quarta-feira, 25 de novembro de 2015

ARTIGO. COLUNA MIGALHAS. O TRATAMENTO DIFERENCIADO DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO NO CÓDIGO CIVIL E SEUS GRAVES PROBLEMAS.

O TRATAMENTO DIFERENCIADO DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO NO CÓDIGO CIVIL E SEUS GRAVES PROBLEMAS.
A NECESSIDADE IMEDIATA DE UMA REFORMA LEGISLATIVA.  


Flávio Tartuce


Com vigência desde janeiro de 2003, o Código Civil de 2002 completará em breve 13 anos de aplicação no País. Entre inovações, avanços e transformações, o livro mais criticado da nossa legislação geral privada é, sem dúvidas, o dedicado ao Direito das Sucessões.  Além da intrincada concorrência sucessória do cônjuge com os descendentes – claramente influenciada pelo Código Civil Italiano de 1942 e pelo Código Civil Português de 1966 –, muitos problemas surgem do tratamento sucessório diferenciado do cônjuge em relação ao companheiro.
De início, vale lembrar que o cônjuge foi elevado à condição de herdeiro necessário pelo art. 1.845 do Código Civil de 2002, ao lado dos descendentes e dos ascendentes, o que não constava do art. 1.721 da codificação de 1916, seu correspondente. O mesmo não ocorreu com o companheiro ou convivente, apesar da tentativa doutrinária de alguns juristas de enquadrá-lo como tal, caso de Maria Berenice Dias e Paulo Luiz Netto Lôbo.
Ademais, o cônjuge consta como sucessor legítimo no polêmico art. 1.829 do Código Civil em vigor, que tem a seguinte redação: “A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais”. Esse artigo consagra quatro classes de sucessores, como se constata. Na primeira classe, estão os descendentes – até o infinito – e o cônjuge. Na segunda classe, os ascendentes – também até o infinito – e o cônjuge. Na terceira classe, está o cônjuge, isoladamente. Por fim, a quarta classe é composta pelos colaterais, até o quarto grau. Vale lembrar que os herdeiros que estão até a terceira classe são herdeiros necessários, tendo a seu favor a proteção da legítima, correspondente a cinquenta por cento do patrimônio do falecido.
Nota-se, em complemento, que o cônjuge passa a concorrer com os descendentes, o que depende do regime de bens a ser adotado no casamento com o falecido; e com os ascendentes, o que independe do regime. Em suma, da terceira classe na ordem de vocação hereditária – como constava do art. 1.603, inciso III, do CC/1916 –, o cônjuge saltou para a primeira classe, ao lado dos descendentes, e para a segunda classe, ao lado dos ascendentes. Entretanto, isso ocorreu sem que o cônjuge deixasse também de fazer parte da terceira classe. A única concorrência inexistente a respeito do cônjuge concerne aos colaterais, até porque o cônjuge está na posição sucessória anterior. Por isso, pode-se dizer que, sem dúvidas, o cônjuge está em posição sucessória privilegiada na vigente codificação privada. Como corretamente afirma Luiz Paulo Vieira de Carvalho, o cônjuge é a estrela do direito sucessório brasileiro na atualidade.[2]
Em relação ao companheiro, não consta expressamente da ordem de sucessão legítima, merecendo um tratamento em separado, como um sucessor anômalo, no art. 1.790 do Código Civil, outro dos preceitos que figura entre os mais polêmicos da codificação material e que tem a seguinte redação: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente a à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”. Em um duplo sentido, constata-se que o convivente é um herdeiro sem classe, pois não se situa na divisão dos sucessores legítimos do art. 1.829 do Código Civil.
Diante desse tratamento diferenciado, dois dos maiores sucessionistas brasileiros têm sustentado a inconstitucionalidade desse art. 1.790 da codificação material.
Para Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, em sua tese de titularidade, defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, “o art. 1.790 do CC/2002 restringiu a possibilidade de incidência do direito sucessório do companheiro à parcela patrimonial do monte partível que houvesse sido adquirido na constância da união estável, não se estendendo, portanto, àquela outra quota patrimonial relativa aos bens particulares do falecido, amealhados antes da evolução da vida em comum. A nova lei limitou e restringiu, assim, a incidência do direito a suceder do companheiro apenas àquela parcela de bens que houvessem sido adquiridos na constância da união estável a título oneroso. Que discriminação flagrante perpetuou o legislador, diante da idêntica hipótese, se a relação entre o falecido e o sobrevivente fosse uma relação de casamento, e não de união estável!”.[3]  
Igualmente, Zeno Veloso comenta que a restrição aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável “não tem nenhuma razão, quebra todo o sistema, podendo gerar consequências extremamente injustas: a companheira de muitos anos de um homem rico, que possuía vários bens na época que iniciou o relacionamento afetivo, não herdará coisa alguma do companheiro, se este não adquiriu (onerosamente!) outros bens durante o tempo de convivência. Ficará essa mulher – se for pobre – literalmente desamparada, a não ser que o falecido, vencendo as superstições que rodeiam o assunto, tivesse feito um testamento que a beneficiasse”.[4]  Em outra obra de sua autoria, o jurista demonstra claramente seguir a tese da inconstitucionalidade do comando, aduzindo que: “ao longo desta exposição, e diversas vezes, mencionei que a sucessão dos companheiros foi regulada de maneira lastimável, incidindo na eiva da inconstitucionalidade, violando princípios fundamentais, especialmente o da dignidade da pessoa humana, o da igualdade, o da não discriminação”.[5]
No âmbito dos Tribunais Estaduais, há uma grande variedade de entendimentos, sendo imperioso alertar para a necessidade de que a questão seja decidida pelo Órgão Especial ou pelo Tribunal Pleno de cada Corte. Trata-se de decorrência natural da cláusula de reserva de plenário, retirada do art. 97 da Constituição Federal de 1988, in verbis: “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. O texto legal é completado pela Súmula Vinculante n. 10, do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual a vedação também atinge a declaração de inconstitucionalidade implícita: “viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”. Em outras palavras, há vedação constitucional para que Câmaras ou Turmas isoladas dos Tribunais brasileiros reconheçam a inconstitucionalidade de leis, ainda que de forma não expressa.
Partindo para alguns exemplos concretos, vejamos cinco Tribunais locais que julgaram a questão da maneira como determina a Constituição Federal, mas em sentido oposto.
Inicialmente, a Corte Especial do Tribunal de Justiça do Paraná adotou a premissa da inconstitucionalidade do art. 1.790, mas apenas do seu inciso III, por colocar o convivente em posição de enorme desprestígio, em concorrência com os colaterais, o que é seguido por este autor (TJPR, Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade 536.589-9/01, da 18ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Suscitante: 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Relator: Des. Sérgio Arenhart, j. 04.12.2009).
Fez o mesmo o Pleno do Tribunal de Justiça de Sergipe, ao julgar o Incidente de inconstitucionalidade 8/2010, em decisão de relatoria da Desa. Marilza Maynard Salgado de Carvalho, de 30 de março de 2011. O trecho final do acórdão demonstra que a conclusão atingiu todo o conteúdo do art. 1.790 da codificação privada: “Logo, merece ser reconhecida a inconstitucionalidade do disposto no art. 1.790 do CC, não só por afrontar o princípio da igualdade e o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, mas também, ainda que de forma reflexa, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa, o que ocorreria por parte dos herdeiros colaterais, em detrimento da companheira sobrevivente que com o falecido conviveu durante muitos anos. Diante de tais considerações, em que pese jamais ter sido declarada a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002 em sede de controle de constitucionalidade concentrado, nada impede que, neste momento, seja declarado referido vício no bojo da presente ação, por meio de controle difuso de constitucionalidade. Ante os argumentos expendidos e com base no farto entendimento jurisprudencial, voto pela declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002, posto que em desarmonia com o art. 226, § 3º, da Constituição Federal e com os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana”.
Na mesma esteira o Pleno do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, com a seguinte ementa de conclusão final: “Arguição de inconstitucionalidade. Art. 1.790, inciso III, do Código Civil. Sucessão do companheiro. Concorrência com parentes sucessíveis. Violação à isonomia estabelecida pela Constituição Federal entre cônjuges e companheiros (art. 226, § 3º). Enunciado da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. Incabível o retrocesso dos direitos reconhecidos à união estável. Inconstitucionalidade reconhecida. Procedência do incidente” (TJRJ, Arguição de Inconstitucionalidade 00326554020118190000, Rel. Des. Bernardo Moreira Garcez Neto, Secretaria do Tribunal Pleno e Órgão Especial, j. 11.06.2012). Como se nota, tais Cortes Estaduais seguiram os argumentos de Giselda Hironaka e Zeno Veloso, aqui antes expostos.
Por outra via, o Órgão Especial do Tribunal Gaúcho, por maioria e com grande divergência, acabou por concluir de forma contrária, ou seja, pela constitucionalidade do art. 1.790, diante da inexistência de igualdade plena entre a união estável e casamento. Conforme consta de sua ementa, “a Constituição da República não equiparou a união estável ao casamento. Atento à distinção constitucional, o Código Civil dispensou tratamento diverso ao casamento e à união estável. Segundo o Código Civil, o companheiro não é herdeiro necessário. Aliás, nem todo cônjuge sobrevivente é herdeiro. O direito sucessório do companheiro está disciplinado no art. 1.790 do CC, cujo inciso III não é inconstitucional. Trata-se de regra criada pelo legislador ordinário, no exercício do poder constitucional de disciplina das relações jurídicas patrimoniais decorrentes de união estável. Eventual antinomia com o art. 1.725 do Código Civil não leva a sua inconstitucionalidade, devendo ser solvida à luz dos critérios de interpretação do conjunto das normas que regulam a união estável” (TJRS, Incidente 70029390374, Porto Alegre, Órgão Especial, Rel. Originário Des. Leo Lima (vencido), Rel. para o Acórdão Des. Maria Isabel de Azevedo Souza, j. 09.11.2009).
Ao final do ano de 2011, o Órgão Especial do Tribunal Paulista acabou por concluir, igualmente, pela inexistência de qualquer inconstitucionalidade no comando em destaque, como já havia feito o Tribunal Gaúcho, adotando as mesmas premissas (TJSP, Processo 0434423-72.2010.8.26.0000 (990.10.434423-9), Órgão Especial, Rel. Corrêa Viana, j. 14.09.2011). Mais uma vez houve intensa discussão técnica, com votos vencidos, prevalecendo a visão que coloca o cônjuge em posição de superioridade perante o companheiro. De acordo com o trecho final do voto do relator, Des. Cauduro Padin, “assim, a questão da igualdade de tratamento não é tão simples, o que significa dizer que eventual equiparação deve ser total, e não apenas em alguns aspectos da vida civil. Portanto, não se vislumbra a alardeada violação ao Texto Constitucional e aos seus princípios”.
Em sede de Tribunais Superiores, a questão ainda pende de julgamento. De início, decisão do ano de 2011, do Superior Tribunal de Justiça, suscitou a inconstitucionalidade dos incisos III e IV do art. 1.790, remetendo a questão para julgamento pelo Órgão Especial da Corte (STJ, AI no REsp 1.135.354/PB, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 24.05.2011, DJe 02.06.2011). Entretanto, em outubro de 2012, o Órgão Especial da Corte Superior concluiu pela não apreciação dessa inconstitucionalidade suscitada pela Quarta Turma, eis que o recurso próprio para tanto deve ser o extraordinário, a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (publicado no Informativo n. 505 do STJ). Em suma, a questão da inconstitucionalidade não foi resolvida nesse primeiro momento em sede de Superior Tribunal de Justiça, aguardando-se eventual julgamento pelo STF. Com a decisão, o recurso especial em questão voltou à Quarta Turma para ser julgado apenas nos aspectos infraconstitucionais.
Todavia, sucessivamente no tempo, pode ser encontrado novo acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que continua a remeter a questão para a sua Corte Especial, a demonstrar que aquele julgamento anterior não é definitivo na Corte (STJ, AI no REsp 1.291.636/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 11.06.2013, DJe 21.11.2013). Diante dessas remessas sucessivas, o tema voltou à pauta de julgamento da Corte Especial do Tribunal da Cidadania em 2014, havendo divergência entre os Ministros sobre quem deve julgar o tema, se o STJ ou o STF. O julgamento encontra-se suspenso, no presente momento.
No plano do Supremo Tribunal Federal, além do julgamento de algumas reclamações pontuais - especialmente de desrespeito à cláusula de reserva de plenário -, em abril de 2015 foi levantada uma repercussão geral a respeito desse tratamento sucessório diferenciado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, no Recurso Extraordinário n. 878.694. Assim, em breve, a mais alta Corte Brasileira deve – tentar, pelo menos  –, colocar um fim a respeito da discussão sobre o citado tratamento sucessório diferenciado.
Toda essa variação de julgamentos demonstra como o tema é inseguro no País, no sentido de uma segurança jurídica material, e não formal. Não nos parece que as decisões superiores têm o condão de resolver totalmente o problema, pois ainda restarão debates a respeito da atribuição patrimonial de bens aos herdeiros em cada caso concreto.  
Nessa triste realidade jurídica, pensamos que o melhor caminho é a imediata alteração legislativa, revogando-se o art. 1.790 do Código Civil e colocando-se o companheiro ao lado do cônjuge, nos arts. 1.829 e 1.845 do Código Civil. No último Congresso Brasileiro de Direito de Família do IBDFAM, realizado em Belo Horizonte, em outubro de 2015, conclamamos os vários sucessionistas presentes, em painel de debate sobre a matéria, para que comecem esse trabalho, seja por alteração do Código Civil, seja pela elaboração de um novo Estatuto das Sucessões.[6] Esperamos que essa jornada de reforma seja implementada nos próximos anos.


[2] VIEIRA DE CARVALHO, Luiz Paulo. Direito das sucessões. São Paulo: Atlas, 2014, p.  315.
[3] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Morrer e suceder. Passado e presente da transmissão sucessória concorrente. São Paulo: RT, 2011, p. 420.
[4] VELOSO, Zeno. Código Civil comentado. Coordenação de Ricardo Fiúza e Regina Beatriz Tavares da Silva. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 2.010.
[5] VELOSO, Zeno. Direito hereditário do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 185.
[6] Estavam presentes, no painel, entre outros: Giselda Hironaka, Zeno Veloso, José Fernando Simão, Luiz  Paulo Vieira de Carvalho, Ana Luiza Maia Nevares, Rolf Madaleno, Marcelo Truzzi Otero e João Ricardo Brandão Aguirre. O X Congresso de Direito de Família do IBDFAM também contou com a presença de outros destacados autores e professores de Direito das Sucessões, que também podem trazer luzes ao trabalho de reforma, caso de Gustavo Tepedino, Maria Berenice Dias, Maria Celina Bodin de Moraes, Silvio de Salvo Venosa, Rodrigo da Cunha Pereira, Rodrigo Toscano de Brito, Jones Figueirêdo Alves, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. 

sábado, 21 de novembro de 2015

RESUMO. INFORMATIVO 571 DO STJ.


SÚMULA 547. Nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores pagos a título de participação financeira do consumidor no custeio de construção de rede elétrica, o prazo prescricional é de vinte anos na vigência do Código Civil de 1916. Na vigência do Código Civil de 2002, o prazo é de cinco anos se houver previsão contratual de ressarcimento e de três anos na ausência de cláusula nesse sentido, observada a regra de transição disciplinada em seu art. 2.028. Segunda Seção, aprovada em 14/10/2015, DJe 19/10/2015.
SÚMULA 548. Incumbe ao credor a exclusão do registro da dívida em nome do devedor no cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e efetivo pagamento do débito. Segunda Seção, aprovada em 14/10/2015, DJe 19/10/2015.
SÚMULA 549. É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.Segunda Seção, aprovada em 14/10/2015, DJe 19/10/2015.
SÚMULA 550. A utilização de escore de crédito, método estatístico de avaliação de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor, que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo. Segunda Seção, aprovada em 14/10/2015, DJe 19/10/2015.
SÚMULA 551. Nas demandas por complementação de ações de empresas de telefonia, admite-se a condenação ao pagamento de dividendos e juros sobre capital próprio independentemente de pedido expresso. No entanto, somente quando previstos no título executivo, poderão ser objeto de cumprimento de sentença. Segunda Seção, aprovada em 14/10/2015, DJe 19/10/2015.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. SUSTAÇÃO DE PROTESTO E PRESTAÇÃO DE CONTRACAUTELA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). TEMA 902. A legislação de regência estabelece que o documento hábil a protesto extrajudicial é aquele que caracteriza prova escrita de obrigação pecuniária líquida, certa e exigível. Portanto, a sustação de protesto de título, por representar restrição a direito do credor, exige prévio oferecimento de contracautela, a ser fixada conforme o prudente arbítrio do magistrado. A teor do art. 17, § 1º, da Lei de Protesto, o título ou documento de dívida cujo protesto tiver sido sustado judicialmente só poderá ser pago, protestado ou retirado com autorização judicial. É dizer, a sustação do protesto implica retenção do título de crédito, inviabilizando, pois, a sua execução e, por conseguinte, restringindo, ainda que provisoriamente, o próprio direito fundamental do credor de acesso à justiça e de haver imediatamente seu crédito, mediante atos de agressão ao patrimônio do devedor efetuados por meio do Judiciário. Ademais, em interpretação sistemática do diploma processual, apenas para um exercício de comparação, é bem de ver que, como o documento cambiário apresentado a protesto tem que ser título hábil à execução (título de crédito), a sustação do protesto implica obstar a execução por título extrajudicial, efeito que, com a vigência do art. 739-A, § 1º, do CPC/1973, nem os embargos do executado produzem, a menos que, "sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes". Nessa ordem de ideias, a sustação do protesto, por meio transverso, inviabiliza a própria execução aparelhada pelo título levado a protesto, não havendo nenhum sentido/razoabilidade em que seja feita sem a exigência de caução ou depósito, igualmente exigidos para a suspensão da execução. Nesse sentido, leciona a doutrina que, para a execução de medida antecipatória/acautelatória, mesmo quando se tratar de provimento de natureza reversível, há o dever de salvaguardar o núcleo essencial do direito fundamental à segurança jurídica do réu; "não fosse assim o perigo de dano não teria sido eliminado, mas apenas deslocado da esfera do autor para a do demandado". Com efeito, à luz do disposto no art. 804 do CPC/1973 (art. 300 do novo CPC) há muito está consolidado na jurisprudência dos tribunais que, para a sustação do protesto cambial de título hábil à execução, é necessário, para que se resguarde também os interesses do credor, o oferecimento de contracautela. Por isso é que a jurisprudência do STJ só admite a sustação do protesto quando as circunstâncias de fato, efetivamente, autorizam a proteção do devedor, com a presença da aparência do bom direito e, de regra, com o depósito do valor devido ou, a critério ponderado do juiz, quando preste caução idônea. Por fim, enfatiza-se que a hipótese em questão - em que é apontado a protesto documento apto a aparelhar a execução judicial, isto é, título que caracteriza prova escrita de obrigação pecuniária líquida, certa e exigível - não se confunde com a situação em que o magistrado, v.g., constata que o título está prescrito para a execução cambial, hipótese que atrai a tutela de evidência prevista no novo CPC e refoge ao controle efetuado pelo tabelião, caracterizando o hipotético ato do apontamento a protesto, à luz da iterativa jurisprudência do STJ, por si só, abusivo; mas é certo que, em todo caso, o excepcional deferimento da medida sem contracautela (resguardo dos interesses do credor) deverá ser devidamente fundamentado pelo juiz. Precedentes citados: REsp 627.759-MG, Terceira Turma, DJ 8/5/2006; e AgRg no Ag 1.238.302-MG, Quarta Turma, DJe 1º/2/2011. REsp 1.340.236-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 14/10/2015, DJe 26/10/2015.
DIREITO CIVL. INAPLICABILIDADE DO CDC ÀS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. O Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à relação jurídica entre participantes ou assistidos de plano de benefício e entidade de previdência complementar fechada, mesmo em situações que não sejam regulamentadas pela legislação especial. É conveniente assinalar, para logo, que não se cogita aqui em afastamento das normas especiais inerentes à relação contratual de previdência privada para aplicação do Diploma Consumerista, visto que só terá cabimento pensar na sua aplicação a situações que não tenham regramento específico na legislação especial previdenciária de regência. Dessarte, como regra basilar de hermenêutica, no confronto entre as regras específicas e as demais do ordenamento jurídico, deve prevalecer a regra excepcional. Nesse passo, há doutrina afirmando que, como o CDC não regula contratos específicos, em casos de incompatibilidade há clara prevalência da lei especial nova pelos critérios de especialidade e cronologia. Desse modo, evidentemente, não caberá, independentemente da natureza da entidade previdenciária, a aplicação do CDC de forma alheia às normas específicas inerentes à relação contratual de previdência privada complementar. Esse entendimento foi recentemente pacificado no STJ, em vista da afetação à Segunda Seção do STJ do AgRg no AREsp 504.022-SC (DJe 30/09/2014), tendo constado da ementa que "[...] é descabida a aplicação do Código de Defesa do Consumidor alheia às normas específicas inerentes à relação contratual de previdência privada complementar e à modalidade contratual da transação, negócio jurídico disciplinado pelo Código Civil, inclusive no tocante à disciplina peculiar para o seu desfazimento". Por oportuno, o conceito de consumidor (art. 2º do CDC) foi construído sob ótica objetiva, porquanto voltada para o ato de retirar o produto ou serviço do mercado, na condição de seu destinatário final. Por sua vez, fornecedor (art. 3º, § 2º, do CDC) é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de prestação de serviços, compreendido como "atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração" - inclusive as de natureza financeira e securitária -, salvo as de caráter trabalhista. Nessa linha, afastando-se do critério pessoal de definição de consumidor, o legislador possibilita, até mesmo às pessoas jurídicas, a assunção dessa qualidade, desde que adquiram ou utilizem o produto ou serviço como destinatário final. Dessarte, consoante doutrina abalizada sobre o tema, o destinatário final é aquele que retira o produto da cadeia produtiva (destinatário fático), mas não para revendê-lo ou utilizá-lo como insumo na sua atividade profissional (destinatário econômico). No ponto em exame, parece evidente que há diferenças sensíveis e marcantes entre as entidades de previdência privada aberta e fechada. Embora ambas exerçam atividade econômica, apenas as abertas operam em regime de mercado, podem auferir lucro das contribuições vertidas pelos participantes (proveito econômico), não havendo também nenhuma imposição legal de participação de participantes e assistidos, seja no tocante à gestão dos planos de benefícios, seja ainda da própria entidade. Nesse passo, assinala-se que, conforme disposto no art. 36 da LC 109/2001, as entidades abertas de previdência complementar são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas. Elas, salvo as instituídas antes da mencionada lei, têm necessariamente, finalidade lucrativa e são formadas por instituições financeiras e seguradoras, autorizadas e fiscalizadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), vinculada ao Ministério da Fazenda, tendo por órgão regulador o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP). Assim, parece nítido que as relações contratuais entre as entidades abertas de previdência complementar e participantes e assistidos de seus planos de benefícios - claramente vulneráveis - são relações de mercado, com existência de legítimo auferimento de proveito econômico por parte da administradora do plano de benefícios, caracterizando-se genuína relação de consumo. Contudo, no tocante às entidades fechadas, as quais, por força de lei, são organizadas "sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos", a questão é tormentosa, pois há um claro mutualismo entre a coletividade integrante dos planos de benefícios administrados por essas entidades. Nesse diapasão, o art. 34, I, da LC 109/2001 deixa límpido que as entidades fechadas de previdência privada "apenas" administram os planos (inclusive, pois, o fundo formado, que não lhes pertence), havendo, conforme dispõe o art. 35, gestão compartilhada entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinadores nos conselhos deliberativo (órgão máximo da estrutura organizacional) e fiscal (órgão de controle interno). No tocante ao plano de benefícios patrocinado por entidade da administração pública, conforme dispõem os arts. 11 e 15 da LC 108/2001, há gestão paritária entre representantes dos participantes e assistidos - eleitos por seus pares - e dos patrocinadores nos conselhos deliberativos. Ademais, é bem verdade que os valores alocados ao fundo comum obtido, na verdade, pertencem aos participantes e beneficiários do plano, existindo explícito mecanismo de solidariedade, de modo que todo excedente do fundo de pensão é aproveitado em favor de seus próprios integrantes. Diante de tudo que foi assinalado, observa-se que as regras do Código Consumerista, mesmo em situações que não sejam regulamentadas pela legislação especial, não se aplicam às relações envolvendo participantes e/ou assistidos de planos de benefícios e entidades de previdência complementar fechadas. Assim, a interpretação sobre a Súmula 321 do STJ - que continua válida - deve ser restrita aos casos que envolvem entidades abertas de previdência.REsp 1.536.786-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/8/2015, DJe 20/10/2015.
DIREITO DO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE NA DISTINÇÃO DE PREÇO PARA PAGAMENTO EM DINHEIRO, CHEQUE OU CARTÃO DE CRÉDITO. Caracteriza prática abusiva no mercado de consumo a diferenciação do preço do produto em função de o pagamento ocorrer em dinheiro, cheque ou cartão de crédito. Essa proposição se ampara na constatação de que, nas compras realizadas em cartão de crédito, é necessária uma distinção das relações jurídica entre consumidor, emissor (eventualmente, administrador) e fornecedor. Na primeira situação, existe uma relação jurídica entre a instituição financeira (emissora) e o titular do cartão (consumidor), o qual obtém crédito e transfere àquela a responsabilização pela compra autorizada mediante o pagamento da taxa de administração ou mesmo de juros oriundos do parcelamento da fatura. Na segunda situação, há uma relação jurídica entre a instituição financeira (empresa emissora e, eventualmente, administradora do cartão de crédito) e o estabelecimento comercial credenciado (fornecedor). A emissora do cartão credencia o estabelecimento comercial e assume o risco integral do crédito e de possíveis fraudes. Para que essa assunção de risco ocorra, o estabelecimento comercial repassa à emissora, a cada venda feita em cartão de crédito, um percentual dessa operação, previamente contratado. Na terceira situação, também existe uma relação jurídica entre o consumidor e o estabelecimento comercial credenciado (fornecedor). Aqui, o estabelecimento comercial, quando possibilita aos consumidores efetuarem a compra mediante cartão de crédito, incrementa a atividade comercial, aumenta as vendas e obtém lucros, haja vista a praticidade do cartão de crédito, que o torna uma modalidade de pagamento cada vez mais costumeira. Observa-se, assim, diante dessa análise, que o estabelecimento comercial tem a garantia do pagamento das compras efetuadas pelo consumidor por meio de cartão de credito, pois a administradora assume inteiramente a responsabilidade pelos riscos do crédito, incluindo as possíveis fraudes. O pagamento por cartão de crédito, uma vez autorizada a transação, libera o consumidor de qualquer obrigação ou vinculação junto ao fornecedor, pois este dará ao comprador total quitação. Assim, o pagamento por cartão de crédito é modalidade de pagamento à vista, pro soluto, porquanto implica, automaticamente, a extinção da obrigação do consumidor perante o fornecedor, revelando-se prática abusiva no mercado de consumo, a qual é nociva ao equilíbrio contratual, a diferenciação entre o pagamento em dinheiro, cheque ou cartão de crédito. É, nesse ponto, a exegese do art. 39, V e X, do CDC: "Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; (...) X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços". Ademais, o art. 36, X e XI, da Lei 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, considera infração à ordem econômica, a despeito de culpa ou de ocorrência de efeitos nocivos, a discriminação de adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços mediante imposição diferenciada de preços, bem como a recusa à venda de bens ou à prestação de serviços em condições de pagamento corriqueiras na prática comercial. Por sua vez, o CDC é zeloso quanto à preservação do equilíbrio contratual, da equidade contratual e, enfim, da justiça contratual, os quais não coexistem ante a existência de cláusulas abusivas. A propósito, ressalte-se que o art. 51 do CDC traz um rol meramente exemplificativo de cláusulas abusivas, num "conceito aberto" que permite o enquadramento de outras abusividades que atentem contra o equilíbrio entre as partes no contrato de consumo, de modo a preservar a boa-fé e a proteção do consumidor. Precedente citado: REsp 1.133.410-RS, Terceira Turma, DJe 7/4/2010. REsp 1.479.039-MG, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 6/10/2015, DJe 16/10/2015.
DIREITO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE APOSENTADORIA COMPLEMENTAR PARA INCLUSÃO DE HORAS EXTRAS. No caso em que o direito a horas extraordinárias, cujos valores estejam previstos no regulamento da entidade de previdência complementar como integrantes da base de cálculo das contribuições do participante, tiver sido reconhecido somente após a aposentadoria do empregado, o valor do benefício da aposentadoria complementar deve ser recalculado para considerar os valores das horas extraordinárias, devendo ser aferido no recálculo o que deixou de ser recolhido pelo empregado e pelo patrocinador se as horas extras tivessem sido oportunamente pagas. As horas extras não possuem caráter geral, sendo destinadas episodicamente aos ativos. Por constituírem salário apenas no momento em que são pagas, não se incorporando definitivamente ao contrato de trabalho, somente se houver previsão regulamentar é que poderão integrar o cálculo da complementação de aposentadoria, já que não há previsão legal nesse sentido. Em outras palavras, as horas extraordinárias não integram o cálculo da complementação de aposentadoria, à exceção daquelas pagas durante o contrato de trabalho e que compuseram a base de cálculo das contribuições do empregado à entidade de previdência privada, segundo norma do próprio plano de custeio. Desse modo, como o valor das horas extras compõe a base mensal de cálculo da contribuição do participante à entidade de previdência privada, deve ser utilizado também, na devida proporção, para fins de recebimento do benefício previdenciário complementar, consoante a equação matemática prevista no regulamento. Caso contrário, "admitir-se que o empregado contribua sobre horas extras que não serão integradas em sua complementação geraria inaceitável desequilíbrio atuarial em favor do fundo de pensão privado, o que não se justifica" (TST-IUJ E-ED-RR-301900-52.2005.5.09.0661, Tribunal Pleno, DEJT 10/6/2011). Por outro lado, deverá ser aferido, em liquidação de sentença, o montante de custeio que o trabalhador deveria ter contribuído se o empregador tivesse pagado corretamente as horas extras à época, devendo eventual diferença ser compensada com os valores a que faz jus o participante em virtude da integração da referida verba remuneratória no cálculo do benefício suplementar. Isso em observância aos princípios da fonte de custeio e do equilíbrio econômico-atuarial do fundo previdenciário. Havendo, portanto, apenas a contribuição do trabalhador, deve ser reduzido pela metade o resultado da integração do adicional de horas extras na suplementação de aposentadoria. Deve ser facultado, contudo, ao autor verter as parcelas de custeio de responsabilidade do patrocinador, se pagas a menor, para poder receber o benefício integral, visto que não poderia demandá-lo na presente causa em virtude de sua ilegitimidade passiva ad causam. Além disso, como o obreiro não pode ser prejudicado por ato ilícito da empresa, deve ser assegurado o direito de ressarcimento pelo que despender a título de custeio da cota patronal, a ser buscado em demanda contra o empregador. REsp 1.525.732-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 6/10/2015, DJe 16/10/2015.
DIREITO CIVIL. INAPLICABILIDADE DO ART. 30 DA LEI 9.656/1998 A CONTRATO DE PARCERIA RURAL. No caso de extinção de contrato agrário de "Parceria rural" (arts. 96, § 1º, da Lei 4.504/1964 e 4º do Decreto 59.566/1966), não é assegurado ao parceiro outorgado o "direito de manter sua condição de beneficiário" (art. 30 da Lei 9.656/1998) em plano de saúde coletivo instituído pela sociedade empresária outorgante. Cumpre esclarecer que, nos termos dos arts. 96, § 1º, da Lei 4.504/1964 (Estatuto da Terra) e 4º do Decreto 59.566/1966, "Parceria rural" é o contrato agrário pelo qual uma pessoa - sociedade empresária outorgante (ou cedente) - se obriga a ceder a outra - parceiro outorgado (geralmente pessoa física ou conjunto familiar, representado pelo seu chefe) -, por tempo determinado ou não, (a) o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou (b) animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso fortuito e da força maior do empreendimento rural e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei. Como se pode verificar, essa espécie contratual possui natureza agrocivil (e não trabalhista), haja vista que, na sua execução, a prestação de serviços se dá sem pessoalidade, subordinação ou exclusividade, sendo ausente qualquer remuneração periódica, dado que o parceiro trabalhador recebe como retribuição econômica parte do resultado final de sua produção. Nesse tipo de contrato, predomina o ânimo societário, já que os contratantes se constituem de forma organizada e profissional com o intuito de gerar riquezas, compartilhando riscos e lucros do negócio jurídico, de modo a descaracterizar a existência de relação de emprego. Tanto é assim que o art. 96, VII, do Estatuto da Terra determina que "aplicam-se à parceria agrícola, pecuária, agropecuária, agro-industrial ou extrativa as normas pertinentes ao arrendamento rural, no que couber, bem como as regras do contrato de sociedade, no que não estiver regulado pela presente Lei [4.504/1964]". Além disso, a própria Justiça trabalhista possui o entendimento de que o contrato genuíno de parceria rural não implica relação de emprego nos moldes dos arts. 2º e 3º da CLT (TST, SDI-II, RO 7651-33.2012.5.04.0000, DEJT 7/8/2015). Ademais, mesmo a descaracterização, em alguns casos, da parceria agrícola para um contrato de integração vertical não se mostra apta a transmudar a natureza do vínculo: de civil para trabalhista. Por sua vez, o art. 30 da Lei 9.656/1998 assegura o direito de manter a condição de beneficiário em plano de saúde coletivo tão somente ao consumidor que, "em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa", contribuiu para o plano. Aliás, apesar de existirem divergências doutrinárias sobre a abrangência desse dispositivo legal - a respeito, por exemplo, da sua aplicação aos diversos casos de demissão ou às outras relações de trabalho que não a de emprego -, a Terceira Turma do STJ tem feito uso da interpretação restritiva desse artigo, conforme se infere do julgamento do REsp 1.078.991-DF (DJe 16/6/2009), no qual não aplicou o aludido art. 30 à hipótese de demissão voluntária de empregado, tendo em vista que esse dispositivo legal apenas garante o benefício de permanência no plano de saúde coletivo a trabalhador demitido ou exonerado sem justa causa. Realmente, essa exegese mais estrita do art. 30 da Lei 9.656/1998 se justifica, porquanto o foco da proteção legal é o estado de desemprego involuntário do trabalhador, que ocorre apenas nos casos de despedida sem justa causa e dispensa indireta (falta grave praticada pelo empregador). Portanto, como a hipótese de extinção de contrato agrário de parceria rural não pode ser equiparada a uma dispensa sem justa causa de trabalhador submetido ao regime celetista (art. 30 da Lei 9.656/1998) - tampouco se enquadra como aposentadoria (art. 31 da Lei 9.656/1998) -, não há como, diante da rescisão de parceria rural, assegurar ao parceiro outorgado o direito de manter sua condição de beneficiário em plano de saúde coletivo instituído pela sociedade empresária outorgante. REsp 1.541.045-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 06/10/2015, DJe 15/10/2015.
DIREITO DO CONSUMIDOR. COBERTURA DE HOME CARE POR PLANO DE SAÚDE. Ainda que, em contrato de plano de saúde, exista cláusula que vede de forma absoluta o custeio do serviço de home care (tratamento domiciliar), a operadora do plano, diante da ausência de outras regras contratuais que disciplinem a utilização do serviço, será obrigada a custeá-lo em substituição à internação hospitalar contratualmente prevista, desde que haja: (i) condições estruturais da residência; (ii) real necessidade do atendimento domiciliar, com verificação do quadro clínico do paciente; (iii) indicação do médico assistente; (iv) solicitação da família; (v) concordância do paciente; e (vi) não afetação do equilíbrio contratual, como nas hipóteses em que o custo do atendimento domiciliar por dia não supera o custo diário em hospital. De fato, na Saúde Suplementar, o tratamento médico em domicílio não foi incluído no rol de procedimentos mínimos ou obrigatórios que devem ser oferecidos pelos planos de saúde. Efetivamente, o home care não consta das exigências mínimas para as coberturas de assistência médico-ambulatorial e de internação hospitalar previstas na Lei 9.656/1998. Ademais, tendo em vista a normatização feita pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre a questão (art. 3º, II, III e parágrafo único da Resolução Normativa 338/2013), verifica-se que a atenção domiciliar nos planos de saúde não foi vedada, tampouco se tornou obrigatória, devendo obedecer à previsão contratual ou à negociação entre as partes, respeitados os normativos da Anvisa no caso da internação domiciliar. Apesar disso, deve-se asseverar que, embora os planos e seguros privados de assistência à saúde sejam regidos pela Lei 9.656/1998, as operadoras da área que prestam serviços remunerados à população enquadram-se no conceito de fornecedor, existindo, portanto, relação de consumo, o que implica afirmar que as regras do CDC também devem ser aplicadas nesses tipos contratuais. Nesse sentido, incide a Súmula 469 do STJ, segundo a qual "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde". Desse modo, ambos os instrumentos normativos incidem conjuntamente, sobretudo porque esses contratos, de longa duração, lidam com bens sensíveis, como a manutenção da vida. Nesse contexto, verifica-se que o serviço de saúde domiciliar não só se destaca por atenuar o atual modelo hospitalocêntrico, trazendo mais benefícios ao paciente - pois terá tratamento humanizado junto da família e no lar, aumentando as chances e o tempo de recuperação, sofrendo menores riscos de reinternações e de contrair infecções e doenças hospitalares -, mas também, em muitos casos, é mais vantajoso para o plano de saúde, já que há a otimização de leitos hospitalares e a redução de custos (diminuição de gastos com pessoal, alimentação, lavanderia, hospedagem/diárias e outros). Diante disso, será abusiva qualquer cláusula contratual que tenha como consequência a vedação absoluta do custeio do serviço do tratamento domiciliar como alternativa de substituição à internação hospitalar, visto que se revela incompatível com a equidade e a boa-fé, colocando o usuário (consumidor) em situação de desvantagem exagerada (art. 51, IV, do CDC). Cumpre ressaltar, entretanto, que o home care não pode ser concedido de forma automática, tampouco por livre disposição ou comodidade do paciente e de seus familiares. Nessa conjuntura, diante da ausência de regras contratuais que disciplinem a utilização do serviço, a internação domiciliar pode ser obtida, não como extensão da internação hospitalar, mas como conversão desta. Para tanto, há a necessidade de haver (i) condições estruturais da residência; (ii) real necessidade do atendimento domiciliar, com verificação do quadro clínico do paciente; (iii) indicação do médico assistente; (iv) solicitação da família; (v) concordância do paciente; e (vi) não afetação do equilíbrio contratual, como nas hipóteses em que o custo do atendimento domiciliar por dia não supera o custo diário em hospital. Isso porque, nesses casos, como os serviços de atenção domiciliar não foram considerados no cálculo atuarial do fundo mútuo, a concessão indiscriminada deles, quando mais onerosos que os procedimentos convencionais já cobertos e previstos, poderá causar, a longo prazo, desequilíbrio econômico-financeiro do plano de saúde, comprometendo a sustentabilidade das carteiras. REsp 1.537.301-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/8/2015, DJe 23/10/2015.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ENUMERAÇÃO DOS LEGITIMADOS ATIVOS PARA AÇÃO DE INTERDIÇÃO. Não é preferencial a ordem de legitimados para o ajuizamento de ação de interdição. De fato, a enumeração dos legitimados pelos arts. 1.177 do CPC e 1.768 do CC é taxativa, mas não é preferencial. Trata-se de legitimação concorrente, não sendo a propositura da ação prerrogativa de uma única pessoa. Mais de um legitimado pode requerer a curatela, formando-se um litisconsórcio ativo facultativo. Assim, ambos os pais, ou mesmo mais de um parente, pode propor a ação, cabendo ao juiz escolher, em momento oportuno, quem vai exercer o encargo. Note-se, ainda, que a redação do art. 1.177 do CPC utiliza o verbo "poder", em vez de "dever", evidenciando, portanto, a ideia de mera faculdade, e não obrigação. Esclareça-se também que, conforme destacado no art. 1.775 do CC, as pessoas habilitadas para promoverem a ação diferem das habilitadas para exercerem a curatela sobre o interditando. Essas duas legitimidades obedecem apenas a uma ordem taxativa, mas não preferencial e absoluta, pois caberá ao juiz analisar cada caso concreto e aplicar o melhor para o interditando, independentemente de o autor da ação ser indicado em primeiro lugar nos artigos citados. O que se deve considerar, antes de tudo, é o interesse do incapaz, dado o caráter protetivo e assistencial que tem o instituto, já que mais grave do que haver dúvidas a respeito da legitimidade é deixar um incapaz abandonado e à mercê de pessoas inescrupulosas e interesseiras. Não se pode insistir em uma prioridade legal, apenas recomendada para o exercício da curatela, e não para a propositura da ação. Registre-se que, mesmo para o exercício da curatela, o juiz sempre haverá de analisar o melhor interesse do interditando, o que também não torna prioritária e absoluta a ordem legal na escolha do curador. Ressalte-se, ainda, que a interdição visa a curatela, que é imprescindível para a proteção e o amparo do interditando, resguardando a segurança social ameaçada ou perturbada por seus atos. Trata-se de intervenção que atende a imperativos de ordem social. REsp 1.346.013-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/10/2015, DJe 20/10/2015.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DE PARENTE PARA PROPOR AÇÃO DE INTERDIÇÃO. Qualquer pessoa que se enquadre no conceito de parente do Código Civil é parte legítima para propor ação de interdição. Segundo o art. 1.177, II, do CPC, a interdição pode ser promovida por algum parente próximo; e segundo o art. 1.768, II, do CC, a interdição deve ser promovida por qualquer parente. O certo é que a interdição é facultada a quem a lei reconhece como tal: ascendentes e descendentes de qualquer grau (art. 1.591 do CC) e aqueles em linha colateral até o quarto grau (art. 1.592 do CC). Como afinidade gera relação de parentesco, nada impede que os afins requeiram a interdição e exerçam a curatela. REsp 1.346.013-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/10/2015, DJe 20/10/2015.
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. INTERESSE DE AGIR EM AÇÃO DE CANCELAMENTO DE DIVERSAS INSCRIÇÕES EM CADASTRO NEGATIVO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. Há interesse de agir na ação em que o consumidor postula o cancelamento de múltiplas inscrições de seu nome em cadastro negativo de proteção ao crédito, mesmo que somente uma ou algumas delas ultrapassem os prazos de manutenção dos registros previstos no art. 43, §§ 1º e 5º, do CDC. Salienta-se, inicialmente, que nem toda dívida inscrita em cadastro negativo de proteção ao crédito (a exemplo do SPC e Serasa) é igual, pois cada uma delas apresenta características próprias que as diferem das demais, tais como as partes contratantes, o valor da obrigação, a data de vencimento, as garantias contratuais e até eventual foro para dirimir as questões decorrentes do negócio. Assim, como cada dívida pode gerar uma inscrição distinta, vislumbra-se ser possível que o devedor inadimplente, sob os mais variados fundamentos, questione individualmente cada registro. Ademais, quando o art. 43 do CDC utiliza as expressões "cadastros", "dados", "fichas" e "informações", todas no plural, infere-se a ideia de multiplicidade de registros a respeito do consumidor inadimplente. Em decorrência disso, o próprio § 3º do referido dispositivo explicita que: "O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas". Nessa linha de ideias, do ponto de vista do direito material, é plausível concluir que, no âmbito do cadastro de inadimplentes, não há falar em unicidade, pois é possível a existência de múltiplas anotações autônomas, porquanto cada inscrição possuirá origem em diferentes obrigações vencidas e não pagas. De outra banda, sob a ótica do direito processual civil, observa-se que cada dívida enseja uma causa de pedir e um pedido, podendo ser impugnadas, conforme o caso, nos autos de um mesmo processo ou em demanda autônoma, sem que, neste último caso, possa caracterizar eventual litispendência. No ponto, ressalta-se que mesmo quando a petição inicial impugnar variadas anotações, estar-se-á diante de diversas causas de pedir, fundadas em fatos possivelmente diferentes, na medida em que, como dito acima, cada registro corresponde a uma dívida não paga. Por tal razão, se a parte alega que as inscrições deverão ser canceladas em virtude de estar prescrita a pretensão de cobrança das dívidas ou por fluência do prazo quinquenal, e, ao analisar o caso, o magistrado ou Tribunal verificar que uma ou algumas ainda estão dentro do lapso legal de permanência do registro, deverá julgar parcialmente procedente o pedido, com base no art. 269, I, do CPC. Outrossim, mesmo na situação em que todos os registros questionados ainda se encontrarem dentro do prazo de permanência das anotações, o magistrado julgará improcedentes os pedidos, podendo a ação declaratória de cancelamento de registro ser novamente proposta em razão da fluência de novo lapso temporal. Desse modo, não parece possível a aplicação do princípio da "unicidade dos cadastros de inadimplentes" para reconhecer suposta falta de interesse de agir, tendo em vista que os registros são derivados de débitos distintos, impugnáveis de maneira individual ou conjunta. Ressalta-se, aliás, que entender o contrário poderia criar uma esdrúxula hipótese de perpetuidade dos registros negativos, caso o nome do devedor fosse inscrito no cadastro de proteção ao crédito em momentos diversos, ampliando-se, com isso, o período máximo de permanência da inscrição negativa, em evidente afronta aos comandos insertos nos §§ 1º e 5º do art. 43 do CDC. Além disso, não se pode olvidar que os bancos de dados e os cadastros negativos de proteção ao crédito atingem importante direito da personalidade, qual seja, o nome (art. 16 do CC). Por tal razão, eventuais restrições ao nome devem ser realizadas com temperamentos e em estrita observância à ordem jurídica, principalmente diante da tutela constitucional da dignidade da pessoa humana, imagem e privacidade. Nessa linha de intelecção, há vozes doutrinárias que ensinam que: "A semieternidade dos sistemas de proteção ao crédito - são conhecidos os exemplos de mortos que integravam os bancos de dados de consumo - não instiga o funcionamento do mercado. Em vez de acelerar as transações comerciais, a temporalidade aberta de registros privados (ou mesmo públicos) amarra a estrutura mercadológica, conquanto cristaliza ad eternum situações excepcionais que podem não mais representar a realidade do comportamento normal do indivíduo. Um caso isolado não pode ser usado para macular uma vida inteira, passada e futura, de correção como contratante e consumidor". A par disso, nota-se que o enunciado da Súmula 385 do STJ, a despeito de impossibilitar a obtenção de indenização por danos morais em virtude da existência de diversas inscrições em nome do devedor inadimplente, assegura o cancelamento de anotação considerada irregular, permitindo inferir que este Tribunal Superior já reconhece a existência de interesse de agir em caso de multiplicidade de registros em nome de um único devedor. REsp 1.196.699-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/9/2015, DJe 20/10/2015.


quinta-feira, 12 de novembro de 2015

IBDFAM LANÇA TRATADO DE DIREITO DAS FAMÍLIAS




IBDFAM LANÇA TRATADO DE DIREITO DE FAMÍLIA. 

Fonte: Site do IBDFAM. 

Reunir as principais matérias ligadas ao Direitos das Famílias de forma explícita ou implícita. A tarefa não é fácil, mas foi assumida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a maior entidade hoje no mundo a defender todas as configurações familiares, na obra Tratado de Direito das Famílias, lançada neste mês em Belo Horizonte.

Os dezenove autores, maiores especialistas sobre o tema, são todos conhecidos pela sua experiência, produção doutrinária e provém de vários estados brasileiros. Reuniram em mais de mil páginas todas as previsões legais e as discussões sobre os direitos que cabem às famílias, a base da sociedade. São eles: Cristiano Chaves de Farias, Euclides de Oliveira, Fabrício Bertini Pasquot Polido, Fernanda Tartuce, Flávio Tartuce, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Gustavo Tepedino, João Aguirre, Luiz Edson Fachin, Maria Berenice Dias, Maria Celina Bodin de Moraes, Mário Luiz Delgado, Nelson Rosenvald, Paulo Lôbo, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Sílvio de Salvo Venosa, Tânia da Silva Pereira e Zeno Veloso.

Os temas reunidos na obra traduzem e espelham o que é o Direito de Família contemporâneo. Segundo o coordenador da obra, Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do IBDFAM, o Direito deve dar proteção à essência das relações ainda que em detrimento, às vezes, da forma ou formalidade que o cerca. Por esta razão e é nesse sentido, garante, que a família ganhou interesse e relevância como núcleo formador e estruturante do sujeito. E portanto, a forma de constituí-la ou a formalidade que a cerca tem papel secundário em relação à dignidade de cada sujeito. “A família não é fruto da natureza, mas da cultura. Por isso, ela pode sofrer inimagináveis variações no tempo e no espaço, transcendendo sua própria historicidade. O Direito não pode fechar os olhos a esta realidade. E por mais variações que a família sofra, em seu cerne estará sempre o valor mais seguro, e do qual nenhum ser humano pode abrir mão, essencial a adultos e crianças: o amor, a afetividade”, define.  

O primeiro capítulo da obra é dedicado ao conceito de família e sua organização jurídica. Na sequência, o Direito de Família e os princípios constitucionais; a família conjugal; união estável; a família parental; alienação parental e as nuances da parentalidade – guarda e convivência familiar; proteção dos idosos; adoção; nome civil da pessoa natural; contratos em Direito de Família; alimentos; alimentos compensatórios; separações e anulações – culpa e responsabilidades ou fim da conjugalidade; divórcio; bem de família e o patrimônio mínimo; tutela; curatela; a responsabilidade e reparação civil; violência doméstica e a Lei Maria da Penha; a família nas relações privadas transnacionais: aportes metodológicos do direito internacional privado; e processos judiciais e administrativos em Direito de Família.

Serviço:
Tratado de Direito das Famílias
Número de páginas: 1024
Formato: 18x26
Ano: 2015
Peso: 1.806 g
ISBN: 978-85-69632-00-9
O Tratado de Direito das Famílias encontra-se à venda pelo site www.ibdfam.org.br/tratado


ARTIGO DE JOSÉ FERNANDO SIMÃO. MÔNICA BÉRGAMO E A PROVA DO ESFORÇO COMUM. PARTE 1.

Mônica Bergamo e a Prova do Esforço Comum - Parte 1

Por José Fernando Simão. Professor Associado do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP. Advogado e consultor jurídico.

Publicado no Jornal Carta Forense.

Recentemente, a famosa colunista de um dos maiores jornais do país, a Folha de São Paulo, deu uma notícia que causou furor no mundo jurídico. Mônica Bergamo, em 1 de setembro de 2015, assim afirmou:

“O STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu que a partilha do patrimônio de casal que vive em união estável não é mais automática. Agora, cada convivente tem que provar que contribuiu “com dinheiro ou esforço” para a aquisição dos bens”.

A frase solta e descomprometida gerou muita controvérsia. Meu amigo e colega, Professor Flávio Tartuce, chegou e enviar e-mail à colunista para indicar que a informação continha equívocos.

A questão da partilha de bens na união estável foi por mim tratada em longo artigo que produzi para a obra em homenagem ao Professor Álvaro Villaça Azevedo publicada pela Editora Atlas.

Algumas notas históricas são necessárias para a compreensão do tema.

I – Do concubinato à união estável: da inexistência de direito aos concubinos ao condomínio (1996).

O Código Civil de 1916 admitia um único modelo familiar, qual seja, a família legítima advinda do casamento. A concubina, como a amante do homem casado, quando mecionada em dispositivos legais, não tinha quaisquer direitos ou, ao contrário, a lei vedava que bens lhe fossem transmitidos (doações ou herança).[1]

Desta forma, não se reconhecia a possibilidade de uma pessoa solteira viver com outra, também solteira, e que tal união contasse com proteção jurídica. Ademais, conceder direito às famílias ditas ilegítimas seria desprestigiar a instituição do casamento.

A noção de moral e de direito acabavam por se misturar. Assim, negavam-se direitos aos concubinos sob o fundamento de se tratar de um ato imoral que não pode ser protegido nem dele decorrer vantagens (RT 165/694).

Depois de um longo e persistente esforço da doutrina em criar a categoria do concubinato puro (pessoas não impedidas de se casar) e sua distinção quanto ao concubinato impuro (pessoas impedidas de se casar)

Assim, a doutrina e jurisprudência passaram a admitir direitos pessoais e patrimoniais ao concubinos, desde que se tratasse de concubinato puro. Gradativamente, abandona-se a nomenclatura concubino (sendo o concubinato puro) e adotam-se os termos convivente ou companheiro[2]. Nas decisões mais antigas, o termo concubino ainda é utilizado, mas este é abandonado nas decisões mais recentes[3].

Um dos primeiros e importantes passos de proteção da companheira (e não falamos dos companheiros, pois, à época, era a mulher que ingressava em juízo pleiteando direitos), foi a admissão de uma indenização pelos anos de serviços prestados. Nesse sentido:

“É justa a reparação dada à mulher, que não pede salários como amásia, mas sim pelos serviços caseiros.” (RT 181/290).

Pode parecer aviltante o conteúdo indenizatório destas decisões, mas, na realidade, representam um enorme avanço, já que, antes disso, a companheira terminava uma relação duradoura (muitas vezes de uma vida), sem qualquer direito ou amparo patrimonial[4].

Curioso o teor das decisões que assim afirmavam:

“Embora a mancebia constitua união ilegítima, nada impede reclame qualquer deles, do outro, a retribuição por serviços estranhos à relação concubinária” (RT 260/427).

Na realidade, pelo texto do julgado, percebe-se a preocupação em se esclarecer que a retribuição não englobava os préstimos sexuais (serviços estranhos à relação concubinária), sob pena de se admitir algo semelhante à prostituição.

A vantagem destas decisões é que, no sistema do Código Civil de 1916, a prescrição era vintenária (art. 177, caput), e, assim, sendo a união longa, a companheira poderia cobrar a indenização por até 20 anos, obtendo um valor substancial ao fim da ruptura.

Até meados da década de 1980 eram, freqüentes as decisões nesse sentido.

Entretanto, a solução não era suficiente. Isso porque, a companheira recebia indenização, mas não tinha qualquer participação sobre o patrimônio adquirido, no mais das vezes, pelo companheiro e registrado em seu nome (no caso de imóveis, por exemplo).

A solução para a questão, ou, pelo menos, seu encaminhamento se dá com a Súmula 380 do STF, que data de 3 de abril de 1964:

“Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos[5], é cabível sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.

A Súmula é fruto de intenso trabalho doutrinário e jurisprudencial pelo qual se reconheceu a possibilidade de a companheira participar do patrimônio adquirido pelo outro companheiro em decorrência do esforço comum. Reconhece-se, assim, uma sociedade de fato entre companheiros.

O princípio basilar desta orientação é a vedação ao enriquecimento sem causa. Cabe então indagarmos: como compreender a noção de “esforço comum” que gera a sociedade de fato?

A interpretação da expressão, à época da edição da Súmula, é que esforço comum significava efetiva participação de ambos os companheiros na construção de um patrimônio. Haveria verdadeira affectio societatis. Assim, o simples concubinato não gerava efeitos patrimoniais, sendo necessária a prova da sociedade de fato.

E se a companheira trabalhou no lar cuidando da família, mas não teve contribuição econômica na aquisição dos bens? A conclusão que se chegava era que não havia o esforço comum e, portanto, inexistente a sociedade de fato:

“Se os bens foram adquiridos na constância do concubinato com esforço comum, deve a concubina receber a metade, como decorrência de uma sociedade de fato que realmente existiu; no caso, todavia, de não ter a companheira senão zelado pela casa, os serviços devem ser pagos.” (RT 210/217)

Explica o Prof. Álvaro Villaça Azevedo que, malgrado essa torrencial jurisprudência, entendia-se, muito antes da Constituição Federal de 1988, que, existindo concubinato puro, bastava a convivência concubinária para que se admitisse o condomínio, nascido do esforço comum, “pois não se uniram eles sob mera sociedade de fato, em qualquer empresa, mas com o intuito de constituírem família”[6] (2002:211).

Para finalizarmos a questão, deve-se frisar que sociedade de fato não gera, como efeito necessário, a partilha dos bens em 50% para cada companheiro. Assim, provado que o companheiro contribuiu economicamente mais que a companheira, a partilha será feita em percentual desigual.

“Assim como nas sociedades comerciais, variável pode ser a cota dos sócios, nas sociedades de fato os haveres de cada sócio podem ser desiguais” (RT 552/184).

Em resumo, ainda que a indenização por serviços prestados fosse substancialmente melhor que a negativa de direitos, ainda que a partilha do patrimônio, mediante prova do esforço comum, fosse melhor que a indenização por serviços prestados, percebe-se a insuficiência de tratamento no tocante aos efeitos patrimoniais da união estável.


[1].   “Art.248. A mulher casada pode livremente:
IV - Reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo marido à concubina (art. 1.177).”
      “Art. 1.177. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até 2 (dois) anos depois de dissolvida a sociedade conjugal (arts. 178, § 7°, VI, e 248, IV).
      Art. 1.719. Não podem também ser nomeados herdeiros, nem legatários:
      III- a concubina do testador casado”.
[2].   Etimologicamente, companheiro deriva de cum panem, ou seja, com o pão. Os companheiros dividem alegrias e tristezas e assim, simbolicamente, dividem o pão.

[3].   No presente texto, já utilizaremos companheiros para o concubinato puro. Frisamos que, após 1988, inclusive, que não se pode mais utilizar o termo concubino para as pessoas que formam família por meio de união estável.

[4].   Não nos esqueçamos que o direito a alimentos entre os companheiros só foi pacificamente admitido no Brasil a partir de 1994, com a edição da lei 8.971/94. A lei só entrou em vigor no início 2005.

[5].   Concubinos que conviviam em concubinato puro, ou seja, os companheiros, na atual linguagem.

[6].   Realmente, os escritos do Prof. Álvaro Villaça Azevedo nesse sentido datam do início da década de 1980.