no cumprimento das suas obrigações como genitora do incapaz, o que a obriga a indenizar os danos causados pelo seu filho. REsp 1.101.324-RJ,Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 13/10/2015, DJe 12/11/2015.

DIREITO CIVIL. PURGAÇÃO DA MORA EM CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL DE VEÍCULO AUTOMOTOR. Em contrato de arrendamento mercantil de veículo automotor - com ou sem cláusula resolutiva expressa -, a purgação da mora realizada nos termos do art. 401, I, do CC deixou de ser possível somente a partir de 14/11/2014, data de vigência da Lei 13.043/2014, que incluiu o § 15º do art. 3º do Decreto-Lei 911/1969. De fato, a Lei 6.099/1974 - que dispõe sobre o arrendamento mercantil - é omissa quanto à possibilidade de purgação da mora nesse tipo de contrato. Diante disso, a jurisprudência do STJ (REsp 228.625-SP, Terceira Turma, DJ 16/2/2004; e AgRg no REsp 329.936-SP, Quarta Turma, DJ 12/5/2003) admitia a possibilidade de purgação da mora em contrato de arrendamento mercantil, ainda que contemplasse cláusula resolutiva expressa, invocando, como base, a regra geral do CC/1916, ou a regra geral do CC/2002, ou o CDC, ou, por analogia, o disposto no art. 1.071 do CPC (nas vendas a crédito com reserva de domínio), ou o art. 3º do Decreto-Lei 911/1969, com redação anterior à Lei 10.931/2004. Diferentemente, em relação ao financiamento garantido por alienação fiduciária, os §§ 1º e 3º do art. 3º do Decreto-Lei 911/1969, em suas redações originais, garantiam ao devedor a purgação da mora, desde que observados certos limites. Contudo, com o advento da Lei 10.931/2004, alterou-se o art. 3º do Decreto-Lei 911/1969 para coibir a purgação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária. Nesse contexto, o § 2º desse dispositivo passou a prever que "No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus". Essa modificação legislativa, inclusive, foi alvo de amplo debate no STJ, que passou a declarar o fim da purgação da mora nos contratos de financiamento com garantia de alienação fiduciária, ao firmar, para fins do art. 534-C do CPC (REsp 1.418.593-MS, Segunda Seção, DJe 27/5/2014), o seguinte entendimento: "Nos contratos firmados na vigência da Lei 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária". Ocorre que, em 14/11/2014, entrou em vigor a Lei 13.043/2014, que incluiu o § 15º do art. 3º do Decreto-Lei 911/1969, segundo o qual as "disposições deste artigo aplicam-se no caso de reintegração de posse de veículos referente às operações de arrendamento mercantil previstas na Lei 6.099, de 12 de setembro de 1974". Dessa forma, estabeleceu-se, a partir de então, a aplicação das demais disposições do art. 3º do Decreto-Lei 911/1969 (direcionadas à alienação fiduciária) à reintegração de posse de veículos objeto de arrendamento mercantil. Nessa conjuntura, a Terceira Turma do STJ (REsp 1.507.239-SP, DJe 11/3/2015) estabeleceu ser aplicável ao contrato de arrendamento mercantil de bem móvel o mesmo entendimento fixado, para fins do art. 534-C do CPC, no referido REsp 1.418.593-MS. Todavia, deve-se ressaltar que, na forma do disposto nos arts. 1º, caput, 2º, caput e § 2º, da LINDB, a alteração promovida pela Lei 13.043/2014 - que coibiu a purgação da mora no contrato de arredamento mercantil de veículo automotor - somente passou a incidir a partir de 14/11/2014, data de sua publicação. Portanto, até a data da inclusão do aludido § 15º, a norma que disciplinava a purgação da mora no contrato de arrendamento mercantil de veículo automotor era a do art. 401, I, do CC/2002. REsp 1.381.832-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/11/2015, DJe 24/11/2015.

DIREITO CIVIL. APLICAÇÃO DE MULTAS SANCIONATÓRIA E MORATÓRIA POR INADIMPLÊNCIA CONDOMINIAL CONTUMAZ. No caso de descumprimento reiterado do dever de contribuir para as despesas do condomínio (inciso I do art. 1.336 do CC), pode ser aplicada a multa sancionatória em razão de comportamento "antissocial" ou "nocivo" (art. 1.337 do CC), além da aplicação da multa moratória (§ 1º do art. 1.336 do CC). De acordo com o art. 1.336, caput, I e § 1°, do CC, o condômino que não cumpra com o dever de contribuir para as despesas do condomínio, adimplindo sua cota-parte dentro do prazo estipulado para o vencimento, ficará obrigado a pagar juros moratórios convencionados ou, caso não ajustados, de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito. Já o art. 1.337 do CC cria a figura do "condômino nocivo" ou "condômino antissocial", utilizando-se de cláusula aberta em relação àquele que não cumpra reiteradamente com os seus deveres com o condomínio. Nessa medida, o caput do art. 1.337 do CC inovou ao permitir a aplicação de "multa" de até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, em face do condômino ou possuidor que não cumpra reiteradamente com os seus deveres com o condomínio, independente das perdas e danos que eventualmente venham a ser apurados. Frise-se que o "condômino nocivo" ou "antissocial" não é somente aquele que pratica atividades ilícitas, utiliza o imóvel para atividades de prostituição, promove a comercialização de drogas proibidas ou desrespeita constantemente o dever de silêncio, mas também aquele que deixa de contribuir de forma reiterada com o pagamento das despesas condominiais. A par disso, em leitura detida docaput do art. 1.337 do CC, conclui-se que o CC previu a hipótese genérica para aquele "que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio", sem fazer qualquer restrição ou óbice legal que impeça a aplicação ao devedor contumaz de débitos condominiais. Ademais, observa-se que a multa prevista no § 1º do art. 1.336 do CC tem natureza jurídica moratória, enquanto a penalidade pecuniária regulada pelo art. 1.337 do CC tem caráter sancionatório, uma vez que, se for o caso, o condomínio pode exigir, inclusive, a apuração das perdas e danos. De mais a mais, tal posicionamento intensifica a prevalência da "solidariedade condominial", a fim de que seja permitida a continuidade e manutenção do próprio condomínio e impedir a ruptura da sua estabilidade econômico-financeira, o que provoca dano considerável aos demais comunheiros. Por fim, a atitude do condômino que reiteradamente deixa de contribuir com o pagamento das despesas condominiais viola os mais comezinhos deveres anexos da boa-fé objetiva, principalmente na vertente da cooperação e lealdade, devendo ser rechaçada veementemente atitudes tais que colocam em risco a continuidade da propriedade condominial. REsp 1.247.020-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/10/2015, DJe 11/11/2015.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DISCUSSÃO DE CULPA NO DIREITO SUCESSÓRIO E ÔNUS DA PROVA. Ocorrendo a morte de um dos cônjuges após dois anos da separação de fato do casal, é legalmente relevante, para fins sucessórios, a discussão da culpa do cônjuge sobrevivente pela ruptura da vida em comum, cabendo a ele o ônus de comprovar que a convivência do casal se tornara impossível sem a sua culpa. A despeito das críticas doutrinárias a respeito do art. 1.830 do CC/2002, no que se refere principalmente à possibilidade de discussão de culpa como requisito para se determinar a exclusão ou não do cônjuge sobrevivente da ordem de vocação hereditária, cumpre definir o sentido e o alcance do texto expresso da lei. Posto isso, observa-se que as regras trazidas pelo CC/2002, na linha de evolução do direito brasileiro, visam elevar a proteção conferida ao cônjuge sobrevivente. Registre-se, desse modo, que o tratamento conferido ao cônjuge pelo CC/1916 considerava a circunstância de que a maioria dos matrimônios seguia o regime legal da comunhão universal. Assim, em caso de falecimento de um dos cônjuges, o outro não ficava desamparado, já que a metade dos bens lhe pertencia, porque lhe era conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio do casal. A partir de 1977, com a edição da Lei 6.515 (Lei do Divórcio), o regime legal passou a ser o da comunhão parcial de bens, de modo que o cônjuge supérstite não necessariamente ficaria amparado, em caso de morte de seu consorte, já que a meação incidia apenas sobre os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento. Neste contexto, a doutrina esclarece que a exclusão do direito sucessório do cônjuge sobrevivente com a simples separação de fato, independente de lapso temporal ou arguição de culpa, não exprime "o valor da justiça nos casos de abandono de lar por um dos cônjuges, ou de decretação de separação de fato pelo Poder Judiciário dos consortes em virtude de tentativa de morte ou injúria grave, de casais unidos, por exemplo, há mais de vinte anos, e que estão separados de fato há mais de dois anos". Nesse sentido, a doutrina continua: "seria absurdo defender que uma mulher que conviveu por anos com seu esposo e contribuiu para a dilatação do patrimônio do casal, em sendo abandonada por seu marido não tivesse direito à herança do falecido, por ser legalmente apartada da sucessão". Portanto, não há se falar em ilegalidade ou impertinência da discussão da culpa no vigente direito sucessório. Por fim, cabe ao cônjuge sobrevivente o ônus de comprovar que a convivência do casal se tornara impossível sem a sua culpa, a fim de lhe reconhecer o direito sucessório na sucessão de seu consorte. Isso porque, conforme se verifica da ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829 do CC/2002, o cônjuge separado de fato é exceção à ordem de vocação. Ademais, ao alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, a intenção do CC/2002 é proteger as relações unidas por laços de afetividade, solidariedade e convivência para as quais a proximidade e integração de seus membros são mais relevantes que os laços mais distantes de parentesco. REsp 1.513.252-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 3/11/2015, DJe 12/11/2015.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO E PROTEÇÃO POSSESSÓRIA REQUERIDA POR VENDEDOR. Ainda que sem prévia ou concomitante rescisão do contrato de compra e venda com reserva de domínio, o vendedor pode, ante o inadimplemento do comprador, pleitear a proteção possessória sobre o bem móvel objeto da avença. A cláusula de reserva de domínio ou pactum reservati dominii é uma disposição inserida nos contratos de compra e venda que permite ao vendedor conservar para si a propriedade e a posse indireta da coisa alienada até o pagamento integral do preço pelo comprador, o qual terá apenas a posse direta do bem, enquanto não solvida a obrigação. Neste contexto, segundo doutrina, "o domínio não se transmite com o contrato e entrega da coisa, mas automaticamente com o pleno pagamento". Desde que formulado o pacto com reserva de domínio, o comprador tem conhecimento que recebe a mera posse direta do bem e o vendedor, por pressuposto, sabe que a sua propriedade é resolúvel, uma vez que o primeiro poderá adquirir a propriedade do bem com o pagamento integral do preço, sendo franqueado à parte vendedora/credora optar pelo procedimento que melhor lhe convier a fim de ressarcir-se dos prejuízos havidos com o ajuste inadimplido. Saliente-se que nem a lei nem a doutrina impõem, textual ou implicitamente, a necessidade de ajuizamento preliminar de demanda rescisória do contrato de compra e venda com reserva de domínio, para a obtenção da retomada do bem. Isso porque não se trata, aqui, da análise do ius possessionis (direito de posse decorrente do simples fato da posse), mas sim doius possidendi, ou seja, do direito à posse decorrente do inadimplemento contratual, onde a discussão acerca da titularidade da coisa é inviabilizada, haja vista se tratar de contrato de compra e venda com reserva de domínio onde a transferência da propriedade só se perfectibiliza com o pagamento integral do preço, o que não ocorreu em razão da inadimplência do devedor. A fim de melhor elucidar a questão, o ius possessionis é o direito de posse, ou seja, é o poder sobre a coisa e a possibilidade de sua defesa por intermédio dos interditos (interdito proibitório, de manutenção da posse ou de reintegração de posse). Trata-se de conceito que se relaciona diretamente com a posse direta e indireta. Já o ius possidendi é o direito à posse, decorrente do direito de propriedade, ou seja, é o próprio domínio. Em outras palavras, é o direito conferido ao titular de possuir o que é seu, independentemente de prévio ajuizamento de demanda objetivando rescindir o contrato de compra e venda, uma vez que, nos ajustes cravados com cláusula de reserva de domínio, a propriedade do bem, até o pagamento integral do preço, pertence ao vendedor, ou seja, não se consolida a transferência da propriedade ao comprador. Destaque-se que não se trata das hipóteses em que o STJ assevera que o deferimento da proteção possessória está condicionado à prévia conclusão do contrato (AgRg no REsp 1.337.902-BA, Quarta Turma, DJe 14/3/2013; e AgRg no REsp 1.292.370-MS, Terceira Turma, DJe 20/11/2012). Isso porque, nas ações em que se discute o ius possessionis, ainda que fundada em contrato de compra e venda inadimplido, no qual não consta cláusula de reserva de domínio, a propriedade já se transfere de planorazão pela qual, por não comportar a tutela possessória dilação processual necessária à discussão da ocorrência, ou não, do inadimplemento contratual, essa não pode ser requerida sem que seja oportunizado ao comprador/devedor questionar o descumprimento da obrigação, em face da abusividade das cláusulas contratuais ou purgar a mora quando se verificar a ocorrência de pagamento substancial do preço. Desta feita, a discussão do contrato e, por conseguinte, a sua rescisão deve se dar em momento anterior ao ajuizamento da ação possessória ou, ao menos de forma concomitante, em cumulação de ações, sendo o pleito possessório pedido subsidiário em relação à pretensão rescisória do contrato, pelo inadimplemento obrigacional, uma vez que somente após a resolução contratual é que poderá haver posse injusta a aclamar a retomada do bem. REsp 1.056.837-RN, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 3/11/2015, DJe 10/11/2015.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS E IMPOSSIBILIDADE DE EFETUAR O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. Em execução de alimentos pelo rito do art. 733 do CPC, o acolhimento da justificativa da impossibilidade de efetuar o pagamento das prestações alimentícias executadas desautoriza a decretação da prisão do devedor, mas não acarreta a extinção da execução. De fato, por força do art. 733 do CPC, institui-se meio executório com a possibilidade de restrição da liberdade individual do devedor de alimentos, de caráter excepcional, nos seguintes termos: "Art. 733. Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. § 1º Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses". Recorrendo à justificativa, o devedor terá o direito de comprovar a sua situação de penúria, devendo o magistrado conferir oportunidade para seu desiderato, sob pena de cerceamento de defesa. Não se pode olvidar que a justificativa deverá ser baseada em fato novo, isto é, que não tenha sido levado em consideração pelo juízo do processo de conhecimento no momento da definição do débito alimentar. Outrossim, a impossibilidade do devedor deve ser apenas temporária. Uma vez reconhecida, irá subtrair o risco momentâneo da prisão civil, não havendo falar, contudo, em exoneração da obrigação alimentícia ou redução do encargo, que só poderão ser analisados em ação própria. Assim, a justificativa afasta temporariamente a prisão, não impedindo, porém, que a execução prossiga em sua forma tradicional (patrimonial), com penhora e expropriação de bens, ou ainda, que fique suspensa até que o executado se restabeleça em situação condizente com a viabilização do processo executivo, conciliando as circunstâncias de imprescindibilidade de subsistência do alimentando com a escassez superveniente de seu prestador, preservando a dignidade humana de ambos. De fato, a justificativa não pode afrontar o título executivo nem a coisa julgada, sendo apenas um meio de afastar ocasionalmente a coerção pessoal do devedor por circunstâncias pessoais e atuais que demonstrem a escusabilidade no seu dever relacionado à obrigação de alimentos, representando verdadeira inexigibilidade de conduta diversa do alimentante. Não haverá, contudo, de se reconhecer, nesse âmbito, a exoneração ou a revisão dos alimentos devidos, que deverão ser objeto de ação própria, pois, como visto, a execução não se extingue, persistindo o crédito, podendo o credor, por outros meios, buscar a satisfação da quantia devida. Precedente citado do STJ: HC 285.502-SC, Quarta Turma, DJe 25/3/2014. Precedente citado do STF: HC 106.709-RS, Segunda Turma, DJe 15/9/2011. REsp 1.185.040-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/10/2015, DJe 9/11/2015.



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