quarta-feira, 19 de abril de 2017

BREVE ANÁLISE DO §2º DO ART. 792 DO NOVO CPC. ARTIGO DE PABLO LEMOS CARLOS SANT'ANNA

 Breve análise do §2º do art. 792 do Novo Código de Processo Civil 
Pablo Lemos Carlos Sant'Anna. Advogado. Mestrando em Direito pela Universidade Veiga de Almeida. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil e em Direito Imobiliário pela Faculdade Cândido Mendes.
O Código de Processo Civil de 2015 deu nova estrutura ao instituto da fraude à execução e, dentre outras inovações, estabelece no § 2º do artigo 792 que, no caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o comprador deve provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
É possível, assim, se afirmar que na compra e venda da maioria dos bens móveis, para os quais não existam cadastros, será necessária a obtenção de certidões para que haja segurança jurídica na efetivação do negócio? Faria sentido impor ao adquirente de bem móvel um ônus igual àquele que recai sobre o adquirente de bem imóvel? Tal sistema não engessaria as relações comerciais e semearia a desconfiança no mercado?
 As respostas às questões colocadas dependem do sentido a ser dado ao termo “bem não sujeito a registro”.
Sob uma ótica abstrata, o termo significa bens que nunca poderão ser objeto de registro por não existir cadastro para aquela espécie de bem. Os bens móveis, em regra, não estão sujeitos a registro de propriedade, de forma que a sua transmissão se opera através da entrega física da coisa. No entanto, há exceções, como as embarcações e aeronaves, em que, para a transmissão da propriedade da coisa, é necessário o registro em órgão específico; e também os veículos automotores e semelhantes (reboque ou carretas), que, embora a consumação do negócio jurídico ocorra com a entrega da coisa, devem possuir um órgão responsável pelo registro de propriedade. Mas e quanto aos demais bens móveis-  joias, obras de arte, livros, computadores, por exemplo-  a segurança na compra e na venda desses bens dependeria das certidões referidas acima.
Considerado sob uma ótica concreta, “bem não sujeito a registro” significa aquele bem imóvel que poderia ser registrado, mas que no caso concreto não pode pelas mais diversas razões, dentre as quais destacamos:
1.     No caso de inexistência de registro de propriedade, a detenção física do imóvel poderá ser considerada como posse, de modo a ensejar proteção jurídica;
2.     Além disso, há hipóteses em que o imóvel tem registro de propriedade, mas o direito mais relevante é o do possuidor, como reconheceu recentemente o STJ - REsp 1.636.689. É o caso, por exemplo, dos chamados “contratos de gaveta” (muitas vezes parte de uma “cadeia” de cessões de um compromisso de compra e venda).
3.     Os direitos do compromissário comprador (e dos cessionários), mesmo os não registrados e, muitas vezes, sem possibilidade jurídica de registro no cartório imobiliário, constituem bens imóveis, de acordo com o art. 80, I, do Código Civil e a jurisprudência do STJ que estabeleceu o direito à adjudicação compulsória do compromisso de compra e venda não registrado.
Embora, em tese, todo bem imóvel deva ter registro de propriedade em cartório imobiliário, uma parte significativa dos imóveis no País – mais de cem milhões - não tem acesso ao registro de imóveis.
No meu entender, o termo deve ser interpretado sob a ótica concreta, pois, diante das hipóteses descritas acima, fica claro que o alcance do § 2º do art. 792 do novo CPC são os bens imóveis que não podem ser registrados. Daí, a conjugação das expressões “bem não sujeito a registro” com “local onde se encontra o bem”.
Em outras palavras, “não havendo registro do bem imóvel”, é ônus do adquirente (terceiro em relação ao processo) demonstrar que agiu com a cautela devida na aquisição do bem, mediante a exibição das certidões pertinentes. Trata-se, assim, de dispositivo que acaba por desenvolver a segunda parte do enunciado da Súmula 375 do STJ. Nesse sentido, afirma Flávio Tartuce que “(...) sem dúvidas que a nova previsão acaba por mitigar o teor sumular, invertendo o ônus da prova, pois antes cabia ao prejudicado a prova da má-fé (...)”-  Impactos do novo CPC no Direito Civil, São Paulo: MÉTODO, 2015, cap. 7.

Também no mesmo sentido, o posicionamento de Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello: “Como se vê, diante do NCPC o entendimento jurisprudencial que impõe ao exequente provar a má-fé do adquirente deve necessariamente ser alterado. Há, por força de lei, inversão no ônus desta prova, cabendo ao terceiro adquirente fazer prova de sua boa-fé e não o contrário. A Súmula 375 do STJ deve ser, na sua segunda parte, revogada, só se justificando sua manutenção quanto à exigência da citação.” (Primeiros comentários ao novo código de processo civil, São Paulo: RT, p. 1146-1147).
A fraude à execução, além de prejudicar o credor, atenta contra o próprio Poder Judiciário, pois consiste em uma tentativa de levar um processo já instaurado à inutilidade. Dessa forma, o objetivo do legislador não foi burocratizar o mercado de bens móveis, mas dar segurança ao mercado imobiliário, garantindo a boa-­fé do comprador, o direito do credor e a eficácia das decisões judiciais.

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