Breve análise do §2º do art. 792 do Novo Código de Processo Civil
Pablo Lemos Carlos
Sant'Anna. Advogado. Mestrando em Direito pela Universidade Veiga de Almeida.
Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil e em Direito Imobiliário pela
Faculdade Cândido Mendes.
O Código de Processo
Civil de 2015 deu nova estrutura ao instituto da fraude à execução e, dentre
outras inovações, estabelece no § 2º do artigo 792 que, no caso de
aquisição de bem não sujeito a registro, o comprador deve provar que adotou as
cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões
pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o
bem.
É possível, assim, se
afirmar que na compra e venda da maioria dos bens móveis, para os quais não
existam cadastros, será necessária a obtenção de certidões para que haja
segurança jurídica na efetivação do negócio? Faria sentido impor ao adquirente
de bem móvel um ônus igual àquele que recai sobre o adquirente de bem imóvel?
Tal sistema não engessaria as relações comerciais e semearia a desconfiança no
mercado?
As respostas às
questões colocadas dependem do sentido a ser dado ao termo “bem não sujeito a
registro”.
Sob uma ótica
abstrata, o termo significa bens que nunca poderão ser objeto de registro por
não existir cadastro para aquela espécie de bem. Os bens móveis, em regra, não
estão sujeitos a registro de propriedade, de forma que a sua transmissão se
opera através da entrega física da coisa. No entanto, há exceções, como as
embarcações e aeronaves, em que, para a transmissão da propriedade da coisa, é
necessário o registro em órgão específico; e também os veículos automotores e
semelhantes (reboque ou carretas), que, embora a consumação do negócio jurídico
ocorra com a entrega da coisa, devem possuir um órgão responsável pelo registro
de propriedade. Mas e quanto aos demais bens móveis- joias, obras de
arte, livros, computadores, por exemplo- a segurança na compra e na venda
desses bens dependeria das certidões referidas acima.
Considerado sob uma
ótica concreta, “bem não sujeito a registro” significa aquele bem imóvel que
poderia ser registrado, mas que no caso concreto não pode pelas mais diversas
razões, dentre as quais destacamos:
1.
No caso de inexistência de registro de
propriedade, a detenção física do imóvel poderá ser considerada como posse, de
modo a ensejar proteção jurídica;
2.
Além disso, há hipóteses em que o
imóvel tem registro de propriedade, mas o direito mais relevante é o do
possuidor, como reconheceu recentemente o STJ - REsp 1.636.689. É o caso, por
exemplo, dos chamados “contratos de gaveta” (muitas vezes parte de uma “cadeia”
de cessões de um compromisso de compra e venda).
3.
Os direitos do compromissário comprador
(e dos cessionários), mesmo os não registrados e, muitas vezes, sem
possibilidade jurídica de registro no cartório imobiliário, constituem bens
imóveis, de acordo com o art. 80, I, do Código Civil e a jurisprudência do STJ
que estabeleceu o direito à adjudicação compulsória do compromisso de compra e
venda não registrado.
Embora, em tese, todo
bem imóvel deva ter registro de propriedade em cartório imobiliário, uma parte
significativa dos imóveis no País – mais de cem milhões - não tem acesso ao
registro de imóveis.
No meu entender, o
termo deve ser interpretado sob a ótica concreta, pois, diante das hipóteses
descritas acima, fica claro que o alcance do § 2º do art. 792 do novo CPC são
os bens imóveis que não podem ser registrados. Daí, a conjugação das expressões
“bem não sujeito a registro” com “local onde se encontra o bem”.
Em outras palavras,
“não havendo registro do bem imóvel”, é ônus do adquirente (terceiro em relação
ao processo) demonstrar que agiu com a cautela devida na aquisição do bem,
mediante a exibição das certidões pertinentes. Trata-se, assim, de dispositivo
que acaba por desenvolver a segunda parte do enunciado da Súmula 375 do STJ.
Nesse sentido, afirma Flávio Tartuce que “(...) sem dúvidas que a nova previsão
acaba por mitigar o teor sumular, invertendo o ônus da prova, pois antes cabia
ao prejudicado a prova da má-fé (...)”- Impactos do novo CPC no
Direito Civil, São Paulo: MÉTODO, 2015, cap. 7.
Também no mesmo
sentido, o posicionamento de Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins
Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello:
“Como se vê, diante do NCPC o entendimento jurisprudencial que impõe ao
exequente provar a má-fé do adquirente deve necessariamente ser alterado. Há,
por força de lei, inversão no ônus desta prova, cabendo ao terceiro adquirente
fazer prova de sua boa-fé e não o contrário. A Súmula 375 do STJ deve ser, na
sua segunda parte, revogada, só se justificando sua manutenção quanto à
exigência da citação.” (Primeiros comentários ao novo código de processo
civil, São Paulo: RT, p. 1146-1147).
A fraude à execução, além de prejudicar o credor, atenta contra o próprio Poder
Judiciário, pois consiste em uma tentativa de levar um processo já instaurado à
inutilidade. Dessa forma, o objetivo do legislador não foi burocratizar o
mercado de bens móveis, mas dar segurança ao mercado imobiliário, garantindo a
boa-fé do comprador, o direito do credor e a eficácia das decisões judiciais.
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